quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A arte da guerra


Pode a guerra ser considerada uma forma de arte ? A mais de dois mil anos foi um dos mais celebrados tratados sobre estratégia militar e comando de exércitos escrito.Estou me referindo a "A Arte da Guerra", livro no qual Sun Tzu descreve as principais habilidades necessárias à vitória em um combate.

O sábio general inicia seu discursso descriminando os principais elementos de um combate, a saber: "o primeiro é a influência moral; o segundo a meteorologia; o terceiro, o terreno; o quarto o comando; e o quinto, a doutrina".Chama a atenção o fato de ter Tzu dado prioridade à influência moral.Provavelmente um leitor desatento julgaria estranho o fato de ter o autor concedido o primeiro lugar ao aspecto moral no elenco dos fatores elementares na elaboração de uma batalha.


Ocorre que Sun Tzu define a moral como "aquilo que provoca harmonia entre o povo e seus dirigentes, tornando-o capaz de segui-los para a vida e para a morte sem medo dos perigos mortais", do que sucede que - como mais a frente acrescenta o autor - quanto ao exército inimigo:"quando está unido, divida-o".Notamos então que enquanto o velho ditado popular aconselha, "a união faz a força", o ainda mais velho livro escrito por Tzu apregoa o mesmo princípio com suas próprias palavras que ecoam pelos séculos à fora.


O segundo lugar é à meteorologia reservado por Tzu.Era assim desde então, é assim em nossos dias:tivesse Hitler melhor se atentado para essa questão, provavelmente a vitória obteria na campanha contra o exército russo.Foi o frio invernal que venceu o exército nazista na batalha que travou na Rússia.

Se for o caso de considerar a guerra uma forma de arte, fica a pergunta: qual o derramar de sangue teria pintado, na conítnua linha do tempo, a obra prima universal ?






Foi proposital o abandono deste post por certo tempo.Pretendi com isto deixar a questão acima ressoar na inquietude de hipotéticos leitores a fim de que, depois, pudesse eu voltar-me à pergunta que antes lancei na tentativa de respondê-la à luz dos escritos de Tzu.

Ocorre que nenhum derramamento de sangue teria, em si, constituído, no complexo tecido histórico universal, a obra-prima da arte da guerra: a maestria neste saber, segundo Sun Tzu, consiste em, a princípio e acima de tudo, evitar o conflito.De acordo com Tzu, "dominar o inimigo sem combater, isso sim, é o cúmulo da habilidade".A verdadeira guerra é, poderíamos dizer, antes e sempre, aquela que se desenvolve no campo ideológico, e o guerreiro por excelência procura conhecer profundamente seu adversário:

"Direi pois: conhece-te a ti mesmo e ao teu inimigo, e em cem batalhas que sejam, nunca correrás perigo".

É assim que,

"Sutil e imaterial, o perito não deixa rastros e, divinamente misterioso, é inaudível.Assim se transforma no senhor do destino de seu adversário".


Dizer que a guerra é a continuação do Estado é repetir aquilo que não só Tzu afirmou - já nas primeiras palavras da obra aqui comentada - mas também outros grandes pensadores da história.O pensamento de Tzu tem como arcabouço a sabedoria oriental, aquele que ler o Tao-Te-King, seja antes ou depois da leitura de "A arte da guerra", certamente ampliará sua visão sobre estas célebres obras da filosofia universal.Seja nos dias de Tzu ou nos de hoje, a guerra ai está, fazendo da morte o combustível da vida, seja no microcosmos do processo homeostático ou no macrocosmos da organização social.

Quem, em suma, compreenderá o mistério divino ? Só nos cabe apreciar sua manifestação na complexidade simples do plano investigável: em última instância, a física aponta para a metafísica, ou melhor, aponta, ao menos, àqueles cuja inteligência deixam contagiar pela poesia divina do aqui e agora.

                                                                                                                             Jeferson Torres

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Símbolos e mitos no filme “O silêncio dos inocentes”

 

 

*Acima um trecho do comentado filme.Só pra abrir o apetite.Àqueles que já assistiram a película, fica o convite a assistirem novamente depois da leitura deste post.

