sábado, 30 de outubro de 2010

Perseguição e assassinato de Jean-Paul Marat em Londrina


A obra de Peter Weiss já consagrada por Peter Brook nos anos sessenta ganha mais uma vez o palco, desta vez, materializada pelo trabalho dos formandos em artes cênicas da Universidade Estadual de Londrina sob direção dos professores Camilo Scandolara e Ceres Vittori Silva.

O julgamento acontecerá nos próximos dias 4, 5, 6 e 7 de novembro de 2010, às 20:30h, no Cine Teatro Ouro Verde, em Londrina PR.Você é nosso convidado para comparecer ao acontecimento.Traga o quilo de alimento que garantirá sua entrada.



terça-feira, 26 de outubro de 2010

Dramaturgia em debate no Teatro de Arena (POA)

Ai está um um convite pra quem é de Porto Alegre.A obra me parece particularmente interessante para deficientes visuais, já que, pelo que indica sua descrição, privilegia os recursos sonoros do discurso.Ah, e a entrada é franca.

Dentro do ciclo de leituras dramáticas DRAMATURGIA EM DEBATE, organizado pelo Teatro de Arena com o objetivo de divulgar textos de autores gaúchos contemporâneos, estará sendo apresentada, na próxima segunda-feira, a obra "Marie, mulher de Woyzeck", de Jorge Rein.
Trata-se de um monólogo que, a partir da obra original de Georg Büchner, por sua vez baseada em episódios reais, procura estabelecer a responsabilidade do sistema social nas tragédias individuais e as interpretações antagônicas que um mesmo gesto ou uma mesma atitude podem provocar. Por privilegiar os recursos sonoros a apresentação poderá ser plenamente usufruida por pessoas com deficiência visual.



SERVIÇO:CICLO DRAMATURGIA EM DEBATE"MARIE, MULHER DE WOYZECK" de Jorge Rein

ELENCO: Letícia Schwartz, Márcia Caspary e Viviane Juguero MÚSICA: Fernando MattosDia 01/11/2010 às 19:00h

TEATRO DE ARENA RUA BORGES DE MEDEIROS, 835 PORTO ALEGRE RS - ENTRADA FRANCA



Maiores informações: www.teatrodearena.com

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sobre a descriminalização do aborto :

Busco responder a seguinte questão utilizando de um perpicaz jogo de palavras, tentando forjar o aborto em termos bem amenos, e, às vezes, desviando de assunto.Depois eu volto à primeira resposta tentando redizê-la de maneira mais explícita, por assim dizer.No fim, concederei minha posição pessoal a respeito do tema.

Mas afinal de contas: o aborto deve ser descriminalizado ?

Resposta 1 (jogo de palavras): Na verdade seria um absurdo atravacar o desenvolvimento cultural de nosso país encerrando-o em uma condição de atraso em relação à outras nações que já compreenderam que cabe somente à mãe, e tão somente à ela, decidir-se sobre questões que dizem respeito a seu próprio corpo – leia-se, a ela mesma – exercendo assim sua total liberdade de escolha e celebrando sua emancipação no jogo político contemporâneo.O aborto deve sim ser descriminalizado e tratado como assunto de saúde pública.Ou será que continuaremos vítmas de um Estado que se faz de laico, mas que ainda corre para os braços da igreja quando esta lhe convém ? Consideremos, a título de reflexão, que relações extraconjugais são cada vez mais comuns.Tais relacionamentos podem acabar, por descuido de seus partícipes gerando frutos indesejados, que acabarão, na maioria das vezes por conta dos mesmos moralismos ultrapassados, tornando-se uma espécie de expiação pelo “pecado” cometido, como se uma condenação perpétua pelo “prazer proibido” fossem.

Ou seja:

Quando me refiro ao “desenvolvimento cultural de nosso país”, digo da riqueza simbólica deste, do conjunto de saberes e fazeres que caracterizam um determinado povo em uma determinada época e lugar, e que se manifestam tanto em seu nível individual quanto no social – que se refletem mutuamente – em constante construção.

