sexta-feira, 25 de maio de 2012

Por que beleza importa?


Vale a pena assistir. No documentário a seguir o filósofo Roger Scruton - já postado nesse mesmo blog quando da questão "o que aconteceu com a razão?" - busca responder a questão: por que a beleza importa? Sim, ela importa. O filósofo defende com maestria sua posição, a qual compartilho, de que a arte contemporânea sofre de "relativice aguda": a arte não passa de um conceito, um ponto de vista. Mas como chegamos a esse estado de coisas? No documentário Scruton traça o histórico dessa condição passando pela arte sacra, a arte renascentista e a contestação da arte por si mesma no século XX, trazendo à tona sobretudo as reflexões de Duchamp sobre o lugar da arte na vida. Eu assisti e gostei muito. Espero que gostem também:


FESTAETT 2012:


Já saiu a programação do FESTAETT 2012:







Um FILo pelo Ouro:


Por que o teatro não pode parar? Como bem disse o poeta e crítico literário Ferreira Gullar, "a arte existe porque a vida não basta". E porque vida, festa, festa de dor e gozo, grito e silêncio no tempo: teatro.

O FILo vem recheado de ameixas, laranjas performáticas, palhaços, Shakespeare, gozo, dor, silêncios e gritos. E por falar em grito, aquele que motiva a presente edição do FILo é a reconstrução do Teatro Ouro Verde, cujas estruturas foram destruídas pelo incêndio. O FILo 2012 vem alimentar uma chama necessária, aquela que aquece a luta pela reconstrução do ouro londrinense, e esperamos que mais do que palavras, essa luta se faça com ação, porque viver é agir, e teatro é vida. 

Seja bem vindo FILo 2012 por quem se faz presente, porque teatro é presença e troca, ação, co-ação, e nessa cooperação, quem quer o Ouro Verde em pó não há de nos coagir.

Com a palavra o diretor geral do festival, Luiz Bertipaglia:

 FILO 2012 acontece sob o signo de uma grande ausência. No dia 12 de fevereiro, Londrina (e por que não o país?) assistiu atônita ao incêndio que pôs no chão o Teatro Ouro Verde - símbolo do patrimônio histórico e afetivo da cidade. 

Jóia da arquitetura nacional, um autêntico Villanova Artigas. Principal palco de uma cidade que ainda não tem equipamentos culturais à altura da sua vocação e realidade. O Ouro Verde caído criou um vazio de angústia e inquietação. 

Paralisou de imediato as pessoas. E logo colocou-as a pensar e agir. É preciso reconstruí-lo. E é preciso construir de vez o Teatro Municipal, que, afinal, preexiste ao Ouro Verde como necessidade e projeto. 

Mas levou também à tomada de atitudes imediatas. Uma delas está presente na edição do FILO deste ano: a procura de alternativas para realizar um festival desta dimensão, um dos mais importantes do país. Mas, diga-se: uma atitude imediata, mas longe de qualquer improviso. 

No ano em que o festival reverencia sua memória, uma tradição sua é mais uma vez exercitada: a de ocupar com criatividade os espaços da cidade. E assim vai ser em 2012. As artes cênicas vão se espalhar por ruas, praças, espaços adaptados e até por teatros convencionais (tão poucos, ainda). E com o brilho de sempre. Confira a programação. 

O Ouro Verde é parte viva da memória do FILO. Assim como o sonho de um Teatro Municipal. Mas também o são a experiência e a capacidade de construir, em todos os sentidos, um novo festival a cada ano. Há 44 anos. 


Conheça a programação do festival no site:  http://www.filo.art.br/site/ 
Um bom FILO para todos nós! 

sábado, 5 de maio de 2012

Stanislávski e Grotowski: Sementes ao Tempo:



Enfim publico a monografia por mim redigida por ocasião do bacharelado em artes cênicas, pela Universidade Estadual de Londrina, curso que conclui em 2010. O trabalho de conclusão de curso teve como objetivo traçar os pontos de encontro entre as filosofias teatrais de dois dos maiores nomes do teatro do novecentos: o russo Konstantin Stanislávski (1863-1938) e o polonês Jerzy Grotowski (1933-1999). Desde então, tenho me dedicado a outras fontes, outros meios, caminhado para outros fins, mas a redação que aqui exporei constitui um momento importante de minha formação como artista e como ser humano, de modo que ao compartilhá-la convosco, compartilho mais um pouco de mim.

 É um ponto de concórdia entre todos os estudiosos da história do teatro do século XX que Stanislávski e Grotowski constituem duas pedras basilares na formação do pensamento teatral do século passado e presente, e continuam a estimular aqueles que fazem o teatro, e que se fazem, a si mesmos, pelo fazer teatral. Espero que os leitores também possam apreciar a redação, por vezes concordando com minhas posições, por vezes discordando delas. Pretendo publicar o restante do texto nos dias seguintes. Por enquanto, vos deixo a introdução, onde aponto para o objetivo e estrutura do discurso:






1.Introdução:


 Respectivamente: Konstantin Stanislávski (1863-1938)   Jerzy Grotowski (1938-1999)


Konstantin Serguiêievich Stanislávski -Alexeiev (1863-1938) é um dos nomes mais importantes da história do teatro no século XX.Seu trabalho artístico-pedagógico, desenvolvido nos estúdios do Teatro de Arte de Moscou, bem como suas reflexões pessoais sobre a arte de ator registradas em sua obra literária constituem um complexo volume de questões a reverberarem pelo século passado chegando até os dias de hoje.Dentre os influenciados assumidos, encontramos o polonês Jerzy Grotowski (1933 – 1999), que, anos depois da morte de Stanislávski, também se dedicaria ao estudo teórico-prático do trabalho do ator com base em questões antes levantadas pelo mestre russo.

Nas páginas seguintes buscaremos traçar alguns pontos de encontro entre o trabalho de Stanislávski e o de Grotowski.A fim de conceder maior objetividade ao texto, no que se refere a Grotowski, encerraremos nosso estudo na década de sessenta.Mas é importante salientar que a trajetória de Grotowski – tal qual a de Stanislávski – está longe de se resumir às questões aqui tratadas, e se optamos por tal caminho, o fazemos em função das limitações deste estudo.

O trabalho divide-se em três capítulos.No primeiro, voltaremos nossa atenção ao conjunto de premissas éticas valorizadas por Stanislávski junto ao Teatro de Arte de Moscou e  apontaremos para sua presença na obra teórica do pedagogo russo.Ainda no capítulo primeiro, passaremos a Grotowski na tentativa de encontrar similitudes entre os princípios éticos manifestos na obra stanislavskiana e aqueles defendidos posteriormente por Grotowski junto ao Teatro Laboratório.Assim, espero, possamos notar como o pensamento stanislavskiano aponta para a vida: a visão teatral indissocia-se de um projeto de sociedade e este encontra no teatro uma possibilidade de materialização.

E se a ética constitui a base do trabalho proposto por Stanislávski, este desenvolveu-se através de uma via prática em busca da construção de um novo homem: o trabalho do ator é sobre si mesmo.Este trabalho, realizado no dia-a-dia de estudos do professor Stanislávski junto aos atores dos estúdios do Teatro de Arte de Moscou é aqui comentado a partir de alguns dos textos por ele deixados, mas com a devida ressalva de que, se o pensamento stanislavskiano não deve resumir-se ao teatro somente, sua prática não cabe em nenhum discurso literário visto ter sido, antes, vida.Como no capítulo anterior, neste, voltaremos em seguida à Grotowski a fim de apontar para similaridades entre o trabalho prático desenvolvido pelo polonês e aquele antes elaborado pelo russo, com a mesma ressalva válida no caso de Stanislávski.

Para concluir, trataremos da unidade corpo-mente, apresentada nas palavras grotowskianas  pelo termo “corpo-vida”, ou ainda, “corpo-memória”.O último capítulo tentará apontar para a indivisibilidade corpo-mente, presente nas reflexões stanislavskianas, sobretudo, como princípio motor do método das ações físicas.










2. O PALCO DA ÉTICA NA ÉTICA DO PALCO: O TEATRO COMO MICROCOSMOS DA SOCIEDADE



Nossos postulados não são novos.

Jerzy Grotowski


Konstantin Serguiêievitch Stanislávski -Alexeiev (1863-1938) é figura central na história do teatro no século XX.Seu pensamento constitui forte influência no novecento teatral[1] e continua a estimular práticas teatrais na contemporaneidade.Dentre aqueles que encararam o legado stanislavskiano como premissa encontramos o nome de Jerzy Grotowski (1933-1999), que vai buscar em Stanislávski – entre outras fontes diversas – um fomento para a construção de sua própria personalidade artístico-pedagógica.Este capítulo tem por objetivo apontar para as similaridades entre o pensamento de Stanislávski e o de Grotowski no que se refere aos aspectos éticos presentes nas filosofias de ambos.

Grotowski não esconde suas fontes.Ele assume o impacto do pensamento stanislavskiano sobre a formação de seu próprio fazer e pensar, mas sempre o coloca como uma espécie de desafio, um chamado à construção de sua própria personalidade artística:

Criei-me com o método de Stanislávski; seu estudo persistente, sua renovação sistemática dos métodos de observação e seu relacionamento dialético com seu próprio trabalho anterior fizeram dele meu ideal pessoal.Stanislávski investigou os problemas metodológicos fundamentais.Nossas conclusões, contudo, diferem profundamente das suas; por vezes, atingimos conclusões opostas (GROTOWSKI,1976,p.2).

De fato o trabalho desenvolvido por Grotowski resgata muito daquilo que, anos antes, fora defendido por Stanislávski.Quando nos atentamos ao conjunto de premissas valorizadas por Stanislávski e Grotowski em respeito ao trabalho artístico, podemos encontrar princípios éticos por ambos compartilhados.
                                                                                                                                           Stanislávski conferiu essencial importância à ética e à disciplina de trabalho, não só como quesitos fundamentais da organização da estrutura geral da empresa artística, mas também como aspectos elementares no processo educacional do artista cênico, considerando-as, desde os primeiros anos de seu labor, como a base sustentadora de seu “sistema”[2].

De acordo com Stanislávski (1983,p.234)[3], “cada membro da corporação teatral” deveria sentir-se “como um parafuso de uma máquina grande e complicada”.Stanislávski elabora uma imagem da companhia teatral tal que, metaforizada na figura da máquina, encontra em cada um de seus membros uma importante peça responsável por garantir a estabilidade do todo.É em função desta estabilidade almejada que os atores são aconselhados por Stanislávski a resguardar o teatro dos males que lhe seriam sedutores.O trabalho teatral, dado seu caráter coletivo, exige, na perspectiva stanislavskiana, a regulação do “próprio caráter”, de maneira a “adaptá-lo à obra comum”, formando  “um caráter de corporação, por assim dizer” (STANISLAVSKI[4],1983,p.230)[5].


A pontualidade é outro importante quesito no conjunto de premissas éticas defendidas por Stanislávski, consequência do assumido caráter coletivo do trabalho teatral, porquenão se pode chegar tarde a uma atividade que se realiza coletivamente e alterar a ordem geral”(1983,p.230)[6].Stanislávski (1983,p.242)[7], forjado na figura do professor Tortsov, recomendará aos atores que não cheguem na hora exata do ensaio, mas “meia hora ou um quarto de hora antes do começo deste”.

O teatro é uma realidade em si mesma, e como tal, possui sua própria natureza.É com base nessa ideia que Stanislávski (1983,p.238)[8] critica os atores que “levam ao seu teatro todo tipo de misérias cotidianas: comadrices, intrigas, falatórios, calúnias, invejas, um mesquinho amor próprio”, o mestre russo afirma que, “pode se estar abatido em casa, mas no teatro há que sorrir”, e acrescenta – retomando a importância do aspecto coletivo no trabalho teatral – “que os mais firmes ajudem a consegui-lo” (STANISLAVSKI,1983,p.231)[9].

Stanislávski também nota que “as conversas e ruídos atrás dos cenários geram desorganização e desmoralizam o espectador” (STANISLAVSKI,1983,p.233)[10].Serguieiêvitch considera este como elementar partícipe do evento teatral e espera dele um compromisso par àquele reclamado ao coletivo artístico: faz-se necessário “que o espectador”assim como “o ator e todo aquele que tenha relação com o teatro, nele entrem com um peculiar sentido de veneração”.A “administração e seus funcionários”, por sua vez, deveriam figurar como os “primeiros amigos da arte e os ajudantes daqueles que se dedicaram ao seu sacerdócio[11]:os artistas”(STANISLAVSKI,1983,p.260)[12].


Não haveria de existir, portanto, lugar no teatro ao ator que se servisse da arte para aprazer seu ego diante da plateia; Stanislávski (1983,p.239)[13] recomenda ao ator-estudante que ”ame a arte em si, e não a si mesmo na arte”.Os intrigueiros e invejosos, bem como todo “aquele que não ama o teatro em si, mas ao contrário, ama a si mesmo no teatro” deveriam “ser implacavelmente expulsos do teatro”, porque “não há papéis pequenos, mas atores pequenos” (1983,p.250)[14].