O texto que segue é uma profunda análise elaborada pelo filósofo e jornalista Olavo de Carvalho sobre o filme “O Silêncio dos Inocentes”.A obra de Jhonatan Demme merece ser assistida, não só pela pela sua grandeza artística e valor ético-pedagógico que encerra, mas também pelos magistrais trabalhos de Anthony Hopkins e Jodie Foster, que ambos rendeu o Oscar.Faço minhas as palavras do professor José Carlos Monteiro, da escola de cinema da Universidade Federal do Rio de Janeiro.Trata-se de uma:"Análise fascinante e — ouso dizer — definitiva."

 

“O demônio inteligente exerce fascínio sobre a intelectualidade derrotada, a qual, vendo a vitória dos maus no mundo, sonha em tornar-se igual a eles; mas, impotente para concorrer com os safados no campo da maldade prática, satisfaz-se em corromper as idéias e os signos; e, hipnotizada pelo sorriso maligno do Dr. Lecter, atribui seu próprio estado de alma a Clarice Starling, sem reparar que, com isto, não está fazendo uma interpretação, e sim uma projeção”.

O. de C

 

SÍMBOLOS E MITOS NO FILME “O SILÊNCIOS DOS INOCENTES”

Este livro (Dialética Simbólca) transcreve - sem alterações a não ser em detalhes de estilo - a apostila distribuída aos ouvintes das três palestras que, sob o título “Interpretação Simbólica do Filme O Silêncio dos Inocentes”, pronunciei na Escola Astroscientia, do Rio de Janeiro, em julho de 1991, quando o filme ainda estava em cartaz.

Algumas cópias foram também distribuídas a gente de cinema e da imprensa; mas circunstâncias fortuitas, adversas, impediram que se fizesse então uma edição regular, a qual agora se empreende graças à generosa colaboração de Stella Caymmi e Ana Maria Santos Peixoto.

A premiação do filme com cinco Oscars, agora em abril de 1992, é uma boa ocasião para recolocá-lo em debate, procurando, pela segunda vez, ir um pouco além dos comentários rotineiros e banais (quando não francamente errôneos) que foram a única reação da crítica nacional quando da sua exibição por aqui.

Este livro pertence a um gênero anacrônico, e certamente suscitará alguma estranheza da parte de um público acostumado a receber, sob o rótulo de “crítica de cinema”, coisa inteiramente diversa. É que, quando eu tinha dezoito anos - há duas décadas e meia, e em outro Brasil -, não era pecado escrever ensaios longos a respeito de um filme; não era pecado pensar, investigar, tentar aprofundar o sentido de um filme. Ensaios como este eram a toda a hora publicados na imprensa, e nós, jovens aficionados, tão logo terminava a sessão corríamos em busca das palavras sábias de Luís Francisco de Almeida Salles, de Paulo Emílio, de Guido Logger, de Alex Vianny; de todos quantos se dedicavam ao ofício de ajudar-nos a compreender a arte do cinema; ofício que hoje sofre o estigma da reprovação, a não ser quando exercido discretamente e dentro do gueto universitário. As páginas de crítica nos jornais são para outra coisa, e pensar em público tornou-se indecente. Lamento ferir o decoro: é que, decididamente, pertenço a outra época.

Olavo de Carvalho

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I. Terror e piedade

O Silêncio dos Inocentes (“The Silence of the Lambs”) é bem mais do que o thriller habilmente realizado ou do que o drama passional que a crítica brasileira viu nele. Se toca tão intensamente o coração da platéia, é menos pelo fascínio macabro do tema, pela destreza quase alucinante da direção ou pelas interpretações memoráveis de Anthony Hopkins e de Jodie Foster do que pelo simbolismo profundo da sua fábula. Mesmo quando passe despercebido pela consciência do espectador, esse simbolismo não pode deixar de atingi-lo no âmago da sua condição humana, pela força de uma linguagem universal. Seu alcance simbólico eleva o filme de Jonathan Demme à categoria de grande obra de arte.