É importante frisar que, em último caso, não é possível dissociar a riqueza simbólica de um povo de sua riqueza material, que aponta, por sua vez, para sua condição econômica.O desenvolvimento econômico de um país reflete-se de maneira direta nas relações entre as pessoas que lhe povoam.É fato que países cujo desenvolvimento econômico, tanto do ponto de vista da riqueza acumulada quanto de sua distribuição, já encaram a questão do aborto como um assunto que diz respeito à saúde pública, o que demonstra o interesse do Estado com relação à condição de vida das pessoas, condição esta que, por sua vez, reflete sua situação econômica.Ao tomar para si a responsabilidade por esse assunto, o Estado revela a preocupação que tem pela saúde e bem estar psíquico e físico das mulheres.Descriminalizado ou não o aborto continuará a ser uma prática mais comum do que parece, e disponibilizar a devida assistência nos órgãos de saúde estatais evitará que mães prematuras não assistidas socialmente continuem a morrer devido a tentativas de aborto feitas aos trancos e barrancos sem nenhum cuidado médico profissional – já que o preço de um aborto em uma clínica clandestina impossibilita o acesso das classes baixas a esses serviços.

Quando afirmo que “cabe somente à mãe, e tão somente à ela, decidir-se sobre questões que dizem respeito a seu próprio corpo – leia-se, a ela mesma”, quero dizer que a velha ideia dualista que compreendia o ser como uma entidade dotada de corpo e alma já caducou a tempo, e, como qualquer opinião contrária poderia ser refutada pelos cientistas mais badalados da atualidade, podemos compreender o ser humano como um complexo sistema constituído de carne, veias, e sistema nervoso.Todos os fenômenos ditos de iluminação religiosa podem ser, consequentemente, compreendidos sobre o ponto de vista material, atitude que aqui empreendo.

Quero dizer, também, que não me preocupa, na verdade, se pode ou não ser o feto considerado um ser vivo.Basta-me a opinião da ciência, e, sendo esta não consensual, advogo a favor da que mais me favorecer.Considero também que mesmo as verdades científicas estão sujeitas ao complexo jogo de engrenagens que movem a história, e quando destas falo, volto novamente à economia, já que qualquer tipo de pesquisa científica precisa de ser financiada, de modo que o desenvolvimento econômico também reflete-se no científico.Desconsidero, portanto, o corpo do feto, preocupando-me, por ora, com o corpo feminino que o ostenta, já que, para meus interesses, isto me basta.Claro que não posso deixar de aproveitar o espaço que foi aberto pelas revoltas feministas de ontem para tratar do assassinato do feto como um ato de coragem em função da liberdade da mulher.Tudo bem que até ai não há nenhuma novidade, já que qualquer tipo de conhecimento científico ou ideia política tem sua genese histórica – e conhecê-la não implica, necessariamente, em resolver o problema central que aqui se apresenta, a saber, se o aborto deve ou não ser descriminalizado -  mas demonstrar que conheço o processo de construção histórica da questão da liberdade me serve como estratégia de desvio da atenção do leitor do principal objeto em questão.

Do mesmo modo, fazendo uso do desenvolvimento histórico do pensamento ocidental quanto à figura divina, aproveito para atacar a igreja.Não o fiz, mas poderia ter feito menção à santa inquisição, penalizando toda a instituição religiosa pelas máculas que alguns de seus representantes lhe causaram.E não é somente a isso que se resume a igreja, a saber: ao papa e a alguns padres pedófilos?É certo que estes podem não agir de acordo com valores cristãos, aliás, Cristo pode não ter nada a ver com isso, mas como posso tirar proveito dos vícios alheios pra denegrir a imagem do barbudo crucificado, não vou perder essa oportunidade.Me importa também desviar a atenção dessas questões, e novamente recorrer ao perspicaz jogo de palavras para, parafraseando uma passagem bíblica, desafiar aquele que nunca pecou à atirar a primeira pedra contra uma mãe que abortasse seu filho – a final de contas, as palavrinhas da bíblia também podem ser manipuladas a meu bel prazer.



Ah, qual é a minha opinião pessoal sobre o tema ?

Tá, ela não vai fazer muita diferença, mas vou afirmá-la abaixo.Fiquem tranquilos, tentarei ser o mais objetivo possível:

É importante notar, de antemão, que o aborto já é legal em caso de estupro, risco de vida para a mãe e ou no caso de o feto apresentar acefalia, por exemplo.Esses casos são particulares e tem de ser tratados em sua particularidade.Hoje em dia, quando se trata de uma gravidez consequente de um estupro ou que traga risco de vida para a mãe o aborto já é permitido por lei e fica à mãe a decisão por abortar ou não.Bem, na verdade, a decisão cabe a mãe em qualquer caso.Descriminalizado ou não, abortos acontecem e continuarão a acontecer, seja em clínincas de luxo ou em clínicas de fundo de quintal.