A disciplina deveria, de acordo com Stanislávski, iniciar-se pelo autopoliciamento de cada membro do conjunto artístico, e, pela autoridade moral legitimada pela postura do mesmo, estender-se em uma “progressão aritmética, ou quiça geométrica”(STANISLAVSKI,1983,p.253)[15] que contagiasse a todos do grupo.
O mestre russo enxerga a ética e a disciplina como pilares que reciprocamente sustentavam-se em função da correta atitude cênica em seus aspectos físicos e psíquicos, afirmando ser a ética artística um importante responsável no estabelecimento do “estado prévio à criação” (STANISLAVSKI,1983,p.236)[16].

Não é recomendado ao ator o cuidado com seu aprimoramento artístico apenas nos limites encerrados pelo teatro.Stanislávski afirma não enxergar com bons olhos os atores “que discutem muito durante os ensaios em vez de tomar apontamentos e planejar seu trabalho em casa”(STANISLAVSKI,1983,p.242)[17], e recomenda tomar notas durante os ensaios para que estas possam servir de guias aos atores, que deveriam continuar seu estudo em casa, levando o trabalho do palco para o cotidiano.

Os anseios artísticos de Stanislávski dissimulam uma visão de mundo que dialoga com todo o contexto sócio-político da Rússia de sua época e encerram uma utopia social caracterizada pela comunhão e solidariedade, pela humildade e pelo respeito mútuo:”Pensem mais nos outros e menos em si mesmos”, recomenda Stanislávski (1983,p.238-239)[18], porque “se noventa e nove pessoas cuidam da liberdade comum, por certo a minha, o centésimo, viverei muito bem na terra”.De fato é esse o ideal stanislavskiano, “alta cultura do espírito, alma universal, e não apenas “dois metros quadrados para cada homem”, mas a terra inteira para todos (STANISLAVSKI,1956,p.130).O teatro apresenta-se, no pensamento stanislavskiano, como uma espécie de sociedade que representa a utopia motora do trabalho artístico-pedagógico por ele desenvolvido.Fica disso tudo uma cruel questão que, impossível de ser respondida, continuará a cultivar a curiosidade dos interessados em sua obra:o que diria o mestre russo se pudesse, hoje, lançar um olhar retrospectivo sobre os ideais que nas primeiras décadas do século defendeu com tanta veemência?

A atitude de Stanislávski é coerente frente a crise ética que –  na visão não só dele como de outros teatrólogos da época – feria todo o teatro de então e estimulava o espírito revolucionário que pairava não só no teatro como em toda a sociedade russa.Observando a situação da arte teatral, Stanislávski compara o ator ao operário, afirmando sofrer o primeiro da mesma exploração que aflingiria o segundo.É contra tal exploração que Stanislávski protesta, concebendo o ator, como não mais que um operário em função da arte:

“Da prática constante, e da capacitação do operário em função do labor superespecializado se obtém maior rapidez no trabalho e um barateamento da mão-de-obra empregada.Não é acaso isso o que se pratica nas empresas que não perseguem objetivos artísticos, mas meramente materiais?Tais teatros existem aos montes (STANISLAVSKI,1986,p.19)[19]”.


Enquanto Stanislávski – sob a máscara do professor Tortsov – busca na companhia teatral uma espécie de microcosmos da ideal sociedade por ele projetada, e descreve suas características em sua obra teórica, esta, por sua vez, reflete a autobiografia do mestre russo, sua “vida na arte”.O Teatro de Arte de Moscou se baseará em preceitos éticos bem determinados que encontram par naqueles defendidos por Stanislávski em seus escritos teóricos.

Em sua autobiografia Stanislávski (1956,p.100) lamenta que na época da fundação do TAM – 1897 – o teatro se encontrasse “nas mãos de empresários de café cantantes, ou de simples burocrátas”.Desde o começo a empresa artística dirigida por Stanislávski em parceria com Nemiróvitch-Dantchenko manifesta objetivo reformador que consoa com as aspirações em voga no pensamento artístico de então:

O programa da nova empresa teatral era revolucionário.Repudiava a antiga maneira de representar, e não só o artificialismo teatral, a falsidade na emoção, na declamação, na mise-en-scène e nos cenários, o cabotismo, o “estrelismo”, que prejudicam a harmonia do conjunto, como a mediocridade do repertório (STANISLAVSKI,1956,p.109).

Os escritos deixados por Stanislávski refletem as inquietações que motivaram seu trabalho prático e dialogam com todo o contexto sócio-político e cultural da época.Poderíamos relacionar, por exemplo, o apelo pela união do proletariado clamada pelos revolucionários russos à importância do aspecto grupal do trabalho teatral, que será estimulado pelo mestre russo no TAM, onde, afirma, era preciso “fazer trabalhar os artistas, agregá-los por assim dizer num todo, reduzir a um denominador comum todos os membros da companhia (STANISLAVSKI,1956,p.114).

Já no primeiro encontro entre Stanislávski e Nemirovitch-Dantchenko – que ocorreu a 22 de junho de 1897 no restaurante Slavianski Bazar[20] - firmaram-se, na forma de aforismos, premissas éticas que conduziriam a nova empresa teatral fruto do trabalho de ambos, princípios estes que viriam a ser defendidos pelo mestre russo também em seu trabalho teórico:

Não há papéis insignificantes, há atores insignificantes.
Serás hoje Hamlet, amanhã simples comparsa – mas nunca deixarás de servir a arte...
O ator, o pintor, o costureiro, visam todos o mesmo fim que o poeta.
Na criação dramática tudo  que perturbe o trabalho é crime (STANISLAVSKI,1956,p.104).


O compromisso social do ator apontado por Stanislávski em seus escritos também transparece em suas reflexões pessoais sobre a arte.De acordo com Stanislávski (STANISLAVSKI,1986,p.85)[21], ao ator, como ao resto dos cidadãos, caberia “conhecer as leis da ética social e submeter-se à elas”.O desrespeito a tais leis éticas no coletivo artístico constituiria extensão à um desrespeito de amplitude maior, social, porque “em todo ato que viole os compromissos da instituição [teatral] frente a sociedade, se esconde uma falta de respeito em relação a esta”(STANISLAVSKI,1986,p.94,)[22].


Stanislávski empreende um trabalho que visa reformar o teatro – elemento por ele considerado substancial na cultura de um povo – apontando assim para uma reforma de caráter mais abrangente,social.É com tal objetivo que ele requererá ao grupo artístico um código ético que dialogue com aquele da sociedade na qual repousa, porque as bases do primeiro “são as mesmas da ética social mas elas deverão adaptar-se as condições de nossa arte”, e “estas condições são diversas e complexas”(STANISLAVSKI,1986,p.85)[23].


No que diz respeito à relação dos atores com o público, Stanislávski não incentiva os artistas a tomarem da platéia como um mero instrumento a favor de sua vaidade.No Teatro de Arte de Moscou, chega-se ao ponto de extinguir os aplausos e agradecimentos “não só durante as representações como nos finais dos atos e até no fim do espetáculo” (STANISLAVSKI,1956,p.114).O público, por sua vez, é convocado ao respeito de regras pares àquelas exigidas ao conjunto artístico, como, por exemplo, a pontualidade.No Teatro de Arte de Moscou:

(...) foi expressamente proibido, tanto aos empregados como aos espectadores,  circularem pela sala depois de erguer-se o pano.O público relutou em aceitar a interdição.Houve reclamações e até escândalos.Mas um dia,  finalmente, avistei na rua um grupo de retardatários, correndo para chegar à hora exata.Por que seria? Porque sabiam que os nossos artistas já não obedeciam ao público, já não se curvavam às suas exigências.E o espectador, percebendo que não podia mais dar ordens no teatro, acabara conformado com o novo regulamento (STANISLAVSKI,1956,p.114).


Para o Konstantin Serguiêievitch a disciplina não detrime, mas, ao contrário, cultiva a liberdade criativa.Stanislávski (1986,p.121)[24] julga um “erro pensar que a liberdade do artista radica-se em fazer tudo o que lhe venha na cabeça”.Serguieiêvitch defende ser a ética e a disciplina fundamentais proporcionadores do ideal estado de ânimo para a cena.



Cabe, agora, remetermo-nos ao pensamento de Jerzy Grotowski, a fim de encontrar similaridades entre os princípios éticos manifestos por Stanislávski e aqueles defendidos por Grotowski.Quando o fazemos, podemos perceber vários pontos em comum entre as filosofias de ambos.Ética e disciplina de trabalho foram importantes quesitos também no elenco de fundamentos do Teatro Laboratório.Para Grotowski não é o disciplinado, mas “o trabalho feito pela metade, superficialmente, que é psiquicamente doloroso e desfaz o equilíbrio” (GROTOWSKI,1976,p.31).

         Como Stanislávski, Grotowski também enxerga o teatro como “uma criação coletiva, na qual somos controlados por diversas pessoas e um trabalho de diversas horas nos é imposto” (GROTOWSKI,1976,p.190).Ao assumir o teatro enquanto trabalho coletivo uma questão que já estava presente entre as inquietações stanislavskianas nos é colocada:  como deveriam se portar cada ator do grupo diante dos conflitos internos que poderiam surgir na relação entre os integrantes da companhia? Grotowski admite a inevitabilidade de conflitos internos dentro do conjunto artístico, mas previne aos atores para que não permitam que tais querelas pessoais prejudiquem o trabalho do conjunto:

Os conflitos privados, disputas, afetos, animosidades são inevitáveis em qualquer agrupamento humano.É nosso dever para com a criação não deixar que deforme e envileçam o nosso processo de trabalho.Somos obrigados a abrir-nos até para com um inimigo (GROTOWSKI,1976,p.202).

Quanto a pontualidade, Grotowski (1976,p.169), afirma que “o ator deve ter tempo para desfazer-se de todos os problemas do cotidiano”, e, devido a isso, dispensa, no Teatro laboratório, “um período de silêncio que dura trinta minutos, durante os quais o ator prepara suas roupas, e talvez refaça algumas cenas”, o que lembra Stanislávski quando recomenda aos atores para que cheguem com uma antecedência de quinze a trinta minutos antes do início dos ensaios a fim de prepararem-se para o trabalho.


Podemos pressumir disto que não haveria, no Teatro Laboratório – como não houve no Teatro de Arte de Moscou – lugar  ao ator que se servisse da arte para simplesmente satisfazer seu ego diante da plateia.Grotowski afirma sua visão sobre essa questão de maneira categórica quando, na tentativa de evitar qualquer equívoco de interpretação de suas propostas, afirma:”Deixemos bem claro que não estou dizendo que se deva fazer amor com a plateia – isso nos condicionaria a uma espécie de artigo de consumo”(GROTOWSKI,1976,p.42).Para Grotowski, o ator que satisfizesse seu ego através da submissão ao caráter pressupostamente voyeurista do público comum, coisificar-se-ia, atitude que critica expressamente ao se dizer impressionado com a  “a mesquinharia de seu [dos atores] trabalho: a barganha feita por um corpo explorado pelos seus protetores – diretor, produtor – criando em retribuição uma atmosfera de intriga e revolta” (GROTOWSKI,1976,p.19).


A atitude esperada dos atores estende-se, como no caso de Stanislávski, também ao público.Este é, tanto para Stanislávski quanto para Grotowski, um elemento essencial da representação teatral.Não é de surpreender que Grotowski –  que chegou a definir o teatro como como “o que ocorre entre o espectador e o ator (GROTOWSKI,1976,p.18) – tenha  buscado não só por um ator, mas também por um espectador ideal.Este, é o oposto daquele que satisfazer-se-ia com sua “mesquinha estabilidade espiritual”.Ao invés disso, dedicar-se-ia a “um processo interminável de autodesenvolvimento”, a uma “procura da verdade de si mesmo e da sua missão na vida” (GROTOWSKI,1976,p.26).Tal é o compromisso ao qual são evocados o ator e o espectador no “teatro pobre”.


         O conjunto de normas regrativas que se impuseram no Teatro de Arte de Moscou com disciplina quase militar e que, em grande parte, também conduziram o Teatro Laboratório, constitui motor de um ideal educacional que se coaduna a anseios político-sociais que apontam para além das fronteiras teatrais e mantêm – não poderia ser diferente –  um contínuo diálogo com o contexto histórico.

Seria um equívoco tomar do código ético imposto aos atores dos estúdios ou daquele mantido no Teatro Laboratório como uma espécie de conjunto de cláusulas-pétreas inflexíveis a serem impostas à qualquer um, em qualquer época e lugar.Tal interpretação das valores manifestos por ambos os nomes aqui estudados pecaria pela mesma inflexibilidade que conduz à leitura dos escritos sobre o trabalho do ator como se receitas invariáveis fossem – e até mesmo na culinária ou farmácia pode estar escondido, no erro da fórmula, o segredo do novo prato ou remédio.