Como toda grande arte, este filme desencadeia conseqüências que se prolongam para muito além do gozo estético imediato, e reverberam em benefícios psicológicos de longa duração. Nunca, desde M, o Vampiro de Düsseldorf, de Fritz Lang, ou Vergonha, de Ingmar Bergman, esteve o cinema tão perto de realizar um intuito equiparável ao da tragédia grega, que, nas palavras de Aristóteles, era o de inspirar “terror e piedade”, ou, mais precisamente, a piedade por meio do terror: purificar a alma do homem e incliná-lo ao bem pela visão do absurdo e do mal inerentes à ordem cósmica.

Mas, para desfrutar plenamente dos ganhos que esta obra nos traz, é necessário ultrapassar o puro impacto estético da primeira hora e aprofundar uma consciência intelectual do seu significado. O educador que mostra e adverte, dirigindo a atenção do espectador para os pontos significativos e as estruturas profundas, prolonga assim e potencializa o trabalho do artista, abrindo os canais para o seu encontro com a alma do público.

Essa seria, a rigor, a tarefa da crítica. Não consigo conceber o crítico militante senão como uma espécie de educador, na linha proposta por Mathew Arnold. Não é de espantar, portanto, que com tanta freqüência me decepcione com a crítica nacional, seja de filmes, de livros ou de peças teatrais: ela tem-se reduzido ao mero noticiário, à apreciação segundo padrões técnico-industriais ou à expressão de sentimentos pessoais do crítico. Essas três modalidades de antieducação foram exaustivamente praticadas a propósito de O Silêncio dos Inocentes. Perdeu-se assim uma grande oportunidade pedagógica. Nas páginas seguintes, faço o que posso para remediar a perda.

II. Uma pista falsa

Começo com um exemplo. Márcia Cezimbra, em seu artigo no caderno Idéias do Jornal do Brasil,[1] coloca os leitores numa pista falsa, pela qual jamais chegarão a compreender o filme. Mas o erro deve ter passado despercebido, já que muitos espectadores, a quem consultei, revelaram ter entendido a história exatamente como ela: uma fábula do desejo, o drama da paixão entre um psicopata antropófago e uma bela agente do FBI. Esta interpretação foi também endossada por quase todos os críticos.

Eu não teria a cara de me opor a toda essa respeitável unanimidade se ela não fosse contraditada, também, pelas declarações dos dois atores principais do filme, feitas em entrevistas que ou não foram lidas, ou não foram levadas a sério no Brasil. Hopkins diz que o Dr. Lecter - o suposto objeto dos desejos da heroína Clarice Starling - é realmente o Demônio. Não um demônio, mas o Demônio, nome próprio. E Jodie Foster afirma que Clarice é uma heroína verdadeira, como nunca houve na história do cinema, porque, no quadro de um drama mitológico, ela tem de “lutar contra os demônios e conhecer-se a si mesma”. Foi exatamente assim que entendi o filme: a luta de uma heroína socrática para desenterrar a verdade do fundo das trevas, da mentira e da loucura. Jodie tem razão ao dizer que uma heroína desse porte nunca houve na história do cinema (com a possível exceção, observo eu, da Joanna d’Arc de Robert Bresson). Mas garotinhas fascinadas por monstros sexy são uma banalidade que podemos ver toda semana em enlatados de TV, moldados em King Kong ou A Bela e a Fera. Se Jodie e Hopkins têm razão, então os críticos brasileiros se equivocaram profundamente.