Existem hoje diversos métodos contraceptivos: camisinha, pílulas anticoncepcionais, pílula do dia seguinte, e a tabelinha, por exemplo.É certo que estes meios podem excluir quase que totalmente a possibilidade de uma gravidez indesejável.Não obstante, vivemos para além de uma condição absurda e insolúvel: todos os valores ditos “humanistas” já não passam de uma triste piada.Na verdade, me pergunto se todos eles não constituem, mais que uma utopia sedutora.

Vivemos num absurdo apocalíptico.Caminhamos cegos pelo deserto de uma humanidade perdida numa condição pós-traumática que parece irremediável, e que de tão cruel chega a ser tragicômica: trágica porque fatal, cômica, porque já não conseguimos mais nem enxergar tal situação, já que viciados numa anestesia já insípida  estamos.Vida, humanidade, liberdade: palavras que, se já tiveram ou ainda têm algum valor, este é antes monetário que moral.

A igreja, por sua vez, mantém-se firme em sua posição contrária ao uso da camisinha, e isso mesmo com a AIDS. A igreja continuará firme em sua posição, mas é preciso notar a declaração do papa Bento XVI, que recentemente afirmou ser o uso de preservativos um pecado menor no caso de uma relação sexual de risco. Encarar a Igreja como uma congregação de pedófilos de batina é ignorar sua importância no mundo atual e o papel social que desempenha, mas é óbvio que os casos de pedofilia na igreja divulgados nos últimos tempos vêm manchar a imagem desta instituição que desde a muito tempo vem sendo atacada de maneira cada vez mais brutal.

É fato também que, descriminalizado ou não, o aborto continuará a ser uma prática mais corriqueira do que se pensa, e muito provavelmente, cada vez mais comum em meio ao deserto apocalíptico no qual agonizamos. É fato também que, sujeita à economia, os velhos princípios morais são e serão cada vez mais relativizados e ridicularizados em função da lei do mais forte, no caso, de quem tem maior poder político-econômico.

Diante de tal condição não me surpreende que o aborto seja tratado como um problema de saúde pública. Não poderia ser de outro modo, já que tratar dessa questão sob o ponto de vista da moral, ou ficar se lamentando pelos problemas da educação que lhe são pertinentes seria no mínimo monótono. Discussões sobre esses aspectos do problema tomariam muito tempo, e, como vocês sabem, tempo é dinheiro. Creio que em face de tal situação a descriminalização do aborto não tarde a acontecer. Mais dia menos dia ele será descriminalizado, e quanto a isso pouco importa se será o candidato A ou B que ganhará a eleição, porque o sistema democrático pode muito bem ser assaltado desde dentro, por meio de pesquisas forjadas, manipulação de eleições e abuso de poderes.

Mudam de assunto, desviam furtivamente a atenção, utilizam-se de eufemismos.O que fazer? Essas palavrinhas – moral, ética, humanidade, solidariedade, Deus, etc – continuarão a aparecer, aqui e acolá, nos discursos mais diversos, com significados também distintos, e como tempo é dinheiro, ninguém terá a paciência de analisá-los com maior profundidade.



Jeferson Torres

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Sobre a arte do discurso:


Sobre a arte de ludibriar o outro através de ficções verbais que têm como fim conduzir seu interlocutor à equivocos de interpretação:
 
ESTRANGEIRO
 
— Não devemos admitir que também o discurso permite uma técnica por meio da qual se poderá levar aos ouvidos de jovens ainda separados por uma longa distância da verdade das coisas, palavras mágicas, e apresentar, a propósito de todas as coisas, ficções verbais, dando-lhes assim a ilusão de ser verdadeiro tudo o que ouvem e de que, quem assim lhes fala, tudo conhece melhor que ninguém?
 
TEETETO
 
— Por que razão não existiria também essa técnica?
Platão, em Sofista.
 
 
 
É quando leio palavras como estas, por exemplo – lançadas ao tempo há mais de dois mil anos - que eu entendo porque nos é recomendado pelos doutos das letras a leitura dos clássicos gregos.Ah, só pra constar: estamos em época de eleição.
 

