sexta-feira, 25 de junho de 2010

Palavras sobre o indizível:

 

A fim de simplificar as coisas, partimos para raciocínios dialéticos: fazemos uma distinção entre duas forças distintas e, através da oposição entre essas potências, chegamos a uma terceira, que pode ser compreendida como síntese da relação entre energias antitéticas.Poderíamos falar, deste modo, na constante luta entre Deus e o diabo, entre o proletariado e a burguesia, entre o certo e o errado, entre o velho e o novo, entre a verdade e a mentira, entre o bem e o mal …

Penso que a tentação à dialética pode limitar em certo sentido a compreensão das coisas.Talvez o uso da palavra possa,ele também, constituir uma limitação, principalmente quando se refere a temas como os sentimentos.

 

 

O neurobiologista português radicado nos Estados Unidos, António Damásio, distingue em uma de suas obras literárias emoções e sentimentos, definindo as primeiras como “ações ou movimentos, muitos deles públicos, que ocorrem no rosto, na voz ou em comportamentos específicos”, enquanto os sentimentos, “pelo contrário, são necessariamente invisíveis para o público”, são “a propriedade mais privada do organismo em cujo cérebro ocorrem”.

 

É com base em minhas experiências pessoais em diálogo com pressupostos teóricos estrangeiros que venho buscando na neurobiologia, bem como no campo da filosofia, que defendo a ideia de que a isso que alguns preferem se referir com o nome de “Deus”, reside no indizível.Mas é uma tendência humana natural a recorrência a palavra: tornar o incompreensível, de alguma forma, compreensível, e não só isso, dizível.Mas a “isso” eu prefiro reservar-me o direito de manter o silêncio.Como já afirmei em outro post, vislumbro na natural tendência humana à representação um dos fatores de reforço à utilização de Deus – percebam, reduzido a condição de substantivo singular no gênero masculino e em grau singular – como artíficio a favor da nossa própria limitação.Mas é possível fugir dessa perspectiva ?

É o que busco ao manter o indizível no lugar que lhe julgo devido, no âmbito do indizível, irrepresentável, inalcançável, inexpressável.

Bibliografia recomendada:

*As citações às quais faço referência no presente post estão presentes em Damásio (2004), mas aconselho decididamente a leitura dos três livros que constituem a presente bibliografia:

1. DAMÁSIO,Antônio.O mistério da inconsciencia: do corpo e das emoções ao conhecimento de si.São Paulo:Cia das letras,2000.Trad.Laura Teixeira Motta.

2. DAMÁSIO,António R.O erro de Descartes:emoção,razão e o cérebro humano.São Paulo:Companhía das letras,2000.Trad.Dora Vicente e Georgina Segurado.

3. DAMÁSIO,António.Em busca de Espinosa:dor e prazer na ciência dos sentimentos.São Paulo: Companhia das letras, 2004

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