O motivo de terem errado o alvo está em certos cacoetes mentais, que se disseminaram como epidemia entre os intelectuais brasileiros e os fazem ver tudo por um viés pré-fabricado. No Brasil as palavras “desejo” e “paixão” se tornaram, nos últimos anos, chaves universais, aplicáveis a torto e a direito para a explicação de tudo. É também um fenômeno local a onda de nietzscheanismo militante, que só consegue ver algo de bom quando sob a forma de um mal ao menos aparente, e que procura em toda afirmação explícita de valores positivos um sintoma de hipocrisia ou de falsa consciência. Para essa mentalidade tudo no mundo é disfarce e auto-engano: retirados os véus do fingimento, vem à tona a única realidade verdadeira, que, em todos os casos e circunstâncias, consiste sempre e somente em paixão e desejo, com uns toques de maquiavelismo endossado como natural e são a título de “sinceridade” - como se toda manifestação direta de sentimentos generosos fosse uma grossa perfídia inconsciente, e não pudesse haver sinceridade senão no fingimento assumido ou na maldade explícita. A hermenêutica daí resultante - e que seus cultores aplicam indistintamente à interpretação de sintomas psicopatológicos, de obras de arte, de sistemas filosóficos, de tudo, enfim, menos de suas próprias idéias - é rígida, mecânica e repetitiva até à demência. Não é preciso dizer que a inclinação para ver as coisas por essa óptica maliciosa é um fenômeno sociológico brasileiro, facilmente explicável pela desilusão dos nossos intelectuais com a democracia tão duramente conquistada e tão rapidamente estragada. Visto por essa hermenêutica, o Sol é movido pelas sombras, e, evidentemente, o pólo ativo da trama de O Silêncio dos Inocentes só pode ser o Dr. Lecter. Lógico: ele é o pior, logo deve ser o melhor. O demônio inteligente exerce fascínio sobre a intelectualidade derrotada, a qual, vendo a vitória dos maus no mundo, sonha em tornar-se igual a eles; mas, impotente para concorrer com os safados no campo da maldade prática, satisfaz-se em corromper as idéias e os signos; e, hipnotizada pelo sorriso maligno do Dr. Lecter, atribui seu próprio estado de alma a Clarice Starling, sem reparar que, com isto, não está fazendo uma interpretação, e sim uma projeção.

Histórias de desmascaramento de valores, onde o bem só pode aparecer sob a forma invertida de um sincerismo do mal explícito, continuam em moda no Brasil, por exemplo nas novelas de TV. São típicas de situações de desencanto social, onde uma intelectualidade marginalizada se rói de ressentimentos: com que alívio o jovem gênio complexado não recebe a notícia de que Nietzsche valorizava o ressentimento como método hermenêutico, de que Freud via na suspeita maliciosa a atitude interior mais propícia ao investigador psicológico! Envenenar o ambiente, expelindo ressentimento e malícia por todos os poros, passa então a ser uma modalidade superior de conhecimento científico, o objetivo último de toda atividade intelectual. Este é o estado de espírito dominante na intelectualidade brasileira, pelo menos na sua parte mais barulhenta - e aparentemente ninguém aí se dá conta de que há contradição entre estimular a malícia e pregar a moralidade pública.

Mas, no cinema norte-americano, o que se vê hoje em dia é o contrário: é uma tendência para a afirmação explícita e literal de valores positivos, como se nota pelo sucesso de Dança com Lobos, uma apologia direta e “ingênua” do bem e da honestidade. Não seria mais lógico interpretar O Silêncio dos Inocentes à luz dessa tendência dominante no seu país de origem do que espremê-lo à força na moldura das preocupações locais e momentâneas da intelectualidade brasileira? Dito de outro modo: minha hipótese é que o diretor Jonathan Demme e o roteirista Ted Tally quiseram fazer um apólogo sobre a luta entre a inteligência humana e a astúcia diabólica, e estavam pouco se lixando para a paixão, o desejo, Freud, Nietzsche e coisas do gênero. A onda de Freud e Nietzsche nos EUA já acabou, e lá não existiu nenhum Nelson Rodrigues. Por aqui é que estão forçando a barra para ver as coisas pelo lado do abismo, e, quando se projeta essa perspectiva sobre alguma idéia ou obra que vem de fora, o resultado é que se vê o que não existe, e se persuade o público a acreditar que existe. É assim que, por uma cruel ironia, o debate cultural mesmo acaba por isolar este país do mundo, fechando as janelas que lhe incumbe abrir.

É claro que existem paixão e desejo na história de O Silêncio dos Inocentes, mas estão lá como elementos do assunto -entre outros elementos e assuntos - e não como determinantes da forma, da estrutura e do sentido, os quais, nesta como em qualquer outra narrativa, cinematográfica ou literária, são a coisa decisiva.