Mas a total relativização de todos os princípios éticos poderia trazer em si o risco da completa diluição do trabalho artístico.Ética e estética compreendem-se mutuamente, manifestando-se de maneira evidente, ou, no mínimo, presumível, em cada atitude que, em seu conjunto, conviemos chamar de vida, sendo, pois, um tema sempre atual e em constante desenvolvimento no desenrolar da história.





3.Um caminho negativo em busca de uma segunda natureza

Podemos dizer, com Eugenio Barba, que “as palavras estáveis possuem a fragilidade de sua estabilidade”.Esse paradoxo imanente às palavras evidencia-se ainda mais quando tentamos traçar em letra um discurso tal que dê conta da complexidade de um legado construído em vida, e que, por isso mesmo,se manteve em constante movimento:”apenas a ação é viva mas só a palavra permanece”(BARBA,1994,p.193-194).

Stanislávski sempre se mostrou um homem dedicado ao trabalho prático:”Meu livro não tem pretensão de ser científico” (STANISLAVSKI,2008,p.XXIV)[1], afirma no início do prefácio à sua obra teórica.O caráter pragmático do mestre russo é por vezes gritante:”sou um homem prático, e posso ajudá-lo a compreender, sentir, a natureza da verdade artística,não pelas palavras, mas pela ação” (STANISLAVSKI,2008,p.192)[2].

Mas o Stanislávski prático fora um homem em perene busca pela palavra. Sua autobiografia é apontada, pelo próprio Stanislávski, como “uma espécie de prefácio a uma outra obra”, onde, confessa, desejaria consignar os resultados de suas pesquisas sobre “os métodos de criação do ator e a aprendizagem de sua arte” (STANISLAVSKI,1956,s/p).A recorrência à palavra dá se por conta do desejo de legar ao porvir um testemunho que pudesse servir como estímulo aos artistas do futuro.

Por outro lado, Stanislávski receava, na recorrência à palavra escrita, o risco da fossilização.De acordo com Franco Ruffini, o mestre russo temia que seus escritos pudessem assumir a imagem de “uma série de resultados sem pesquisa, como uma espécie de ‘receita de cozinha’.O pesquisador italiano afirma que o problema de Stanislávski, enquanto escritor, foi o de “sistematizar seu conhecimento sem fazer desta sistematização um sistema”(RUFFINI,2003,p.15)[3].

Talvez seria mais cauteloso assumir o legado literário deixado por Stanislávski como um conjunto de princípios lançados ao tempo, uma voz do passado a ecoar no presente na forma de uma pergunta a espera de respostas pessoais.Essa é, aliás, a atitude incentivada pelo próprio Stanislávski:

Eu escrevo tudo isso com o objetivo de prevenir, na medida do desenvolvimento de minhas ideias, todo tipo de notas ao pé da letra sobre as interpretações de nossos geniais predecessores à cuja autoridade tanto gostam de remitirem-se os artistas medíocres.Para dar a si mesmo mais peso gritam: “Mochalov[4] mesmo fazia isso!”.(...).A resposta surge por si só: Justamente por ele você não deve fazer o mesmo (STANISLAVSKI,1986,p.26)[5].

O mestre russo lançou sua voz ao futuro: esperava uma resposta daqueles que depois viriam, porque “o esforço dos inovadores só será compreendido quando outros mais tarde se aproveitarem das suas descobertas”(STANISLAVSKI,1956,p.170).Grotowski manifesta sua estima pelo mestre russo, mas não o assume como um modelo esperando por cópia, prefere encará-lo como uma espécie de pergunta em busca de resposta, porque, para ele, o “sistema”:
Não pode existir de outra maneira senão como um chamado, um desafio.E não se pode, jamais, prever qual será a resposta de algum outro (...).Se a resposta é a mesma, então é quase seguro que esta resposta é falsa (GROTOWSKI in CEBALLOS,1993,p.19)[6].

Como Stanislávski, Grotowski também empreenderá uma pesquisa de caráter prático.Para Grotowski (1976,p.13) “a palavra pesquisa não deveria lembrar sempre pesquisa científica” ela “significa que abordamos nossa profissão mais ou menos como o entalhador medieval, que procurava recriar no seu pedaço de madeira uma forma já existente”.

O mestre polonês foi muito cauteloso com a escolha dos termos que empregou.Como comenta Ludwik Flaszen, conselheiro literário do Teatro Laboratório, Grotowski procurava “o método que não fosse o método” (in FLASZEN & POLLASTRELLI,2007,p.19).De acordo com Marco de Marinis:

A escrita era para ele [Grotowski] um instrumento gerador de equívocos e de incompreensão que, inevitavelmente, tracionava a experiência prática, uma experiência que não se pode conhecer desde o ponto de vista exterior, mas somente vivê-la diretamente (MARINIS,2004,p.16)[7].

É com veemência que Grotowski nos previne contra a tendência de se tomar de seus escritos como manuais incontestes que trariam a resposta final para todos os problemas; preferindo propô-los, antes, como uma espécie de pergunta:

Tem se formulado perguntas a propósito de meu livro [Em busca de um teatro pobre], e eu quero sublinhar, uma vez mais, uma coisa.Esse livro não é um manual.Eu não creio que nesse domínio ao qual temos entregado nossa vida, os manuais sejam possíveis.(...).Quiçá, para alguns, possa funcionar como um desafio ou como uma interrogação, e então pode ajudá-los a buscar a sua própria e verdadeira resposta.Nesse caso está bem.Mas se lhe toma como uma espécie de base para um sistema teatral, sou contra.E nesse caso lamento que o livro exista (GROTOWSKI apud SEOANE in BRAMBILLA,2005,p.28)[8].

É considerando a prevenção ora apresentada que recorro às palavras: busco traçar possíveis similitudes entre o trabalho desenvolvido por Stanislávski e aquele de Grotowski junto aos atores do Teatro Laboratório, tendo como fonte de pesquisa, textos literários.



Desde sua gênese o Teatro de Arte de Moscou consoou com o espírito reformista que se fazia presente no universo artístico da época.Tanto o mestre russo quanto seu companheiro, Nemirovitch-Dantchenko, que com Stanislávski fundou a companhia artística, viam “com pessimismo o teatro desse fim de século, em que as tradições do passado, degenerando em rotina,se reduziam a mera habilidade técnica” (STANISLAVSKI,1956,p.100).Stanislávski constata haver “uma larga bateria de truques, com ostensiva capacidade de expressar todos os sentimentos que você pode encontrar no curso de sua carreira”, mas percebe nesses somente, e tão somente, uma “imitação, uma aparência para seus supostos resultados exteriores” (2008,p.28)[9].O mestre russo nota que

O corpo do ator, habituado às banalidades da vida cotidiana, sentindo-se naturalmente tolhido diante dos sentimentos elevados de ordem geral, que tem de interpretar, recorre naturalmente às costumeiras chapas fora de moda: ergue os braços, estende as mãos, atira-se no chão, caminha com solenidade teatral (STANISLAVSKI,1956,p.156).

Todos esses gestos ilustrativos são encarados por Stanislávski como clichês: gestos e poses estereotipados, “truques técnicos” aos quais recorriam atores indolentes na tentativa de travestir sua incapacidade artística.De acordo com Stanislávski (1986,p.120)[10], “os clichês, o convencional, são cadeias que escravizam os atores cortando-lhes a liberdade”.

Como conceder ao ator o domínio sobre seu fazer de modo a livrá-lo da falsidade na emoção e da escravidão do convencional que corrompia o teatro no início do século XX? – estas, dentre outras, são questões motoras do trabalho pedagógico que viria a ser desenvolvido por Konstantin Serguiêievitch.

Seu trabalho alimentou-se pelo desejo de proporcionar ao ator “um estado físico e moral que favorecesse a criação – isto é um estado criador  oposto ao estado cênico” (STANISLAVSKI,1956,p.165,grifo do autor).A partir da análise de sua própria auto-biografia artística, Stanislávski passa então, a partir de 1906, a desenvolver seu “sistema”, que teria por objetivo auxiliar o ator-estudante no desenvolvimento de sua criatividade artística.O “sistema” deveria ajudar o ator a vencer as amarras da esteriotipia gestual, do banal e do cotidiano, desenvolvendo o pretendido “estado criador”, condição tal, que concedesse ao ator a capacidade de criar em consonância com a natureza em si, porque esta é, de acordo com Stanislávski, simples e bela tal qual deveria ser a natureza teatral que com primeira se harmonizasse.

Cabe notar que Stanislávski nunca desprezou o teatral e a estilização.De acordo com o mestre russo, “a vida real, o sentimento verdadeiro não matizado em cena com uma dada porcentagem de teatralidade, são demasiado prosaicos e cinzas”(STANISLAVSKI,1986,p.199).O teatro é, para Stanislávski, uma realidade outra, dotada de características particulares, e, portanto,

teríamos de nos refazer completamente, corpo e alma, da cabeça ao pé e adaptarmo-nos às demandas de nossa arte, ou melhor, às demandas da natureza”.Porque a arte está em harmonia com ela.A vida e os maus hábitos que tem sido nela incutidos maculam a nossa natureza.Deficiências que passam despercebidas na vida real se tornam óbvias sob as luzes do palco e evidenciam-se aos olhos da plateia como feridas abertas (STANISLAVSKI,2008,p.132)[11].

A vida cotidiana constitui, para Stanislávski, um processo educacional que macularia o ator, incutindo-lhe vícios que o impediriam de expressar a beleza natural latente em si.O “trabalho do ator sobre si mesmo”, deveria perpetrar a construção de uma condição outra, que, em harmonia com a natureza, constituiria o estado criador do ator, e esta condição deveria registrar-se de tal modo no indivíduo artista a ponto de tornar-se “uma parte de sua carne, de seu sangue e de seu coração” , porque só quando o “sistema”  se transformasse assim numa parte indissociável da identidade do ator, sua segunda natureza, poderia este “começar, inconscientemente, a fruir de seus benefícios” (STANISLAVSKI,2008,p.XXV)[12].

Por compreender a vida em si como processo educacional, o mestre russo aconselha que a luta contra os maus hábitos cotidianos deveria dar-se a “todo o tempo, durante todo o dia, no transcurso de toda a vida do artista”, enquanto o assimilado não se convertesse “em uma segunda natureza” (STANISLAVSKI,1983,p.425)[13], porque, de acordo com Stanislávski,“só o hábito permite assimilar as nossas descobertas, incorporá-las ao organismo” (STANISLAVSKI,1956,p.171).Da condição criativa o ator só poderia usufruir quando esta se tornasse sua segunda natureza, ou seja, quando se transformasse, enfim, pelo estudo prático diário pautado nos elementos do “sistema”, numa parte de sua carne e de seu sangue, aspecto indissociável de sua individualidade.Tal estudo é, em suma, um trabalho de caráter auto-analítico que objetiva a construção contínua de si mesmo guiada pelos princípios do sistema, que, por sua vez, baseiam-se nas leis orgânicas da ação.Alguns desses princípios serão aludidos a seguir.


Dentre os elementos constitutivos do “sistema” encontramos a “liberdade muscular”.Stanislávski constata que o ator, em uma situação espetacular, tende a tensionar em demasia determinadas regiões do corpo, e que esta tensão desnecessária poderia constituir um entrave no processo criativo, podendo “paralisar toda a nossa capacidade de ação”, e aconselha uma constante luta contra esse defeito (2008,p.120 -121)[14].Caberia ao ator-estudante trabalhar diariamente, e “não só em aula”, mas “em todos os momentos de sua existência” a fim de “tornar o controle muscular parte de seu ser, transformá-lo numa segunda natureza” (STANISLAVSKI,2008,p.123)[15].

A liberdade muscular deveria possibilitar o livre fluxo energético através da rede muscular, porque “o que é a tensão, o espasmo, senão a energia[16] motriz que ficou bloqueada” ? – pergunta Stanislávski (1983,p.45)[17].O mestre russo idealiza ao ator a desenvoltura corporal do gato, cuja “confiança combinada com leveza, agilidade e liberdade muscular” determinam a “excepcional flexibilidade de movimentos pela qual os felinos são famosos” (STANSLAVSKI,2008,p.133)[18].

O desenvolvimento da liberdade muscular deveria dar-se de modo a torná-lo capaz de exprimir movimentos precisos e plásticos, que transparecessem sua singular personalidade artística.De acordo com Stanislávski, “a plástica simples e natural” deveria tornar-se “uma vez e para sempre uma característica natural do ator, sua segunda natureza”, de modo a expressar “total e belamente o espírito criativo do ator” (STANISLAVSKI,1986,p.182) [19].