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Entrevista de Eugenio Barba para o Estadão:

11 de setembro de 2010

O culto da arte de incendiar o palco

O diretor italiano Eugenio Barba, que criou o Odin Teatret, será homenageado hoje em um festival na Bahia e tem seus livros publicados por editoras do[br]País - entre eles, a autobiografia Queimar a Casa.
Homenageado hoje na terceira edição do Festival Latino-Americano de Teatro da Bahia (Filte) com a apresentação da peça O Castelo de Holstebro, do Odin Teatre, grupo dinamarquês dirigido por ele, o dramaturgo italiano Eugenio Barba, de 74 anos, virou um nome disputadíssimo pelas editoras brasileiras - que, enfim, parecem descobrir o filão teatral, como se verá nestas páginas. A Perspectiva lança esta semana sua autobiografia, Queimar a Casa - Origens de Um Diretor, comovente depoimento em que Barba conta sua infância, passada durante a guerra, e revela como foi perseguido na juventude pela "tara do suicídio" de sua família - ele escapou da síndrome justamente quando se decidiu pelo teatro, renegando outra tradição familiar, a militar (seu pai era fascista e comandou uma legião de camisas negras na África setentrional).
Além da autobiografia, outros lançamentos relacionados ao trabalho de Barba como encenador estão programados. A editora É Realizações coloca brevemente no mercado outro título fundamental do diretor, A Arte Secreta do Ator, e está em negociações para publicar todos os títulos da Icarus, editora ligada ao Odin Teatret. Sobre a autobiografia, Barba concedeu uma entrevista exclusiva ao Sabático, em que explicou seu singular método de trabalho com os atores do Odin e os princípios que orientam a atuação do grupo, criado por ele em 1964, em Oslo, Noruega.
A sede do Odin funciona em Holstebro, Dinamarca, onde também foi instalada há 31 anos a Escola Internacional de Antropologia Teatral projetada por Barba. A prefeitura da pequena cidade Holstebro, ao noroeste da Dinamarca - que empresta seu nome à peça apresentada pelo Odin na Bahia - convidou Barba, ex-aluno do polonês Jerzy Grotowski, a lá instalar seu laboratório teatral em 1966, cedendo uma antiga fazenda ao diretor e uma pequena soma de dinheiro que serviu para arregimentar um elenco multinacional de 18 diferentes países. Desde sua fundação, o Odin já montou mais de 70 espetáculos, apresentados em 63 países, dos quais os mais recentes são O Casamento de Medeia (2008) e o Sonho de Andersen, que passou pelo Brasil há dois anos. O espetáculo levado à Bahia, O Castelo de Holstebro, está sendo apresentado em sua segunda versão (a de 1990), com a atriz Julia Varley - coautora do texto, ao lado de Barba - no papel de um ambivalente ser que abriga duas almas em conflito, uma feminina e outra masculina, num castelo fantasma habitado por personagens de ficção.
Sempre empenhado em pesquisar novas formas de expressão, Barba defende na entrevista um teatro voltado para a interação social com poucos espectadores, dispostos a vencer preconceitos e barreiras linguísticas. Ele mesmo teve de enfrentá-los quando decidiu se estabelecer em Oslo, logo após estudar a técnica indiana do teatro Kathakali, em 1963, e tentar ensiná-la num país escandinavo sem dominar a língua dos noruegueses.
Os atores do Odin não dividem uma língua em comum com seus colegas. A originalidade do grupo, segundo seu criador, "tem sido a capacidade de desenvolver uma linguagem sonora dinâmica que permite um outro tipo de informação que não a verbal".