Também é claro que o Dr. Lecter é fascinante, principalmente por seu feitio enigmático e ambíguo. Mas daí a dizer que esse fascínio conseguiu prender Clarice nas malhas de uma paixão abissal a distância é grande: é a que existe entre possuir uma arma e cometer um homicídio. O Dr. Lecter é fascinante, sim, mas Clarice é um bocado esperta. Já na abertura do duelo de vontades entre os dois, o primeiro que baixa os olhos é Lecter, não Clarice (vi o filme de novo só para tirar isto a limpo); ela continua levando vantagem quando desafia o canibal a conhecer-se a si mesmo e ele pula fora, irritado; e, enfim, não sai do primeiro encontro sem obter ao menos uma parte do que desejava. Só no primeiro round ela já ganha de Lecter por três a zero. Ela nunca cede nada. A única vantagem que oferece a Lecter é só aparente: é um ardil concebido por Jack Crawford, chefe de Clarice, para induzir Lecter a colaborar na captura do assassino Jame Gumb; e a devolução dos desenhos, no fim, é mero pretexto para obter de Lecter mais uma informação. De encontro a encontro, ela vai-se tornando cada vez mais segura de si - e, no momento em que toda a platéia está suando de medo de que Lecter venha a fazer da heroína a sua sobremesa, ela tranqüilamente assegura à amiga Ardelia Mapp: “Sei que ele não vai procurar-me.” No fim, ficamos sabendo que Lecter, embora disfarçando e resmungando, já havia dado a Clarice todo o serviço. Garota porreta.

III. O cérebro por trás de tudo

A personagem Lecter é um bocado vistosa, mas isso não nos deve levar ao equívoco de hipertrofiar o poder que ela tem na história. Afinal, tudo o que acontece (excetuando uns acidentes de percurso que em nada interferem no resultado final) foi planejado de antemão pelo chefe de Clarice, Jack Crawford. Ele sabia que Lecter estava isolado no porão e ansioso por um contato com o mundo; que Lecter não via mulher desde oito anos antes; que Lecter tinha informações sobre “Buffalo Bill”; e que Clarice, com jeito, poderia obter do prisioneiro tudo o que quisesse. Crawford é o único que, desde o início, percebe todo o quadro das possibilidades e, com a engenhosidade de um demiurgo, coloca em movimento as rodas do destino. Lecter já

o conhece de longa data, e tem razões para temê-lo, ao passo que pelos seus demais adversários não sente senão desprezo. Ele sabe que tudo é um plano de Crawford e, antes até que alguém lhe peça (pois Clarice mesma ainda ignorava o projeto), concorda em desempenhar sua parte. Ele procura apenas obter com isso uma vantagem colateral, que não consiste em comer Clarice (em qualquer dos sentidos do termo), muito menos em oferecer resistência a Crawford, mas sim, muito mais modestamente, em arranjar uma oportunidade de dar no pé.

Crawford, como o patriarca Abraão da narrativa corânica ou o São Bernardo da lenda medieval, fez o diabo trabalhar para ele, o mal servir o bem. Ele tem algo do mago Próspero, da Tempestade de Shakespeare, que manipula os elementos sombrios e, vencendo a improbabilidade, consegue levar tudo a um final feliz com a vitória do bem e da luz. Lecter, por seu lado, poderia definir-se como o Mefistófeles de Goethe:

Sou parte da Energia que sempre o Mal pretende e que o Bem sempre cria.[2]

Um ditado francês diz que o diabo carrega pedras; e, afinal, alguém tem de fazer a parte suja do serviço. Considerando-se que Lecter não cria dificuldades para Crawford, que ele se abstém de atacar Clarice e que todos os que ele mata no curso da trama são seus perseguidores, e não vítimas inocentes como as de “Buffalo Bill”, o preço de sua colaboração até que foi muito módico. Lecter lia na mente dos outros, mas Crawford lia na de Lecter, onde ele mesmo não enxergava nada. Nossos críticos não se deram conta de que, por trás da luta Clarice-Lecter e Clarice-Bill, o duelo a distância entre os dois psicólogos é o verdadeiro motivo estruturador da trama, e de que ele aliás ecoa um antiqüíssimo motivo das narrativas iniciáticas: o “duelo dos magos”.