O mestre russo propõe também a prática de distintas formas de caminhar.Tal é necessário, já que, para Stanislávski, “todos caminhamos de um modo incorreto, enquanto que a caminhada em cena deve ser tal qual a criou a natureza, de acordo com todas as suas leis” (STANISLAVSKI,1983,p.50)[20].Konstantin Serguiêievitch esmiuça o ato de caminhar e reflete sobre sua complexidade comentando sobre o papel desempenhado pelos pés, pernas e quadril no decorrer dos passos, e propõe três tipos distintos de caminhadas baseadas em diferentes maneiras de uso dos pés e dedos:

No primeiro o calcanhar inicia o passo.No segundo se avança apoiando a planta inteira.No terceiro, conhecido como a marcha de Isadora Duncan[21], avança-se apoiando primeiro os dedos, logo o movimento translada-se pela planta até o calcanhar, para voltar em sentido inverso, e, depois, mais em direção para cima pela perna (STANISLAVSKI1983,p.54)[22].

Stanislávski também recorreu a exercícios acrobáticos para o treinamento atoral, mas, é digno de nota, não utilizou tais exercícios com o intuito de formar atores acrobatas que teriam como objetivo último a exibição de virtuosismos técnicos válidos por si só.O mestre russo recomenda o uso de acrobacias para o desenvolvimento do estado de prontidão, necessário ao ator principalmente nos momentos mais intensos de sua atuação, porque “aquele que duvida no momento de um salto mortal, seguramente receberá um enorme galo ou romperá a cabeça”.O mestre russo afirma que “estes instantes requerem decisão”, e acrescenta: “A acrobacia ajuda a desenvolvê-la, e a decisão é muito necessária nos momentos culminantes da criação” (STANISLAVSKI,1983,p.421)[23].


Stanislávski pretendera “assentar em bases sólidas a técnica teatral e as faculdades inventivas do ator” (STANISLAVSKI,1956,p.159), e dedicou-se à pesquisa dos meios práticos através dos quais o ator pudesse medrar sua capacidade criativa.Grotowski, por sua vez,  afirmará o interesse de “redescobrir os elementos da arte do ator” (GROTOWSKI,1976,170), e, como Stanislávski, construiu seu trabalho pedagógico através de uma pesquisa de caráter pragmático.O mestre polonês afirma admirar o russo, dentre outros fatores, “pelo seu esforço em pensar sobre a base do que é prático e concreto (GROTOWSKI in CEBALLOS,1993,p.20)[24].


Grotowski estudou interpretação teatral na Polônia, e, depois de formado, transferiu-se para Moscou, onde, como bolsista, estudou direção teatral  com Iuri Zavadski[25].Em 1959, de volta ao seu país natal, Grotowski aceita o convite de Ludwik Flaszen – então um já respeitado teórico e crítico literário – para dirigir o Teatro das Treze Filas, que assim ficou sendo chamado devido ao fato de dispor de apenas treze filas de cadeiras para o público.Eugenio Barba – que, principalmente no começo de seu trabalho, manteve intenso contato Grotowski, a quem considera seu mestre – relata que “Flaszen tinha tido alguns encontros com Grotowski para discutir o programa artístico do futuro teatro deles, que deveria basear-se na “teatralidade” e na autonomia da literatura dramática” (BARBA,2006,p.20).

Como Stanislávski, Grotowski sempre valorizou a teatralidade, a estilização e a alegoria.O mestre polonês afirma que “a única arma do teatro é a teatralidade” (GROTOWSKI in FLASZEN & POLLASTRELLI,2007,p.49), mas, assim como para Stanislávski, não bastava para Grotowski o teatral por si só, a forma pela forma, era preciso que esta transparecesse o conteúdo latente, era preciso, podemos afirmar, que o físico revelasse o metafísico em si manifesto.

Grotowski (1976,p.20) afirma que “um ator, com uma quantidade considerável de experiência, pode construir o que nós chamamos de seu próprio “arsenal” – isto é, um acúmulo de métodos, artifícios e truques”, mas percebe que “esse “arsenal” ou estoque pode não ser mais que uma coleção de clichês”, os quais o mestre polonês não vê com bons olhos.A técnica pretendida por Grotowski não constituir-se-ia pelo acúmulo de habilidades variadas, pois, para o ator, “não é necessário o aprendizado de coisas novas, mas a eliminação de hábitos antigos” (GROTOWSKI, 1976,p.80).

Ocorre que, de acordo com Grotowski (1976,p.197), “a civilização moderna se caracteriza” dentre outras peculiaridades,”pelo desejo de esconder nossas motivações pessoais, e por uma adoção da variedade de máscaras da vida”.O trabalho do ator constituiria, na visão grotowskiana, uma espécie de arqueologia pessoal em direção ao contato com conteúdos arquetípicos que, reprimidos pelas “máscaras cotidianas”, permaneceriam no indivíduo como forças primitivas em estado de latência.Caberia ao ator libertar seu corpo – leia-se: libertar-se – “de toda resistência a qualquer impulso psíquico”, e  “se quisermos um grupo de teatro cujo alimento seja esse tipo de trabalho, então temos de seguir um método especial de treinamento e de pesquisa” (GROTOWSKI,1976,p.19).

O método de trabalho desenvolvido no Teatr Laboratorium apresenta-se, nas palavras grotowskianas, como “uma via negativa, não uma coleção de técnicas, e sim erradicação de bloqueios (GROTOWSKI, 1976,p.3).Caberia ao ator conhecer seu próprio corpo – leia-se: conhecer-se – de maneira a descobrir seus obstáculos pessoais,compreendendo-os como limites provisórios, barreiras em busca de suplantação.Grotowski recomenda ao ator que não procure “métodos pré-fabricados para cada ocasião”, pois tal caminho “só conduzirá a esteriótipos”, mas sim que aprenda, ele mesmo, “suas limitações pessoais, seus obstáculos e a maneira de superá-los” (GROTOWSKI,1976,p.171).Ludwik Flaszen descreve a via negativa como um processo que visa eliminar, do trabalho do ator,

“gestos aprendidos, “meios de expressão” belos e prontos, modos de atuar inventados de cabeça (...) um training específico, individualizado”, que visa “eliminar os esteriótipos dos comportamentos e da reação” (in FLASZEN & POLLASTRELLI,2007,p.30).

Os objetivos afirmados por Grotowski e confirmados por seu parceiro, Flaszen, ao referir-se a “via negativa”, assemelham-se, pois, àqueles que motivaram as pesquisas desenvolvidas por Stanislávski junto aos atores dos estúdios.O ator idealizado por Stanislávski deveria lutar contra a prisão do cliché, a superficialidade do esteriótipo, o idealizado por Grotowski, por sua vez, deveria dedicar-se a um processo educacional que apresenta-se como uma “via negativa” em busca da quebra com esteriótipos gestuais, uma negação da superficial plasticidade  esteriotípica em busca de uma teatralidade viva.

Quando nos voltamos ao conjunto de exercícios trabalhados por Grotowski junto aos atores do Teatro Laboratório, novamente descobrimos similaridades entre esses e alguns daqueles antes propostos por Stanislávski.Dentre os vários exercícios propostos por Grotowski aos atores, encontramos o estudo de distintas formas de caminhar.O mestre polonês sugere o estudo de diferentes tipos de passos, determinados, por exemplo, por “diferentes dinamismos físicos (fleumático, belicoso, nervoso, sonolento, etc)”,ou, ainda, como “paródia dos passos das outras pessoas”, mas, nesse caso, acrescenta que o essencial é “aprender os motivos, e não o resultado final, o jeito de andar” (GROTOWSKI,1976,p.96-97).

Grotowski também aplicou acrobacias em seu trabalho junto aos atores do teatro laboratório.A importância da capacidade decisiva e sua relação com os exercícios acrobáticos afirmada pelo mestre russo é reafirmada por Grotowski – em palavras quase idênticas às usadas por Stanislávski anos antes –  quando o diretor polonês diz que “nos saltos mortais, o ator que hesita, que não assume riscos, também hesitará no momento culminante de seu papel”(GROTOWSKI in WOLFORD & SCHECHNER,2001,p.46,Trad.Nossa)[26].

A influência do ioga – que já transparecia nas reflexões stanialsvskianas sobre a liberdade muscular – também aparecerá, de maneira bem mais marcante, no trabalho desenvolvido por Grotowski.Stanislávski também mantivera contato com a filosofia hindu, mas não se sabe ao certo se aplicou ou não exercícios de ioga aos atores-estudantes[27].A influência da filosofia oriental é bem mais evidente em Grotowski, que chegou a aplicar exercícios extraídos do hata-ioga aos atores do Teatro Laboratório a fim de desenvolver-lhes a capacidade de concentração, mas percebeu, depois de certo tempo, que tais práticas conduziam a uma “concentração introvertida”, uma espécie de “repouso absoluto que elimina todas as ações” (GROTOWSKI,1976,p.195).

A partir do trabalho sobre exercícios do ioga, Grotowski resgata a importância da liberdade muscular no trabalho do ator, admite concordância com o antes defendido por Stanislávski, e destaca o risco de relaxamento excessivo, o que, de acordo com o pedagogo polonês,poderia ser tão prejudicial quanto a tensão exacerbada:

Stanislávski foi o primeiro a observar que quase todo ator, quando está nervoso,tem um certo ponto no corpo que se torna o centro da tensão, da contração.(...)No plano profissional essa hipótese está evidentemente correta.Pode ser ampliada com a seguinte observação:existem também alguns atores que tem um centro de relaxamento.Se estão num estado psíquico artificial, provocado pelo nervosismo ou por uma espécie de histeria profissional, relaxam demais certas partes do corpo e se tornam frouxos como farrapos (GROTOWSKI in FLASZEN & POLLASTRELLI,2007,p.166)[28].

A importância concedida à plasticidade dos movimentos é outra questão a apresentar-se no trabalho de ambos.Como Stanislávski, Grotowski também trabalhará junto aos atores do Teatro laboratório sobre os chamados “exercícios plásticos”.Foi “depois de ter aplicado diferentes tipos de exercícios plásticos extraídos de sistemas bem conhecidos (Delsarte[29], Dalcroze[30] e outros)”, que o mestre polonês passou a considerar esses exercícios como “um conjunctio oppositorum entre estrutura e espontaneidade (GROTOWSKI in FLASZEN & POLLASTRELLI,2006,p.171)[31].

         A busca por uma “precisão espontânea” é um ideal paradoxal a mover o trabalho de Grotowski junto aos atores do teatro laboratório.Ocorre que, de acordo com Grotowski (in FLASZEN & POLLASTRELLI,2007,p.202), é só  “quando são mantidas simultaneamente a espontaneidade e a precisão”, que “agem ao mesmo tempo a consciência (isto é, a precisão), e o inconsciente (isto é, a adaptação espontânea)”.A partitura deveria ser o bem arquiteturado edifício que servisse de invólucro para a expressão da singularidade do ser humano ator no momento de sua apresentação, aliando assim seu aspecto consciente e inconsciente num todo indivisível.”Como podemos conservar os elementos objetivos e ainda continuar além, em direção a um trabalho puramente subjetivo ?”.Grotowski (1976,p.196) afirma ser essa a “contradição do representar” e a “essência do treinamento”.

Assim é que Grotowski (in CEBALLOS,1993,p.23)[32] comenta que, “quando naquilo que faziam durante o espetáculo”, os atores “perdiam a precisão, era necessário buscá-la nos exercícios”, mas não aquela precisão petrificada – superficial e estereotípica – e sim aquela na qual poderíamos vislumbrar “uma espécie de intersecção entre o que estava ainda no fluxo das reações pessoais e o que se encaminhava em direção à precisão”.

A divisibilidade entre corpo e mente é, na visão grotowskiana, uma mera quimera.O mestre polonês enxerga a complexidade corpo-mente em sua totalidade, é a carne, para Gotowski, o campo de registro dos dramas vitais inscritos na história da humanidade, é, para ele, no corpo que poderíamos escrever o indizível, um “corpo-vida”:

Nos denominados exercícios “plásticos” o nível de detalhes é preciso.Por meio deles o corpo-memória se manifesta.O corpo-memória: a totalidade de nosso ser é memória.Mas quando dizemos “a totalidade de nosso ser”, começamos a imergir, não na potencialidade, mas nas recordações, nas regiões da nostalgia.Eis porque talvez seja mais exato dizer corpo-vida (GROTOWSKI in FLASZEN & POLLASTRELLI,2007,p.147).


As inquietações que moveram o trabalho desenvolvido por Grotowski constituem par àquelas que, antes, levaram Stanislávski a dedicar-se sobre o estudo prático do fazer artístico.Grotowski, que nunca escondeu seu respeito por Stanislávski, tomou dos escritos deixados pelo russo, dentre outras fontes diversas, como um fomento para a construção de seu próprio trabalho, e também motivou seus leitores a tomarem a mesma atitude com relação às suas palavras.Para além das similaridades entre os princípios artísticos e as propostas de trabalho de ambos, existe o desejo de buscar no teatro um meio através do qual pudessem conhecer a si mesmos no contato com outras pessoas.