O senhor começa seu livro revelando que durante anos imaginou um espetáculo que terminasse com um grande incêndio real no teatro. Por que sonhar com espetáculos impossíveis e plantar essa semente como uma possibilidade real? Que sentido ela tem para sua vida?
Antes de mais nada, é preciso lembrar que o impossível é só o possível que leva mais tempo para ser realizado. Um processo criativo pessoal se nutre de imagens, sonhos e necessidades que são frequentemente incompreensíveis até para o próprio artista. Como disse Pascal: a razão da mente não entende as razões do coração.
O senhor nunca se refere à palavra público, explicando no livro que Grotowski recomendava a seus atores que evitassem o coletivo e se dirigissem a um só espectador. Em tempos de espetáculos de massa, em que o teatro chega até a ser representado em estádios, como educar o público?
O público é uma entidade sociológica, que não me ajuda como diretor. O meu objetivo é um espetáculo que estabeleça um diálogo pessoal com cada espectador, um indivíduo com uma biografia e uma expectativa diferente do espectador despreparado. É verdade que muitos teatros pensam em termos de público, mas um dos princípios do Odin Teatret, desde o início, é fazer espetáculos para uma centena de pessoas, no máximo. Quanto menor o número de espectadores, tanto melhor será a eficácia da comunicação. Você mandaria seu filho a uma escola com 20 ou 200 alunos na classe?
A palavra suicídio é várias vezes repetida na introdução do livro, quando o senhor relata essa pulsão como uma espécie de tara familiar. O senhor já ritualizou essa fantasia no palco?
Dostoiévski fazia repetir por meio de seus personagens que a verdadeira pergunta é se vale a pena viver num mundo sem Deus. O suicídio é ao mesmo tempo uma forma de coragem e rebelião. Basta pensar em Jan Palach, o estudante checo que se imolou como protesto à invasão soviética de seu país, em 1969. Ou nos monges budistas, que repetiram esse mesmo ato durante a guerra do Vietnã. O suicídio deve ser visto no contexto em que se insere.
Entre tantos dramaturgos com os quais poderia ter iniciado sua carreira, Brecht parece ter sido uma presença forte quando, no final dos anos 1970, o senhor criou o que ficou conhecido como "antropologia teatral". Como foi para o senhor se livrar do fantasma da composição literária de Brecht e construir a arquitetura desse novo campo de estudos orientada pela estrutura biológica?
A ideia de Brecht, de que o teatro deva ter uma finalidade política, me influenciou, sim, quando comecei a fazer teatro. Isso não quer dizer que nutro especial apreço por sua obra, à exceção de Vida de Galileu e Mãe Coragem. A biografia particular do Odin me fez entender que um teatro político é um teatro que tem, acima de tudo, uma política sua. E qual é a política do Odin? A de que todas as pessoas envolvidas em suas atividades recebam o mesmo salário, permaneçam numa cidadezinha de 20 mil habitantes - não obstante recebam ofertas de trabalho em grandes capitais - e representem para um número limitado de espectadores, tudo isso para criar um ambiente cultural em que teoria, espetáculo, pedagogia, trabalho em comunidade e pesquisa intelectual sejam possíveis.
Ao contrário de Pasolini, que queria construir um teatro da palavra, o senhor parece atraído por um lado menos racional do teatro, o que chama de sua "face negra", a experiência do desconcerto e da desordem. Como aplica seu método para provocar o caos e depois administrar as reações de espectadores que o senhor não conhece?
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O modo de formular os próprios métodos de trabalho e os objetivos dependem das pessoas com as quais trabalhamos e das condições materiais. Os atores do Odin são originários de vários países, não têm uma língua em comum com seus colegas ou espectadores. A originalidade do Odin tem sido a capacidade de desenvolver uma linguagem sonora dinâmica que permite um outro tipo de informação que não seja a verbal. É impossível prever as reações de espectadores de diversos países, mas concluímos que uma situação arquetípica sempre provoca impacto na plateia: magoar uma criança, mostrar violência contra as mulheres, proteger um indefeso ou recriar situações de humilhação ou de paixão - essas são, afinal, experiências que todos nós experimentamos.
Sua formação se deu num tempo em que surgia o teatro subterrâneo de Jean Genet, as provocações de Peter Brook e do Living Theatre, manifestações que, em parte, devem algo a Jean Rouch e Le Maîtres Fous, sua etnoficção realizada em 1955. O rito filmado por Rouch afetou sua vida como encenador?