IV. O fascinador fascinado

Se Clarice não se deixa fascinar por Lecter, ele, sim, cai fascinado diante dela (exatamente como fora planejado por Crawford); e, sob a aparência durona de um vasculhador de cérebros que procura desmascará-la e dominá-la, no fundo é ele quem a idealiza e cultua, enquanto ela permanece firme e forte no chão de um realismo implacável. Sobre a mesa dele, na gaiola montada para aprisioná-lo no Fórum do Condado de Shelby, um dos seus desenhos mostra Clarice, rodeada de um halo luminoso, com um cordeirinho no colo. É um ícone. Tendo procurado sondar as profundezas da mente de Clarice, Lecter sabe perfeitamente o que encontrou lá dentro. Como poderia um demônio tarimbado deixar de reconhecer a Santa Virgem? Arrancada pelo olho suspicaz de Lecter a identidade exterior de professional woman, o que aparece no fundo de Clarice não é um feixe de banais desejos freudianos e sonhos de ascensão social de uma mocinha caipira, e sim o pranto da Virgem inerme ante o sacrifício do Cordeiro. É preciso estar cego pelo fanatismo anticristão para não perceber no filme uma referência evangélica tão patente.

V. Brava Clarice

Mas a “brava Clarice”, como ele a chama, se é capaz de reconhecer com tanta sinceridade as fraquezas humanas que Lecter nela desvenda, ignora, no entanto, a secreta identidade superior que ele descobriu por trás delas. Por isso ele pode continuar brincando de desprezá-la e enganá-la pela frente, enquanto em segredo lhe devota veneração e serviço. O Diabo também é servo de Deus, ainda que a seu modo ambíguo e recalcitrante; cioso de sua fama de rebelde, o velho embrulhão procura salvar as aparências. A ambigüidade de servir o bem com a pior das intenções é aliás um dos seus traços definidores, e ela o faz, tradicionalmente, antes uma personagem de farsa que de tragédia. A literatura universal não deixou de explorar isso abundantemente, de Marlowe e Goethe até a nossa literatura de cordel (Peleja de Manuel Riachão contra o Diabo) e o teatropopular de Ariano Suassuna (Auto da Compadecida; A Pena e a Lei). É dessa mesma ambigüidade que emana

o sutil encanto que enxergamos no monstruoso Lecter; como bem observou Anthony Hopkins na sua entrevista, “o diabo tem senso de humor”: quando o terrível ultrapassa certa medida, torna-se engraçado. É um rebuscado pedantismo ir buscar razões psicanalíticas para explicar o atrativo do Diabo, quando se trata apenas de um topos (um lugar-comum ou esquema repetível) da literatura universal, o qual sempre funciona quando usado com arte.

VI. Essência e acidente

Clarice, por seu lado, não se ilude quanto a Lecter. Quando um ascensorista lhe pergunta se ele é um vampiro, ela responde que “não há um nome para o que ele é”. O que não tem nome não tem essência, o que é um modo de dizer que não é nada. Não é coincidência que esta fala anteceda imediatamente a cena em que Lecter recomenda a Clarice “ater-se ao essencial, desprezando o acidental”. Segundo uma antiqüíssima teodicéia, o mal não é propriamente um ser, mas algo como o efeito acidental da confluência inoportuna de bens de diferente espécie (por exemplo, é bom amar uma mulher e é bom ter um amigo; mas pode acontecer de amarmos a mulher do amigo). O mal é uma “relação”, não uma “substância”; uma “sombra”, não um “corpo”. Estudando uma seita satanista contemporânea, um autor informado compara o mal a uma somatória de ausências, a qual dá origem a uma força de sucção que, não podendo subsistir em si e por si, se gruda e se apóia ao lado obscuro ou mal conhecido das coisas.[3] Sócrates e o vedantismo iam mais longe, decretando que o único mal é a ignorância. O fascínio, a subserviência ante o mal brota justamente daquelas zonas da alma que nos são mais desconhecidas -do “inconsciente”, se quiserem, depósito, segundo o Dr. Freud, dos desejos e imagens rejeitados pelo consciente. Procurando esquivar-se do olhar malicioso que perfura as defesas conscientes, a vítima amedrontada se prosterna ante o adversário, na esperança de obter sua clemência. É precisamente este o flanco que Clarice não oferece a Lecter: quando ele tenta desmascará-la psicologicamente, ela não foge, não se resguarda atrás de defesas vãs, nem procura enternecer o adversário para aplacar a dureza do seu olhar penetrante; com singela franqueza, ela reconhece a veracidade dos sentimentos infantis que Lecter discerne em seu íntimo; a transparência de seus motivos e a firme aceitação da verdade acabam por transmutar o olhar suspicaz de Lecter, subjugando e pondo a seu serviço toda a malícia do pérfido doutor. Pretendendo desarmá-la, Lecter encontra no fundo dela a fortaleza invencível da intenção reta. E o diabo, que despreza quem o cultua, rende-se com admiração ante a heroína que ama a verdade.