O trabalho artístico é tido por ambos como uma arqueologia pessoal, uma contínua construção de si mesmo pela relação com os demais, seja com aqueles com os quais compartilhamos do agora, seja com aqueles que se fazem presentes no hoje como afirmação de um passado que merece ser respeitado, já que, no amanhã, é à memória que todos nós nos resumiremos.



4.A UNIDADE CORPO-MENTE NAS PESQUISAS DE STANISLÁVSKI E GROTOWSKI:

(...) o que representa a pintura para Cézanne ou para Van Gogh é essa textura, esse tecido de sensações, mesclado com nossa memória corporal, que busca palavras para dizê-lo.O gênio de Grotowski é ter articulado um método para conseguir isso.Mas pôde fazê-lo porque escutou bem a seus ancestrais e porque roubou bem de seus professores e compreendeu bem o que buscava.

              Serge Ouaknine.


Quando deles falamos, usamos comumente o plural.São dois:corpo e mente: como se duas seções alienáveis uma da outra fossem.Esta simples letra, a conjunção e, sustenta, no universo aparentemente estável das palavras, a separação da complexidade ser humano em dois âmbitos que, bem sabemos, são, em última instância, inseparáveis: “o corpo” e o “eu”.Grotowski:

A existência de vocês é constantemente dividida entre “mim” e o “meu corpo” – como duas coisas diversas. (...) Não estar divididos:é não somente a semente da criatividade do ator, mas é também a semente da vida, da possível inteireza (in FLASZEN & POLLASTRELLI,2007,p.175).

 Não obstante é sempre assim:quando ao corpo nos referimos é sempre a ele, como se ao outro fosse. É assim que, como nota o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr.:

Em várias situações podemos, ainda, continuar usando nosso vocabulário velho e carcomido, dualista, que faz tomar o corpo não como um “eu”, mas como um elemento que o “eu” carrega e ordena, ou deve aprender a ordenar.De fato, muito do que fazemos, hoje, ainda facilita a manutenção do vocabulário dualista. (...).Ninguém pensa em quebrar, ao menos no âmbito do vocabulário que usamos, a prática de falar em “corpo e mente”, “corpo e alma”, “cérebro e mente”, e coisas assim (GHIRALDELLI,2007,p.18).

É a tal ousadia que Grotowski se permite: o ataque contra o paradigma dualista “corpo e mente” – e encontra para isso uma estratégia vocabular[1].O termo “corpo-vida” é quase que auto-explicativo: para Grotowski o corpo é vida, de modo que, de acordo com o pensamento grotowskiano, seria mais correto referir-se à ele na primeira pessoa.Fosse o caso, poderíamos recorrer ao hífen: corpo-eu, tal qual ocorre em corpo-memória: para Grotowski “O corpo não tem memória, ele é memória” (in FLASZEN & POLLASTRELLI,2007,p.173).

Mais a frente voltaremos a essa questão.Então, discorremos um pouco mais sobre a indissociabilidade entre corpo e mente discriminada nas palavras deixadas por Grotowski.Antes,voltemos a Stanislavski.



Como estamos tratando de assuntos relacionados à memória, é justo debruçar sobre uma questão que muito interessou o mestre russo:a memória emotiva[2].Ocorre que Stanislávski, influenciado pelas teorias psicológicas de Ribot[3], fascina-se pela capacidade de registro das emoções na memória.Como consequência, ocorre a Stanislávski a possibilidade do uso de tais sentimentos inscritos na memória emotiva do ator como subsídio para seu trabalho.

Não encontramos no capítulo de sua obra teórica referente a esse assunto uma definição precisa e definitiva do termo.Stanislávski prefere tomar de um exemplo extraído de Ribot para explicar suas ideias.A citação é extensa, mas vale a pena resgatá-la a fim de, logo depois, reforçar alguns pontos já salientados por Stanislávski:

Você entenderá a partir deste exemplo que provém de Ribot: Dois viajantes foram atingidos por uma maré.Eles escaparam e depois recontaram suas impressões.Um deles se lembrou de cada uma de suas ações, como, onde, por que ele tinha ido até lá, como ele caiu, como posicionou seu pé, onde ele pulou.O outro não se lembrou de quase nada de tudo aquilo, mas só lembrou-se dos sentimentos que tinha vivido do começo ao final da experiência, primeiro agitação, depois alerta, esperança, dúvida e, finalmente, um estado de pânico.Se hoje, ao simplesmente pensar sobre o exercício, todos os sentimentos que você experimentou na primeira vez retornassem como aconteceu com o segundo viajante, se os tivesse vivido e começasse a reanimá-los de forma produtiva e proposital, e tudo isso tivesse acontecido espontaneamente, sem o esforço da vontade, eu diria que você teve uma memória emotiva de primeira classe, muito desenvolvida.Mas infelizmente, este é um fenômeno muito raro (STANISLAVSKI,2008,p.198)[4].

É notório que, ao tratar dos sentimentos registrados na memória emotiva, Stanislávski não se refere a “sentimentos em geral”.Na verdade, o mestre russo demonstra verdadeira ogeriza por esse termo.Para ele, a expressão “em geral”, quando usada para julgar a atuação de um ator é um insulto, pois “a arte ama a ordem e a harmonia, mas “em geral” significa desordem e caos”(STANISLAVSKI,2008,p.56)[5].O ator necessitaria, por conseguinte, da capacidade de resgatar um sentimento precisamente registrado, de reanimar uma lembrança exata registrada em sua memória emotiva de maneira a retomá-la de forma “produtiva e proposital”.Uma tarefa difícil? Como vimos,o próprio Stanislávski admite, no final da citação aqui referida, a raridade de tal fenômeno.

Assim, já ressalta Stanislávski, no capítulo referente à memória emotiva, como o caráter vacilante de tal subsídio poderia constituir entrave frente a necessidade do resgate proposital e produtivo do conteúdo registrado na memória das emoções.Assumindo, portanto, o problema inerente à “memória emotiva”, Stanislávski sugere ao ator que busque estratégias que possam agir como “iscas”, atraindo o conteúdo emotivo registrado pela memória do ator:

Você deve lidar com a Memória Emotiva e os sentimentos nela contidos da mesma forma que um caçador trata uma ave selvagem (...) “se o pássaro não voa até ele não há como persegui-la em meio a um denso bosque verde.Não há nada a fazer a não ser atraí-la para fora da selva com a ajuda de um especial assovio, que chamamos de “isca” (STANISLAVSKI,2008,p.225)[6].

Sendo assim, fica a pergunta: quais seriam as possíveis “iscas” às quais poderia recorrer o ator na tentativa de atrair o conteúdo registrado em sua memória? Movidos por essa questão, desviemos nossa atenção, por um breve momento, para um elemento do “sistema” particularmente caro ao mestre russo:o tempo-ritmo.


As pesquisas de Stanislávski sobre o tempo-ritmo no trabalho do ator remontam à experiência que tivera junto aos atores do estúdio do Teatro Bolshoi entre 1918 e 1922.Lá, Stanislávski desenvolve uma série de exercícios com o objetivo de desenvolver o senso rítmico do ator, importante quesito no conjunto de habilidades que caracterizavam o artista idealizado pelo mestre russo, que assim define, respectivamente, tempo e ritmo:

O tempo é a rapidez com a qual se alternam períodos iguais, de uma medida qualquer, que por convenção são tomados como unidades.Ritmo é a relação dos períodos efetivos (de movimento, som) que dizem respeito aos períodos estabelecidos por convenção como unidades em um tempo e medida determinado (STANISLAVSKI,1983,p.137)[7].

Partindo da definição de tempo e ritmo proposta por Stanislávski para um exemplo explicativo, poderíamos tomar o período de um minuto como medida de unidade, e dividí-lo em segundos, centésimos de segundo, milésimos de segundo, e assim por diante, tal qual ocorre com a divisão rítmica de uma melodia musical.O ritmo seria, nesse caso, o complexo formado pela relação entre estas distintas unidades de tempo numa determinada peça musical.A diferença é que, enquanto a matéria-prima do compositor musical é o som, o ator tem a si mesmo como materia-prima de sua composição.

No capítulo de sua obra teórica dedicado ao estudo do tempo-ritmo no trabalho do ator, Stanislávski aponta para uma série de exercícios realizados com o auxílio de metrônomos[8].Konstantin Serguiêievitch utiliza do instrumento como regulador do exato tempo-ritmo da ação, de maneira a marcar o preciso tempo-ritmo dos exercícios propostos, que consistiam na execução de ações diversas em distintas velocidades.

Mas o uso do metrônomo não era, salientemos, um recurso ao qual o ator deveria recorrer imprescindivelmente.A recorrência ao intrumento de marcação rítmica deveria servir como auxiliar no desenvolvimento do senso rítmico do ator até o ponto em que este, conquistando a compreensão prática das distintas variações ritmicas possíveis, poderia renunciar “a esse método tosco” e substituí-lo “pela mais refinada conta mental” (STANISLAVSKI, 1983,p.155)[9].

É a partir do trabalho prático desenvolvido com os atores do estúdio do Bolshoi que Stanislávski descobre a capacidade de despertar o conteúdo psíquico do trabalho do ator por meio do tempo-ritmo.Assim, vem Stanislávski a alertar que

Se o tempo-ritmo é tomado adequadamente, o sentimento e a vivência correta criam-se, naturalmente, por si mesmos; mas se o escolhemos equivocadamente, de igual modo surgirão, em distintos momentos do papel, sentimentos e vivências incorretos que não podem ser corrigidos se não modifica-se esse tempo-rtimo (STANISLAVSKI,1983,p.143)[10].

         Ainda no capítulo de sua obra teórica referente ao “tempo-ritmo”, Stanislávski assume a possibilidade de uma via de mão dupla, sustentada pela recíproca estimulação dos aspectos físicos [externos] e psíquicos [internos] envolvidos na ação, tendo o tempo-ritmo como elo de ligação:

Se o ator sente intuitiva e corretamente o que diz e faz em cena, o tempo-ritmo adequado se manifesta espontaneamente, distribuindo as passagens frágeis e débeis da linguagem, e os pontos de coincidência.Se isso não ocorre, só nos resta despertar o tempo-ritmo pela via técnica, ou seja, como de costume, ir do externo ao interno (STANISLAVSKI,1983,p.148)[11].

Stanislávski admite, então, que “o tempo-ritmo da ação pode sugerir de modo intuitivo, direto, imediato, não só os sentimentos correspondentes”, como também exercer influência “com maior força ainda sobre a memória emotiva e sobre a imaginação nas ações musicais” (STANISLAVSKI,1983,p.150) [12].

Assim, o trabalho de Stanislávski como educador artístico no estúdio Bolshoi vem a afirmar algo que o mestre russo já constatava anos antes, quando sugeria, a título de pergunta, no texto de sua obra teórica referente à memória emotiva:

Você se lembra das ações físicas, sua lógica e sequência, verdade e fé na sua autenticidade? Isso também é um importante estímulo para os sentimentos (STANISLAVSKI,2008,p.224)[13].

Ocorre que, ao contrário do que algumas leituras de sua obra podem sugerir, o mestre russo nunca desprezou o aspecto físico do trabalho do ator.A importância concedida ao desenvolvimento do aparato físico através dos exercícios aos quais nos referimos no capítulo anterior já apontam para a importância conferida pelo mestre russo ao corpo do ator, mas é sempre importante frisar esse ponto.

O mestre russo afirma ser o objetivo do ator “a criação da vida do espírito humano de um personagem e a comunicação dessa vida no palco de forma artística” (STANISLAVSKI,2008,p.19)[14].Criação esta que deveria dar-se de maneira a englobar seus aspectos físicos e psíquicos, porque, sublinha Stanislávski mais a frente, “o ator não deve somente experienciar seu papel interiormente, ele deve incorporar essa experiência interna fisicamente (STANISLAVSKI,2008,p.20)[15].Não obstante ainda nos vemos presos ao “vocabulário velho e carcomido, dualista” criticado pelo filósofo citado nas primeiras linhas deste capítulo, mas se assim é, não o é por culpa de Stanislávski.

Ao seguirmos o traçado histórico do pensamento stanislavskiano, podemos perceber a crescente atenção ao aspecto físico da atuação – sem detrimento, é importante ressaltar, de seu aspecto psíquico – o que desencadearia, no fim de sua carreira, no método das ações físicas[16], que o mestre russo assume como a síntese de suas pesquisas sobre a natureza criativa do ator.

Neste ponto são reveladoras as lembranças de Vassily Toporkov (1889-1970) registradas na obra Stanislávski Dirige[17], onde o ator escreve sobre suas experiências ao lado do mestre russo na última fase de sua vida.Conta o ator russo como certa vez, durante os ensaios de Tartufo, de Moliére, última peça na qual o mestre russo trabalhou, Stanislávski teria afirmado categoricamente:”Não falem sobre sentimentos que não podem ser fixados.A única coisa que se pode recordar e fixar é a ação física” (STANISLAVSKI apud TOPORKOV,1961,p.175)[18].