O termo rito tem dois significados opostos. O primeiro é o de ritual religioso, uma comunicação com uma entidade superior. O segundo é usado pelos estudiosos do comportamento animal, que falam do rito de aproximação e cópula entre macho e fêmea. Nesse caso, rito significa comportamento formalizado. Sem dúvida, o teatro é um rito por pressupor toda uma série de convenções e comportamentos formalizados.
Grotowski teve uma influência grande sobre seu método de preparação do ator, ao dirigir sua companhia como se estivesse celebrando um ritual sagrado, xamanístico. Qual é a sua relação com rituais religiosos e como a ideia do sagrado evoluiu depois do seu espetáculo Ferai, livremente inspirado na Bíblia?
Vi muitos rituais religiosos, mas eles não foram de muita utilidade para minha formação. A missa católica, a cerimônia de candomblé, o ritual xamanístico podem, enfim, conter muitos elementos espetaculares, mas constituem essencialmente uma comunicação vertical com a esfera do sacrum, do divino. O teatro, porém, é uma comunicação horizontal dirigida a um grupo de espectadores que não dividem as mesmas crenças ou visões de mundo. Para mim, um verso da Bíblia tem um valor sugestivo, não teológico, exatamente como um fragmento dos Cantos de Ezra Pound ou de uma poesia de Brecht. Ou seja, não os uso porque esteja de acordo com a ideologia fascista do primeiro ou com a marxista do segundo autor. Esses textos são apenas pontos de partida para uma improvisação, um impulso para alimentar a imaginação dos atores.
A analogia com a linguagem musical levou à criação de uma "partitura" que guia os atores do Odin Teatret. O senhor também recorre à narrativa fabular para construir seus espetáculos. Em que medida a autonomia da dramaturgia dos atores não é contaminada pela literatura e pela composição musical?
O Odin tem feito seus espetáculos partindo de experiências teatrais. Para isso recorremos a novelas, fábulas, biografias e até livros científicos. Em algumas ocasiões, são os próprios atores que criam o tecido verbal da narração cênica; em outras, sou eu mesmo e outro ator que respondemos pelo texto. O termo "partitura", que foi usado por Stanislawski, indica ao Odin Teatret a precisão eficaz da ação desempenhada, a precisão de um cirurgião que deve ter o ator.
Seu pai foi um militar fascista e seu avô um autoritário almirante. O senhor mesmo foi obrigado a frequentar um Colégio Militar. Como fez para se livrar dessa mentalidade bélica que faz parte da tradição familiar?
Os seres humanos são fascinantes justamente por serem misteriosos em sua incoerência. Meu pai morreu quando eu era criança e lembrar dele já adulto resvala num sentido de proteção e vulnerabilidade quando confronto sua figura. Meu avô, um verdadeiro patriarca, sempre me transmitiu uma certa segurança e me apoiou em todos os meus projetos, mesmo os mais radicais - por exemplo, o de emigrar para a Noruega quando tinha apenas 18 anos.
O primeiro espetáculo que o senhor dirigiu está completando 45 anos, Ornitofilene, de 1965. Como o senhor remontaria hoje essa assembleia democrática em que cada espectador podia se expressar votando e até escolhendo fisicamente os atores que queria seguir? O senhor vê futuro para a democracia no mundo?
Sou incapaz de imaginar como realizaria hoje meu primeiro espetáculo. Acreditava piamente que o mundo tinha um futuro. Não seria capaz de imaginar, assim como meu avô não imaginava, como seria o mundo de hoje. Mas os seres humanos souberam superar as tragédias mais aterrorizantes. Pense na peste negra da Idade Média europeia, que eliminou um terço da população. Parecia o fim de uma civilização, mas dali surgiu um novo impulso e uma nova energia. Quando à democracia, são os cidadãos que a tornam concreta, não os políticos. É o modo como esses cidadãos se organizam para defender e proteger a diversidade que decide o valor dessa palavra.
Vários diretores e dramaturgos foram atraídos para o cinema, até mesmo Edward Bond, roteirista de Blow Up, de Antonioni, e autor da peça Narrow Road to Deep North, que o senhor montou. Qual é sua relação com o cinema? Tem planos de fazer um filme?
Teatro e cinema são dois saberes diferentes. Levei meio século para dominar o artesanato teatral. É tarde demais para o cinema. Deixo-o para a minha próxima vida.
Fonte: http://tenfuss.blogspot.com/2010/09/entrevista-de-eugenio-barba-para-o.html