Em sua lição de Lógica sobre a essência e o acidente, Lecter cita Marco Aurélio. O imperador romano foi um dos grandes filósofos do estoicismo, escola que pregava o abstine et sustine: desapego e firmeza. Não é esta a única referência estóica, no filme. Logo no começo, Clarice aparece treinando num bosque aos fundos da sede do FBI em Quantico. Na entrada do bosque, três cartazes de madeira cravados nas árvores exortam o aprendiz de polícia a suportar a dor, a agonia e o sofrimento. Um quarto cartaz acrescenta à mensagem estóica o mandamento cristão: Ame. Duas gotas de estoicismo num só filme são o bastante para despertar curiosidade. Caso o Dr. Hannibal Lecter não seja um intelectual brasileiro, que cita sem ler, valerá a pena darmos uma espiada nesse Marco Aurélio.

VII. Estoicismo e cristianismo

A mistura de mandamentos estóicos e cristãos não é estranha. Desde cedo os filósofos cristãos perceberam o valor da ética estóica e trataram de absorvê-la no Cristianismo. Marco Aurélio dizia, por exemplo, que o aspirante a sábio não deve fugir do mal, mas habituar-se a olhá-lo de frente para neutralizá-lo, tornando-se imune ao seu fascínio. Do alto de sua apatheia (“ausência de emoções”), o sábio realizado poderá então extinguir o mal pela força do seu olhar objetivo e sereno, que chama as coisas pelos seus verdadeiros nomes, sem nada acrescentar nem tirar (é a “simplicidade” intelectual, mencionada por Lecter). Mas, no fundo daapatheia, o sábio deve sempre conservar uma atitude de “clemência compreensiva”. É uma espécie de bondade ou compaixão intelectual, não emotiva. Consiste em estar aberto à compreensão de tudo, até mesmo do que é vil e repugnante, mas sem deixar-se influenciar emocionalmente.

Apatheia e “clemência compreensiva” são justamente os termos mais adequados para descrever a atitude de Clarice ante Hannibal Lecter; ela não o odeia, não o teme, não o ama, não o despreza; ela o observa e ouve, sem se fechar a nada nem se deixar subjugar por nada do que ele diz ou faz. Ela sustenta firmemente (sustine et abstine) sua posição diante de Lecter, sem se afastar um só milímetro da clemência compreensiva, por um lado, e, por outro, da fidelidade ao dever. O que equilibra os dois pratos da balança estóica, no fundo, é a compaixão pelas vítimas de Buffalo Bill: os cordeiros que ela deseja salvar. Clarice personifica a síntese de estoicismo e cristianismo, anunciada pelos cartazes do bosque.

VIII. Masculino e feminino

Alguns pensadores cristãos reprovaram ao estoicismo o caráter meramente passivo e reativo de sua ética: ele enfatizaria de mais a paciência, a resistência, a abstinência, e de menos o sacrifício ativo e a luta pelo bem. As virtudes estóicas seriam, em suma, “femininas” exclusivamente, sem a marca viril do Cristo-Rei. Um verdadeiro estoicismo cristão, para existir, teria de injetar alguma histamina no velho e cansado Marco Aurélio.

[JT1] Mas o cristianismo não despreza, enquanto tais, as virtudes “femininas”. Sua epítome, na visão cristã, é justamente a Santa Virgem. Ela nada “faz”, propriamente, em toda a narrativa evangélica. Só obedece, padece, espera, e chora diante do inevitável. Clarice também sofre passivamente diante da impossibilidade de salvar os cordeirinhos - de salvar ainda que seja um só. Sofre também, atônita como os cordeiros, diante damorte do pai. É dessa dor inerme, porém, que nasce a vocação da Clarice combatente, que enfrenta Lecter num duelo psicológico e abate a tiros Buffalo Bill; tal como da Virgem “passiva” nasce o Cristo, protótipo do sacrifício ativo; e tal como do pranto “inútil” da mãe aos pés da cruz nasce a multidão inumerável dos fiéis. A antiqüíssima liturgia repete o ciclo, onde da Igreja que padece nasce a Igreja que combate, e desta a Igreja que triunfa.