O caráter taxativo da afirmação à qual acabamos de nos referir faz necessário o sublinhamento de que a mudança de postura manifesta pelo mestre russo, recusando-se na ocasião comentada a discutir sobre o conteúdo emocional da cena, não constitui despreocupação com este.O que ocorre é que, neste ponto, a ação física é vista, definitivamente, como a melhor maneira de chegar a tal conteúdo emocional buscado de maneira tão determinada pelo mestre russo:

Também seria errôneo considerar a ação física só como um movimento plástico que expressa a ação.É uma ação autêntica, logicamente fundada, que persegue uma finalidade concreta e que, no momento de sua execução, se converte em uma ação psicofísica (TOPORKOV,1961,p.175)[19].

Assim, Stanislávski defende a estreita ligação entre os aspectos físicos e psíquicos presentes na ação quando afirma que “não há ação física sem desejo, aspiração e objetivo, sem sua justificação interior pelo sentimento”(STANISLAVSKI,1983,p.412)[20], assegurando assim a indissociabilidade corpo-mente que anos depois re-afirmar-se-ia de maneira patente no pensamento grotowskiano.



Ainda fazendo uso das palavras de Toporkov:

Graças ao método das ações físicas o ator cobra fé no que está corporificado na esfera dos sentimentos autênticos e de emoções profundas, chegando pelo caminho mais curto à criação da imagem cênica (1961,p.177)[21].

O “caminho mais curto” ao qual o ator aqui se refere é aquele da ação física à emoção, garantindo assim a indissociabilidade dos aspectos físicos e psíquicos da complexidade ser humano.Cabe lembrar que o itinerário aqui sugerido já era apontado quando, em seu texto sobre a  memória emotiva, Stanislávski (2008,p.209)[22] afirmava como “princípio motor de nossa escola de atuação”, a máxima: “o subconsciente através do consciente”: o subconsciente atingido através da ação física precisa e consciente.



Voltemos, agora, ao polonês.Grotowski defende a idéia de que corpo é vida, um acento agudo que faz toda a diferença:

É necessário dar-se conta de que o corpo é a nossa vida.No nosso corpo, inteiro, são incritas todas as nossas experiências (...) O corpo-vida é algo de tangível (GROTOWSKI in FLASZEN & POLLASTRELLI,2007,p.205).

Ao discorrer sobre a indivisibilidade corpo-vida, Grotowski comenta que, durante o trabalho prático,

(...) certos detalhes dos movimentos da mão e dos dedos irão se transformar, mantendo a precisão dos detalhes, em uma volta ao passado, a uma experiência na qual tocamos alguém, talvez um amante, a uma experiência importante que existiu ou que poderia ter existido.Eis como o corpo-memória/corpo-vida se revela (GROTOWSKI in FLASZEN & POLLASTRELLI,2007,p.173).

Notemos, pois, que a ideia acima expressa já se apresentava nas reflexões stanislavskianas sobre a memória emotiva: a capacidade de ativá-la através de uma via corporal.Referindo-se à Stanislávski, Grotowski chama-nos a atenção para o fato de que o mestre russo, quando “trabalhava sobre as ações físicas, superou e ainda também prolongou, sua velha ideia da “memória emotiva” (GROTOWSKI in CEBALLOS,1993,p.24)[23]. Seria Grotowski, anos depois de Stanislávski, que, continuando as pesquisas stanislavskianas sobre os processos criativos do ator, desenvolveria ulteriores considerações sobre  estes e conceberia o termo corpo-vida como referente à  unidade corpo-mente.

Uma importante ideia a se manter presente no pensamento stanislavskiano desde a época da escrita do texto sobre a memória emotiva até aquela do método das ações físicas, já nos últimos anos de sua carreira, diz respeito a uma outra indissociabilidade: ator-personagem.No texto sobre a memória emotiva:

Nós podemos entender, sentir um papel, colocarmo-nos no seu lugar e começar a se comportar como o personagem se comportaria.Isso evoca experiências que são similares às do papel em nós.Mas estes sentimentos não pertencem ao personagem escrito pelo autor, mas ao próprio ator (STANISLAVSKI,2008,p.209)[24].

 Grotowski viria a desenvolver tal pensamento, considerando que “não há personagens, há um rol, um campo, um desafio.E a resposta é a própria vida do “ator” (GROTOWSKI in CEBALLOS,1993,p.45)[25].Aproveitando da citação ora apresentada no desenrolar das discussões sobre o papel da memória no trabalho do ator aqui apresentadas, cabe comentar a experiência de Grotowski ao lado de Rizard Cieslak por ocasião da montagem de O príncipe Constante, segundo Calderón de La Barca, como encenada pelo Teatro Laboratório entre 1965 e 1968.Podemos considerar esta como um caso exemplar da ideia de corpo-vida defendida por Grotowski.

Como nota Tatiana Motta Lima quanto ao processo de construção da partitura de ações físicas do ator, Grotowski trabalhou sobre lembranças de uma experiência amorosa que remontava à adolescência de Cieslak.Assim, ele

(...) começou a rememorar fisicamente aquele encontro amoroso. Quando digo fisicamente, estou me referindo às “ações físicas” ou “psicofísicas” de Staniskavski, que serão retomadas por Grotowski, onde o corpo tem um estatuto não puramente físico: é o “corpo-memória” ou o “corpo-vida” do qual fala Grotowski (LIMA,1998,p.81).

De acordo com Ferdinando Taviani (apud DALFORNO,2002,p.19) Grotowski teria contado numerosas vezes que as ações que constituiam a partitura de Cieslak em “O príncipe Constante” teriam emergido “até a objetividade a partir da memória emotiva do ator”.O estudioso se refere a tal experiência como “um meticuloso trabalho de recoleta física e paciente reconstrução”.Sendo assim, o trabalho desenvolvido por Grotowski vem a retomar as pesquisas stanislavskianas sobre a memória emotiva a partir de um prisma que considera toda a trajetória do mestre russo, partindo, portanto, da unidade corpo-mente como princípio motor do trabalho.

O processo de construção da partitura de ações físicas aparece, tanto em Stanislávski quanto em Grotowski, como um trabalho detalhado, preciso, mas sempre renovado pelo aqui e agora da experiência da atuação que deveria, como sugere metaforicamente Stanislávski, alimentar-se de um fogo inspirador cujo combustível fosse as experiências autobiográficas do ator:

Não imagine que você pode retornar às memórias de ontem, contente-se com as de hoje.Aprenda a aceitar as memórias que tomam vida de forma renovada.Então seu coração responderá com renovada energia à qualquer coisa que não mais te excita numa peça que você já representou diversas vezes.Você se incendiará e então, talvez, a inspiração aparecerá (STANISLAVSKI,2008,p.207)[26].

Pois é a esse mesmo elemento natural, o fogo, que recorreria Rizard Cieslak ao tratar de sua representação de “O Príncipe Constante”.Na ocasião, o ator metaforiza sua partitura na imagem de um copo de vidro dentro do qual, latente, deveria guardar-se uma vela:

A partitura é como um copo dentro do qual uma vela está queimando (...).A chama é o que ilumina a partitura, é o que o espectador vê através da partitura.A partitura continua a mesma, mas tudo é diferente porque eu sou diferente(CIESLAK apud RUFFINI in WOLFORD & SCHECHNER,2001,p.203)[27].

         Sendo assim, resta-nos tomar do discurso ora traçado como legitimizador da afirmação que serve de epígrafe a esse capítulo.Como afirmou Serge Ouaknine (in BRAMBILLA,2005,p.53)[28], se o gênio de Grotowski foi ter encontrado meios de articular “esse tecido de sensações, mesclado com nossa memória corporal”, e de ter encontrado meios de dizê-lo, foi “porque escutou bem a seus ancestrais e porque roubou bem de seus professores e compreendeu bem o que buscava”.






5.CONSIDERAÇÕES FINAIS:SEMENTES AO TEMPO:


A paixão amorosa, hoje em dia, é vista unicamente sob a dimensão erótica.Por isso é quase impossível compreender o termo “Mestre” em toda a sua densidade.E torna-se difícil ir além do óbvio, de conceitos como influência, métodos, fidelidade ou infidelidade.Como se o mestre não fosse aquele que se revela para desaparecer.Como se a sua ação consistisse em ensinar e seduzir.E não fosse, em vez disso, uma fatigante premissa para a descoberta da própria solidão, criativa e sem luto.

Eugenio Barba

Ao longo do presente trabalho, pude flagrar alguns momentos de encontro entre Grotowski e Stanislávski.Além destes restam ainda alguns outros que exponho nos parágrafos seguintes:

Entre 1913 e 1914 Stanislávski se perguntava:


Por acaso o cinematógrafo de Pathé eclipsou Sófocles,Shakespeare,Goethe,Byron,Gogol,Ostroviski,Tchekhov e a todos os grandes artistas da cena teatral? (STANISLAVSKI,1986,p.134)[29].

A pergunta foi lançada numa época em que o cinema assistia a sua afirmação como obra de arte.O teatro sofreu – e ainda sofre – o impacto.Mais e mais pessoas se interessavam pela sétima arte.O fascínio que exercia o quadro luminoso ofuscava a luz dos quadros teatrais.A pergunta lançada por Stanislávski encontraria em Grotowski uma resposta inequívoca: “Existe apenas um elemento que o cinema e a televisão não pode tirar do teatro: a proximidade do organismo vivo” (GROTOWSKI, 1976, p.27).

E se é esse o elemento essencial do teatro – podemos dizer com Grotowski: o encontro – então é nele que devemos investir, na relação viva, que se renova a cada agora, no aqui do encontro entre ator e espectador:

Pela eliminação gradual de tudo que se mostrou supérfluo, percebemos que o teatro pode existir sem maquilagem, sem figurino especial e sem cenografia, sem um espaço isolado para a representação (palco), sem efeitos sonoros e luminosos, etc.Só não pode existir sem o relacionamento ator-espectador, de comunhão perceptiva, direta, viva (GROTOWSKI,1976,p.5).

Eis ai a tese do “teatro pobre”: a centralização do ator em seu encontro com o espectador como o elemento essencial da arte teatral.São essas verdades simples, que evidenciam-se no trabalho prático, e, sob a leitura de estudiosos dedicados, transformam-se em conceitos operativos devidamente registrados, catalogados, rotulados, e, por fim, dicionarizados:

Teatro pobre: Fr.:théâtre pauvre; Ingl.:poor theatre; Al.:armes Theater;Esp.:Teatro pobre.
Termo forjado por GROTOWSKI (1971) para qualificar seu estilo de encenação baseado numa extrema economia de recursos cênicos (cenários, acessórios, figurinos) e preenchendo esse vazio por uma grande intensidade na atuação e por um aprofundamento na relação ator/espectador (PAVIS,2007,p.393).

Mas o “teatro pobre”, antes de virar conceito, já era fato:era premissa, antes que definição.Stanislávski, no último capítulo de sua autobiografia:

Pesquisando os mais diversos recursos e correntes do realismo, do naturalismo, do futurismo, da estatuária, da arquitetura, da estilização por meio de cortinas, paraventos, telas transparentes e efeitos de luz, chego a conclusão de que nenhum desses meios fornece ao ator o fundo que sua arte reclama.Depois de experimentar toda espécie de cenários, acabando por verificar quanto são mesquinhas as suas possibilidades, posso repetir que tais possibilidades estão, hoje em dia, completamente esgotadas.Quem manda no palco é o ator (STANISLAVSKI,1956,p.201).


Stanislávski também já constatava, ainda em sua autobiografia, que

(...) quanto mais o ator se preocupa com o espectador, mais exigente este se torna, e refestelado na sua poltrona, exige que o divirtam sem tratar de auxiliar sua criação em coisa alguma.Mas, quando o ator se despreocupa do auditório, este vai lhe ao encontro, sobretudo durante as cenas mais importantes, e que só num palco poderão ser vistas (STANISLAVSKI,1956,p.166).

Quando Grotowski aconselha não ceder ao caráter sedutor da plateia, novamente faz repetir, com suas próprias palavras, aquilo que o mestre russo já notava em sua época:

(...) quero dizer a vocês que não conseguirão grandes alturas se se orientarem para o público.Não estou falando de um contato direto, mas de um tipo de servidão, do desejo de ser aclamado, de ganhar aplausos e palavras de louvor (GROTOWSKI,1976,p.183).

Franco Ruffini coloca Grotowski dentro de um seleto grupo de “contemporâneos do futuro” de Stanislavski, constituido por “aqueles que esperaram no depois, para moverem-se e andarem avante com ele” (RUFFINI,2003,p.58)[30].“Contemporâneos do futuro” de Stanislavski são aqueles que esperaram no depois para conceder resposta pessoal às perguntas lançadas pelo mestre russo.De acordo com Grotowski,


Stanislávski assumiu um compromisso com seus dicípulos.Foi o primeiro grande criador de um método de representar no teatro, e todos nós, que estamos envolvidos com os problemas teatrais, não podemos fazer nada além de dar respostas pessoais aos problemas que ele levantou(GROTOWSKI,1971,p.68).