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

FENAPO 2010

 

Estão abertas as inscrições para o FENAPO 2010. Idealizado por Eliabe Vicente e sua trupe Rabo de Kalango e promovido pela Secretaria de Cultura da Prefeitura de Osasco, através do Espaço Cultural Grande Otelo, o Festival entra em sua 11ª Edição. O evento contempla as categorias Poesia Declamada, Poesia Escrita, Poesia Encenada, Fotopoesia e Vídeopoesia.

O evento acontecerá do dia 15 a 23 de outubro, ás sextas, sábados e domingos, sempre ás 20h, no Espaço Cultural Grande Otelo. A entrada para o festival é franca e os ingressos poderão ser retirados a partir das 18h no local.
As inscrições serão aceitas até 03 de Outubro.

Clique aqui e baixe o  regulamento e todas as fichas de inscrição para o evento.

Fonte: http://culturaoz.wordpress.com/fenapo-2010/

Remeta ao site referenciado para maiores informações sobre o evento.Trata-se de uma iniciativa espontânea de gente corajosa e com muita vontade de brincar de arte.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Roberto Rossellini: cinema e filosofia

Que o cinema pode servir como auxiliar no estudo de um determinado objeto, é coisa que não precisamos re-afirmar.Vasta é a cinematografia que retrata fatos históricos, histórias bíblicas, e biografias de grandes personagens da literatura, da filosofia e das artes.
O cineasta italiano Roberto Rossellini (1906 – 1977) é um caso que merece ser sublinhado.Quando trata-se de sua extensa obra, é mais comum frisar filmes como Roma, cidade aberta (Roma città apperta) ou Europa 51, que não obstante sejam obras-primas, acabando, em sua superestimação, fazendo de protagonistas os filmes dirigidos por Rossellini que ensaiam com a filosofia.
Podemos citar Sócrates (Socrate), produzido para a tv italiana, que traz uma visão geral sobre o filósofo grego, ou então Santo Agostinho (Agostino d’Ippona), também uma produção para a televisão, que traz a biografia desse importante filósofo cristão.Outro exemplos são Blaise Pascal e Decartes (Cartesi), todos produzidos para a tv.
À quem se interessa por filosofia é extremamente recomendado assitir as referidas obras.Quem estuda cinema também.Quem se interessa pelos dois então, nem se fale.
Abaixo, alguns trechos dos filmes indicados, só pra abrir o apetite:
Sócrates (Debate com Hípias sobre a beleza):
Descartes (legendado em espanhol):
Santo Agostinho (em italiano):

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Shakespeare é atemporal.Por que ?

William Shakespeare ainda nos seduz.Quando mergulhamos em sua densa obra, conseguimos descobrir nas palavras que deixou, uma complexa teia de sentimentos humanos representados de maneira magestral.
Poderia tecer considerações mais aprofundadas sobre alguma obra do autor.Hamlet, talvez, o personagem mais discutido na história do teatro, serviu de subsídio para outros mestres, que sobre o príncipe da Dinamarca se debruçaram a fim de extrair dele considerações sobre a alma humana(1).
Freud certamente refletiu sobre a obra shakespeariana, e bem sabia que, em suma, nada do que descreveu sob o cunho científico da psicanálise não tinha já sido tratado pelos discursos mito-poéticos que o precederam – haja visto o caso de Édipo, personagem criado pela ficção de Sófocles, que resurge que nomeia o trauma psicosexual infantil descrito por Freud.
Com o século XX, o advento do cinema.Shakespeare é então retratado pelos olhares de cineastas como Akira Kurosawa, Roman Polanski, Peter Greenaway, entre tantos outros.Temos também Peter Brook, responsável por emblemáticas direções de montagens teatrais baseadas na obra de Shakespeare.
Resta-nos, ainda, a pergunta intermitente que titula o presente texto: por que Shakespeare é atemporal ? Talvez – penso eu – seja por ter ele conseguido tratar dessas forças motoras ontológicas que, inscritas em carne e sangue, procuram palavras para serem traduzidas.Em Shakespeare temos a cobiça, a inveja, a avareza e a fúria, bem como o amor e a solidariedade, a vingativa loucura sábia de Hamlet, e a eterna ciranda de paixões de Sonho de uma noite de verão (…).Humano, assaz humano, simples:simplesmente complexo.
(1)Além dos casos citados no corpo do texto, ainda poderíamos falar em Stanislávski, que atuou como protagonista em Othelo e dirigiu, no Teatro de Arte de Moscou, Hamlet – ao lado Edward Gordon Craig – ou em Grotowski (Estudo sobre Hamlet),Heiner Müller (Hamlet Machine), e outros tantos casos que omito por fugirem a memóriam ou por ignorância, mas que,certamente, se elencados, custariam um espaço não disponível nesta página.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Feeds and seeds:

 

O título do post estabelece jogo de palavras entre “feeds”, do inglês (alimenta, terceira pessoa do singular do verbo alimentar no present perfect) e seeds (sementes).A brincadeira serve de jogo mnemônico que visa lembrar-vos que, a partir de agora, poderão obter as atualizações do blog através do serviço de feed.Basta inscreverem-se pelo endereço de e-mail clicando em “receba atualizações por e-mail” – auto-explicativo não ? – ou inscrevendo-se em “subscribe in a reader”.O único problema até aqui é que a mensagem que será enviada àqueles que se inscreverem pelo endereço de e-mail está em inglês, mas investigarei uma forma de alterar o idioma.

Pra quem já está acostumado a usar o recurso não há novidades.Se você ainda não usa, ai está um convite.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

ORÉSTÉIA

CARTAZorest�ia pronto
Quando nos voltamos à cultura helênica, percebemos como de lá provém muitos dos ideais da civilização ocidental.A Grécia antiga nos legou Sócrates, Platão e Aristóteles, bem como as impagáveis comédias de Aristófanes e os mestres da tragédia: Ésquilo, Sófocles e Eurípedes.
É o primeiro que deixou a trilogia Orestéia, constituída por três tragédias que tratam da guerra e suas repercussões.Convidados estão a apreciarem essa obra mestra do gênio grego:nós, tão helenos.
Quando ? De 13 a 17 de outubro, sempre às 20:00h.
Onde? Usina cultural:Av.Duque de Caxias nº4159
Quanto?Um quilo de alimento não perecível.
Elenco:Andrea Cabral, Leonardo Alves, Afonso Júnior, Nayara Gobbis Ribeiro, Maria Emília Alves Cunha, Marcos Calegari, Nivaldo Lino e Thais Batista.
Direção: Sandra Parra Furlanete
Sonoplastia:Fábio Furlanete

Fritz Lang e Christopher Nolan

 

 

 

“Os corruptos”, filme estadunidense dos anos cinquentas dirigido pelo mestre Fritz Lang, teria algo de sua história resgatado no personagem Duas-Caras, de “Batman:o cavaleiro das trevas”.Bem, na verdade, ideia mais remota do que ambos os filmes aqui comentados.Símbolos que retornam: Jung e Campbell explicam ? Ego e id, luz e sombra, opostos que convergem: passado e presente.

Não obstante é aceitável ver na face marcada nada mais do que a ferida maquiada.O espectador, ou seja, o reflexo da imagem.

sábado, 2 de outubro de 2010

Dúvidas:

 

“Verdade”: prefiro, hoje, encerrá-la em aspas.É preciso, cada vez mais, tratar desse vocábulo - tão caro aos defensores de si – com a devida cautela.É que ela, a “verdade”, acaba sendo por vezes um outro nome para aquilo que melhor convir aos interesses daqueles que detém o poder econômico.Não, não estou com isso levantando a tese, já caduca, de que o socialismo poderia salvar a humanidade de todas as mazelas que lhe ferem desde tempos imemoráveis.

Hoje, entristece-me tanto quando confundem fé com inocência quanto quando não entendem o valor das tradições religiosas.Do mesmo modo é triste saber que, em nome da tradição, muitos se mentem, bem como travestem de fraternidade intenções fratricídas.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

CITAÇÃO:

Tomar notas, em geral, não é uma assimilação ativa do que deve ser compreendido, mas um registro quase automático do que foi dito.Este hábito torna-se um substituto cada vez mais definitivo do aprendizado, à proporção em que passam mais anos nas instituições educacionais.É mais definitivo, ainda, nas escolas superiores e profissionais, como as de Direito e Medicina.Há, assim, um jeito de saber se os alunos são universitários ou não.Se, ao entrar na sala de aula, vocês derem bom dia e eles responderem – não são universitários.Se escreverem – são (ADLER,1954,p.48).

ADLER,Mortimer Jerome.A arte de ler:como adquirir uma educação liberal.Rio de Janeiro:Agir Editora,1954.Trad.Inês Fortes de Oliveira.