Respostas pessoais: que cada um, de acordo com sua individualidade, conceda, cada qual da sua maneira, uma resposta particular.Grotowski prefere encarar Stanislavski, antes, como um desafio, uma motivação à busca incessante por autoconhecimento, que se dá não só no âmbito teatral.

Tendo neste texto apontado confluências entre reflexões stanislavskianas e grotowskianas sobre a arte teatral, principalmente no que tange o trabalho do ator, resta indicar as diferenças entre o fazer-pensar de ambos.Esta tarefa renderia um outro trabalho, tão ou mais complexo do que este, para o qual o primeiro pode vir a se tornar um complemento.Neste caso, poderíamos encontrar distinções, principalmente, no âmbito da estética teatral.Como afirmou o próprio Grotowski:

É assim: considero que o método de Stanislavski tenha sido um dos maiores estímulos para o teatro europeu, em particular na formação do ator; ao mesmo tempo me sinto distante de sua estética.A estética de Stanislavski era o produto de seu tempo, de seu país e de sua pessoa (GROTOWSKI in CEBALLOS,1993,p.18)[31].

Fosse o caso de nos debruçarmos sobre tal problema, novamente esbarraríamos nas mesmas dificuldade que estimularam a presente pesquisa.A fim de investigar o pensamento stanislavskiano sob esse ponto de vista, deveríamos nos lançar numa minuciosa investigação histórica com o objetivo de determinar as características essenciais que configuraram a personalidade estética das montagens dirigidas por Stanislávski, e o mesmo trabalho deveria ser feito em relação a Grotowski, para que pudessemos, então, estabelecer um diálogo entre as propostas de ambos no que concerne a estética.

O pensamento stanislavskiano reverbera-se através do século passado manifestando influência não só nas reflexões e atitudes grotowskianas como na de outras personalidades teatrais.Eugenio Barba confessa pensar constantemente em Stanislavski, “como homem de teatro e como indivíduo que soube, até o fim, conservar a dignidade em relação à sua época e à sua profissão”, e chega a afirmar que “os homens do teatro ocidental não decenderam do macaco, mas de Stanislavski”(BARBA,1991,p.90-91).O diretor do Odin Teatret também encerra Grotowski no rol dos grandes mestres teatrais do século XX.Assumindo para com este uma relação de discípulo, busca sua resposta pessoal aos estímulos de seu mestre:

Reconheço em Jerzy Grotowski o meu Mestre.E, no entanto, não me sinto nem um aluno nem um seguidor.Suas perguntas tornaram-se as minhas.Minhas respostas são cada vez mais diferentes das suas (BARBA,2006,p.190).

Também Peter Brook, célebre diretor teatral inglês inglês, chegou a afirmar que

(...) ninguém mais no mundo, ao que eu saiba, ninguém desde Stanislávski, investigou a natureza da representação teatral, seu fenômeno, seu significado, a natureza e a ciência de seus processos mental-físico-emocionais tão profunda e completamente quanto Grotowski (BROOK in GROTOWSKI,1976,.IX).

Há alguns dias, lendo as primeiras páginas de sua recém lançada autobiografia, Eugenio Barba me surpreendeu novamente por ter escrito ser o teatro “um ofício de solidão que cria vínculos” (BARBA,2010,p.16).Suas palavras me remeteram à epígrafe do presente texto, que se propõe como “considerações finais” a meu trabalho de conclusão de curso.Refiz mentalmente toda a minha estrada até aqui.Pensei em Stanislávski, Grotowski, Brook, Meyerhold, e também em todos os meus companheiros de estrada.Meus pensamentos vagaram, e no exato momento em que redigo essas letras, vagam, pelas imagens daqueles que descobri como mestres, aqueles que me motivam à “descoberta de minha própria solidão, criativa e sem luto”.Mas deparo-me com um problema inescapável: a experiência viva não cabe em palavras.

É à mesma ideia que remetem tanto Grotowski quanto Stanislávski, e também os a pouco citados Peter Brook e Eugenio Barba, dentre muitos outros que aqui não aparecem explicitamente, mas que assombram implícitos as palavras que costuram o presente texto, que, espero, possa também instalar perguntas aos seus prováveis leitores.É que, como salientou Peter Brook, “tudo o que a palavra impressa pode nos contar é o que foi escrito no papel, mas não como o foi uma vez trazido à vida” (BROOK,1969,p.12)[32].Esse problema não relega ao historiador ou crítico teatral um papel insignificante, muito pelo contrário, faz desse o responsável pelo registro da memória em palavra, porque, como afirmou Barba em citação que há pouco recorri e aqui retomo,”apenas a ação é viva mas só a palavra permanece”(BARBA,1994,p.193-194).

         É assim que, não tendo tido a oportunidade de conviver, nem com Stanislávski nem com Grotowski, só me restou sondar aquilo que um dia foi através das palavras escritas, que nada mais são do que rastros do passado.As linhas deste texto nada mais fazem senão traçarem rastros de outros rastros, investigarem o caminho percorrido por personalidades singulares que por aqui passaram, e seu valor reside na capacidade de sucitar perguntas que iluminem o fazer-pensar artístico de outros.

Não é à toa, pois, que decidi titular este trabalho utilizando a palavra semente.De fato, é assim que o espero: como germe de algo que possa fecundar.Acabado o texto, resta a resposta de seus leitores, porque um escrito não vale por si, mas por aquilo que faz nascer no encontro com o outro.






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[1] E consideremos neste ponto a importância daqueles que traduziram as palavras do polonês, francês e inglês – línguas nas quais Grotowski se expressava com fluência – para o português.
[2] Transformado pela interpretação strasberguiana em uma espécie de sacerdote da técnica psicológica, Stanislávski ainda é tratado pelo senso comum como o inefável defensor do psicologismo realista no teatro.Mas não é Stanislávski, e sim as leituras feitas de sua obra, as protagonistas desta história. Sobre essa questão em particuar é recomendada a leitura de Toporkov (1961), Strasberg (1990) e Ruffini (2004).
[3] Referente a Théodule Ribot (1839 – 1916), psicólogo francês cujo trabalho Stanislávski teria encontrado por volta de 1908.
[4] ‘You’ll understand it from this example which Ribot provides:
‘Two travellers were cut off on a cliff by the tide. They escaped and afterwards recounted their impressions. One of them remembered every single one of his actions, how, where, why he had gone there, where he came down, how he placed his feet, where he jumped. The other remembered almost nothing of all that but only remembered the feelings he lived through, first excitement, then wariness, alarm, hope, doubt and, finally, a state of panic.These feelings had been retained in his Emotion Memory.‘If today, by simply thinking about the exercise, all the feelings you had experienced the first time returned as with the second traveller, if you had lived them and started afresh in a way which was genuine, productive an purposeful, if all this had happened spontaneously, with no effort of will, I’d say you had a first class, quite excepcional Emotion Memory.’But, unfortunately, that’s a very rare phenomenon.
[5] ‘How terrible the expression “in general” is! (…)‘When the expression “in general” is used to judge an actor’s performance (…) such a judgement is an insult to the performer.
[6] You must handle Emotion Memory and the feelings it contains in the same way a hunter handles wildfowl (…) ‘If the bird won’t fly to him, there’s no way of tracking it down in a dense green thicket.There’s nothing for it but to entice it out of the woods with the help of special whistles, which we call “decoys”.
[7] El Tiempo es la rapidez con que se alternan períodos iguales, de una medida qualquiera, que por convención se toman como unidades.Ritmo és la relación quantitativa de los períodos efectivos (de movimiento, sonido) respecto de los períodos estabelecidos por convención como unidades en un tiempo y medida determinada.
[8] O metrônomo é um instrumento inventado no século XIX pelo relojoeiro holandês Dietrich Nikolaus Winkel e aperfeiçoado por Johann Napenuk Maelzel, utilizado para indicar a exata marcação rítmica de uma determinada peça musical (CARDOSO & MASCARENHAS,1996,p.116).
[9] (...) a ese metodo tosco (...) pela más refinada cuenta mental.
[10] Si el tempo-ritmo se toma adecuadamente, el sentimiento y la vivencia correctos se crean naturalmente, por sí mismos; pero si lo elegimos equivocadamente, de igual modo surgirán, en distintos momentos del papel, sentimientos y vivencias incorrectos que no se pueden corregir si no se modifica ese tempo-ritmo.
[11] Si el actor siente intuitiva y correctamente lo que dice y hace en la escena, el tempo-ritmo adecuado se manifesta espontáneamente, distribuyendo los pasajes fuertes y débiles del lenguaje, y los puntos de coincidencia.Si esto no ocurre, sólo nos queda despertar el tempo-ritmo por la via técnica, o sea, como de costumbre, ir de lo externo a lo interno.
[12] (…) el tempo-ritmo de la acción puede sugerir de modo intuitivo, directo, inmediato, no sólo los sentimientos correspondientes(...)con mayor fuerza aun sobre la memoria emotiva y sobre la imaginación sobre las acciones musicales.
[13] Do you remember the physical actions, their logic and sequence, truth and belief in their authenticity? That is also an important stimulus to feeling.
[14] (...) the creation of the life of the human spirit in a role and the communication of that life onstage in an artistic form.
[15] (...) the actor must not only experience the role inwardly, he must embody that inner experience physically
[16] Não tendo encontrado uma definição exata para o conceito de ação física em Stanislávski, recorremos àquela proposta pela professora Dra. Nair D’Agostini (apud FORNO,2002,p.41), a saber: um processo psicofísico de luta contra as circunstâncias dadas para alcançar um determinado objetivo, que se dá no tempo e no espaço de uma forma teatral qualquer”.Nair estudou na Rússia com Gueorgui Tovstonógov (1913-1988) e Arkadii Katsman (1921-1989) chegando a tal definição como síntese de informações que obteve durante seus anos de estudo.Sendo assim, tomemos como referente, a partir daqui, a definição ora apresentada.
[17] Cuja leitura é sugerida por Jerzy Grotowski (in FLASZEN & POLLASTRELLI,2007,p.229): “Tomemos o livro de Toporkov, com o título de Stanislávski nos ensaios.É um livro importante.
[18] No hablen de sentimientos que no se puede fijar.Lo único que se puede recordar y fijar es la acción física.
[19] También seria erroneo considerar la acción física solo como un movimiento plástico que expresa la acción.No; es una acción auténtica, logicamente fundada, que persigue una concreta finalidad y que, en el momento de su ejecución, se convierte en una acción psicofísica.
[20] (...) no hay acción fisica sin deseo, aspiración y objetivo, sin justificacción interior por el sentimiento
[21] Gracias al método de las acciones físicas el actor cobra fe en lo que está encarnado, penetra en la esfera de sentimientos auténticos y de emociones profundas, chegando por el camino mas corto a la creación de la imagen escénica.
[22] ‘We must remember the basic principle of our school of acting: “the subconscious through the conscious”.
[23] Cuando Stanislávski trabajaba sobre las acciones físicas superó, aunque también prolongo, su vieja Idea de la “memória emotiva”.
[24] We can understand, feel a role, put ourselves in its place and start behaving as the character would.That evokes experiences which are similar to the role in us. But these feelings belong not to the character the author has written, but to the actor himself.
[25] no hay personajes, hay un rol, un campo, un desafio.Y la respuesta em la própria vida del “actor”.
[26] Don’t imagine you can return to yesterday’s memory, be content with today’s. Learn to accept memories that have come to life afresh. Then your heart will respond with renewed energy to anything that no longer excites you in a play that you’ve played too often. You will take fire and then, perhaps, inspiration will appear.
[27] The score is like a glass inside which a candle is burning.(…).The flame is my inner process each night.The flame is what illuminates the score,what the spectator see trhough the score (…).The score remains the same, but everything is different because I am different.
[28] (...) ese tejido de sensaciones mesclado con nuestra memoria corporal (...) porque escuchó bien a sus ancestros, y porqué robó bien a sus maestros, y comprendió bién lo que buscaba.
[29] ?Acaso el cinematógrafo de Pathé* ha eclipsado a Sófocles, Shakespeare,Goethe,Byron,Gogol, Ostrovski,Chéjov y a todos los grandes artistas de la escena? *Charles Pathé (1863-1957), importante produtor de cinema francês.
[30] (...)quelli che l’hanno aspettato dopo, per moversi e andare avanti con lui.
[31] Es asi: creo que el método de Stanislavski haya sido uno de los más grandes estímulos para el teatro europeo, em particular en la formación Del actor; al mismo tiempo me siento lejano de su estética.La estética de Stanislavski era el producto de su tiempo, su país y de su persona.

[32] all the printed word can tell us is what was written on paper, not how it was once brought to life.




[1] My book has no pretensions to be scientific.
[2] I am a practitioner and I can help you to understand, that is fell, the nature of artistic truth, but not in words, in action.
[3] Come sistematizzare la sua conoscenza senza farne un sistema: fu questo il problema di Stanislavskij scrittore.
[4] Paulo Motchalov (1800 – 1848) não tinha escola nenhuma.Fiando-se unicamente no instinto, no sentimento, esse artista, por vezes genial, era muito desigual.O epitáfio desse inspirado intérprete do repetório clássico é o seguinte: Aqui jaz o “louco”, amigo de Shakespeare (STANISLAVSKI,1956,p.59).
[5] Yo escribo todo esto con el fin de previnir, en la medida del desarrollo de mis ideas, todo tipo de notas al pie acerca de la interpretación de nuestros geniales predecessores a cuya autoridad tanto gustan remitirse los artistas mediocres.Para darse a si mismo mayor peso gritan: “Mochalov mismo hacía ésto!” (...) La respuesta surge por si sola: “!Justamente por ello usted no debe hacer lo mismo!”.
[6]  (...) el método – en el sentido del sistema – no existe.No puede existir de outra manera que como desafio llamado.Y no se puede jamas prever exactamente cual será la respuesta de algún otro. (...).Si la respuesta es la misma, entonces es casi seguro que esta respuesta es falsa.
[7] La escritura era para él [Grotowski] un instrumento generador de equívocos y de incompreensión que, inevitablemente, tracionava la experiencia prática, una experiencia que no se puede conocer desde el exterior, sino que solo se puede vivirse directamente.
[8] Se han formulado preguntas a propósito de mi libro, y yo quiero subrayar, uma vez mas, una cosa.Ese libro no es um manual.Yo no creo que en ese domínio, al que hemos entregado nuestra vida, los manuales sean possibiles.(...).Quizá, para algunos, pueda funcionar como un desafío o como una interrogación, y entonces puede ayudarlos a buscar su propia y verdadera respuesta.En ese caso está bien. Pero si se lo toma como una espécie de base para un sistema teatral, estoy en contra. Y en ese caso, lamento que el libro exista.
[9] (…)a large, ready-made battery of tricks, which ostensibly convey by outward means all the possible feelings you can encounter in the course of your career (…) imitation, a resemblance to its supposed outer results.

[10] Los clisés, lo convencional, son cadenas que esclavizan a los actores, quitandoles la libertad.
[11] We would have to remake ourselves completely, body and soul, from head to foot and adapt to the demands of our art, or rather, to the demands of nature.For art is in harmony with her. Life and the bad habits that have been grafted onto her mar our nature. Shortcomings which slip by unnoticed in life became obvious in the glare of the footlights and stick out like a sore thumb to an audience
[12] (…) part of your flesh and blood and heart can you begin, unconsciously, to derive real benefit from it.
[13] (…) durante todo el día, en el transcurso de toda la vida del artista (...) en una segunda naturaleza.
[14] (…) physical tension paralyses our whole capacity for action
[15] (…) not only in class (…) at every moment of your existence (…) make muscular control part of your physical being, make it second nature.
[16] É interessante notar que Stanislávski teria substituido o termo “prana”, emprestado do yoga indiano, por “energia”, por considerar que o segundo vocábulo seria melhor compreendido pelos prováveis leitores de sua obra.Ainda que o mestre russo tenha entrado em contato com a filosofia hindu, não se sabe ao certo se chegou a aplicar os exercícios do yoga aos atores-estudantes dos estúdios.Sobre essa questão ver nota de rodapé em Stanislávski (1983,p.386).
[17] ?Y que otra cosa es la tensión muscular, o el espasmo, sino energía motriz que ha quedado bloqueada?
[18] Confidence combined with lightness, agility and freedom of the muscles creates the quite exceptional flexibility of movement for which felines are justly famous
[19] (…) la plástica simple e natural deberá ser de una vez y para siempre una característica natural del actor, su segunda naturaleza (...) reflejar toral e bellamente el espíritu creativo del actor.
[20] (…) todos caminamos de un modo incorrecto, mientras que la marcha en la escena debe ser tal como la ha creado la naturaleza, de acordo con todas sus leyes.
[21] Isadora Duncan (1877 – 1927) foi uma bailarina norte americana que manteve franco contato com Stanislávski.Em carta a ela endereçada, datada de 29 de janeiro de 1908, o mestre russo se refere a Duncan como uma “grande e extraordinária artista”, e  confessa o objetivo de buscar na sua arte aquilo que Duncan conseguira criar criar com sua  dança, “essa beleza simples como a natureza”(STANISLAVSKI,1986,p.297).
[22] En el primero el talon inicia el paso.En el Segundo se avanza apoyando la planta entera.En el tercero, conocido como la marcha a la Isadora Duncan, se avanza apoyando primero los dedos, luego el movimiento se va transladando por la planta hasta el talon, para volver en el sentido inverso por la planta a los dedos y, después, más hacia arriba por la pierna.
[23]El que duda en el momento de un “salto mortal”, seguramente recibirá un enorme chichón o se rompera la cabeza.Esos instantes requieren decision.La acrobacia ayuda a desarollarla, y la decisión es muy en los minutos culminantes de la creación.
[24] (...) por su esforzo en pensar sobre la base de lo que es pratico y concreto.
[25] Iuri Zavadski, ator e diretor russo, atuou em Princesa Turandot sob direção de Evgueni Vakthangov – que, por sua vez, manteve uma estreita relação com Stanislávski – e também trabalhou ao lado do próprio Stanislávski.De acordo com Barba (2006,p.14), Zavadiski “era um professor irritável e severo,  particularmente em relação aos poloneses, mas tinha simpatia por Grotóvski*”.*Mantenho aqui a grafia empregada por Patrícia Furtado de Mendonça – tradutora da obra citada – ainda que esta não condiga com as regras vigentes para a grafia de nomes poloneses em língua portuguesa, tendo sido criticada pelo autor da obra referenciada:Ver Barba (B) (2006).
[26] In the sommersaults, the actor Who hesitates, who will not take risks, will also hesitate in the culminating moment of his role.
[27] Todavia, sabe-se que Leopold Surlejitski, parceiro de Stanislávski já citado no presente trabalho, utilizou-se do ioga.De acordo com Camilo Scandolara (2006,p.79), Surlejitski encontrou no yoga um meio de “demonstrar a relação entre o controle da respiração e tensão do corpo”.
[28] Não obstante, um estudo mais aprofundado das propostas stanislavskianas revelam que a busca por uma tensão equilibrada – que não peque nem pelo excesso nem pela carência – já estava presente nas reflexões do mestre russo.Referindo-se a tensão muscular, Stanislávski nota que “tensões aparecem aqui e lá a todo tempo”, e que, portanto, “não podemos erradicar este mal de uma vez por todas, mas devemos lutar contra ele” (STANISLAVSKI,2008,p.121, tradução nossa).
[29] Françoise Delsarte (1811-1871) empreendeu ao longo de sua vida uma aprofundada pesquisa sobre a expressão das emoções humanas.Seu trabalho exerceu forte influência não só no teatro,

   mas também na música e nas artes plásticas.O leitor é incentivado à leitura de Bonfitto (2002) bem como de Aslan (2007) a fim de obter maiores informações sobre sua biografia e pensamento.
[30] Émile Jaques Dalcroze (1865 – 1950), um dos principais nomes da pedagogia musical do século XX, aparece como referência no trabalho de Stanislávski e de Grotowski.Seu método de ensino, a rítmica – ou método Dalcroze – é uma espécie de solfejo corporal que visa desenvolver o ouvido interior pela via corporal, a partir do reconhecimento do corpo como conector entre os sons e o pensamento.Sobre Dalcroze ver Bonfitto (2002).
[31] Dalcroze também é apontado como referência em Grotowski (1976,p.92).
[32] Cuando en aquello que haciam durante el espetaculo, perdíamos la precisión, era necessario buscarla en los ejercicios (…) una especie de intersección entre lo que estaba aún en el flujo de las reaciones personales y de lo que ya se dirigía hacia la precisión.



[1] Termo empregado por Marco de Marinis para designar um conjunto de experiências teatrais que inicia-se com Antoine e termina com a morte de Julian Beck, e que preza pela valorização do teatro enquanto laboratório de vida, lugar de valorização de princípios éticos protegidos das tendências do teatro comercial.De acordo com o autor, “o novescentos teatral tende a desenvolver sólidas ambições pedagógico-ético-político-espirituais, chegando a fazer do ator e do grupo criativo os modelos ideais respectivamente para o homem e para a comunidade do futuro (MARINIS apud SCANDOLARA,2006,p.180).
[2] Por “sistema” podemos compreender um conjunto de elementos que são requisitos básicos a serem dominados pelo ator (DALFORNO,2002,p.13).Estes elementos – que formam um todo indivizível e independem de questões estéticas – são inerentes à ação humana cotidiana e aparecem de maneira amplificada na ação cênica.Os elementos do “sistema” foram trabalhados pelo mestre russo junto aos atores dos estúdios do Teatro de Arte de Moscou através de exercícios dentre os quais alguns serão apontados no capítulo seguinte.Opto por encerrar o termo entre aspas em concordância com a Franco Rufini (apud SCANDOLARA,2006,p.3):”para evitar leituras manualísticas Stanislávski colocava aspas na palavra sistema.Façamos o mesmo”.
[3] Cada miembro de la corporación teatral debe sentirse siempre un “tornillo” de una máquina grande y complicada.
[4] Não obstante as regras de acentuação para nomes russos grafados em língua portuguesa determinem o uso de acento agudo em Stanislávski, manteremos a grafia empregada nas referências citadas de acordo com as fontes pesquisadas – como é o caso do inglês e do espanhol, língua nas quais o nome de Stanislávski não é acentuado – salvo em caso de tradução.É também digno de nota que, em muitos casos, o nome russo aparece sem acento mesmo na língua portuguesa, desrespeitando, pois, as normas vigentes.

[5] (...) proprio carater, adaptarlo a la obra común, formarse un carater de corporación, por así decir.
[6] “no se puede llegar tarde a una actividad que se realiza coletivamente.
[7] (...) hay que llegar a tiempo al teatro, media hora o un cuarto de hora antes del comienzo [del ensayo] (...).
[8] (…) llevan a su teatro todo genero de miserias cotidianas: comadrerías, intrigas, habladurías, calumnias, envidias, un mesquinho amor proprio.
[9] Se puede estar abatido en casa, pero en el teatro hay que sonreír.Que los más firmes ayuden a conseguir-lo.
[10] El ruido y las conversaciones que hay detras del scenario crean una desorganización, y desmoralizan el espectador.
[11] A metáfora do ator-sacerdote é patente no pensamento de Leopold Sulerjitski (1872-1916), que atuou ao lado do mestre russo nos estúdios do Teatro de Arte de Moscou e sobre ele exerceu forte influência.A citação stanislavskiana à qual este comentário está agregado pode ser tida como indício dessa influência.O leitor é convidado à leitura de Scandolara (2006) a fim de se aprofundar nesse assunto.
[12] Es preciso que el espectador, el actor, y todo aquél que tenga relación con el teatro, entren en él con un peculiar sentido de veneración.(...).La administración y sus funcionários deben ser los primeros amigos del arte y los ayudantes de los que se han dedicado a su sacerdocio:los artista.
[13] Amar el arte en sí, y no amarse a sí mismo en el arte.
[14] No hay partes pequeñas, sino actores pequeños.
[15] (…) aritmetica, o quizás geométrica.
[16] (…) estado previo a la creación.
[17] (...) no creo en los actores que charlan mucho en los ensayos, en vez de tomar apuentes y planificar su trabajo en casa.
[18] Piensen más en los otros y menos en si mismos (...) Si noventa y nueve personas cuidan de la libertad común, es decir también de la mía,yo, el centésimo, viveré muy bien en la tierra.
[19] De la práctica constante, de la capacitación del operario hacia su labor superespecializado se obtiene una mayor rapidez en el trabajo y un barateamento de la mano de de obra empleada.No es acaso eso lo que se practica en las empresas teatrales que no persigen objectivos artisticos sino materiales?Tales teatros existen a montones.
[20] De acordo com Cristiane Layher Takeda (2002,p.60), a tradução do nome do restaurante para o português seria “Mercado Eslavo”.É também Takeda que indica a data do encontro entre Stanislávski e Dantchenko.
[21] (...) conocer las leyes de la etica social e subordinarse a las mismas.
[22] (...) en todo acto que viole los compromisos de la instituición frente a la sociedad, se esconde una falta de respeto hacia ésta.
[23] (...) son las mismas de la ética social pero ellas deberán adaptarse a las condiciones de nuestro arte.Estas condiciones son diversas y complejas.

[24] Es un error pensar que la libertad del artista radica en que pueda hacer todo lo que venga en gana.