IX. Mestres e discípulos

A mesma dialética do passivo e do ativo repete-se na personagem complementar de Clarice, Jack Crawford. Intelectualmente, é ele o mais ativo, na verdade o único ativo, pois é quem planeja e dirige tudo, a tal ponto que se poderia dizer que a trama inteira dos eventos não é senão uma projeção externa de algo que se passou na mente de Jack Crawford. Mas, na prática, ele não participa diretamente da ação. Sua única tentativa de intervenção pessoal (quando invade a casa de Buffalo Bill, em Calumet City) é um erro de que se arrepende: ele deveria ter deixado tudo nas mãos de Clarice, como parecia ser seu intuito inicial. Mas os gurus também falham, ao menos na narrativa iniciática, pois aí eles apenas representam o Espírito e não o são verdadeiramente, o que aliás dá a medida das diferenças entre esse gênero narrativo e as epopéias sacras e mitológicas, que constituem seu modelo.

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[JT2] Aqui devo explicar-me com mais cuidado. Epopéias sacras e mitológicas são aqueles poemas narrativos que, para toda uma civilização, têm o prestígio de verdades reveladas; no início dos tempos, eles fixam a cosmovisão, os valores, as leis e os princípios educacionais que vão orientar os homens e moldar os costumes enquanto durar essa civilização. Narrativas iniciáticas são histórias inventadas em época mais tardia, e que, sem terem a autoridade de revelações primordiais, são admitidas, por certos grupos ou indivíduos, como uma espécie de ensinamento espiritual ou religioso. As narrativas iniciáticas versam geralmente sobre aspectos ou partes das epopéias sacras, que elas prolongam, ilustram, comentam e especificam, adaptando o fundo da mensagem espiritual à mentalidade e linguagem de uma nova época. Elas revigoram e atualizam certas potencialidades espirituais contidas na revelação, que arriscariam enfraquecer-se à medida que a passagem dos tempos e as mudanças da linguagem vão dificultando às novas gerações a compreensão direta da epopéia sacra. São narrativas iniciáticas a Divina Comédia, de Dante, A Flauta Mágica, de Mozart, o Fausto, de Goethe, a tragédia grega em sua totalidade, Os Lusíadas, de Camões, A Rainha das Fadas, de Spenser; e, em nosso tempo, José e seus Irmãos, de Thomas Mann. São epopéias sacras os poemas de Homero, o Baghavad-Gita, o Corão, o Antigo Testamento, os Evangelhos etc.

A diferença entre epopéia sacra e narrativa iniciática consiste fundamentalmente em que os heróis da primeira são deuses, semideuses ou, num quadro monoteísta estrito, aspectos de Deus ou forças de origem divina. Os heróis da narrativa iniciática, sem terem poderes divinos nem falarem diretamente em nome de Deus, são seres humanos de excepcional envergadura, protegidos ou guiados de perto por forças divinas, cuja presença e atuação no mundo eles representam de maneira mais ou menos sutil e indireta.

Tanto na epopéia sacra quanto na narrativa iniciática as personagens de mestres ou gurus representam sempre

o Espírito divino, que conhece tudo de antemão e dirige do alto a caminhada de um discípulo, o qual personifica a Alma humana em vias de se espiritualizar ou divinizar. Uma diferença marcante entre os dois gêneros é que, na epopéia sacra, o mestre é o Espírito divino, de modo literal e integral (na Odisséia, Mentes é Minerva, deusa da sabedoria; no Baghavad Gita, Krishna é um aspecto de Brahma etc.); ao passo que, na narrativa iniciática, a personagem do mestre é apenas um ser humano ligado mais ou menos de perto a um saber divino; é um sacerdote, um mago, um sábio, e não um ser divino; por isso, guiando “divinamente” o discípulo, não está isento de falhas humanas. Por exemplo, Merlin, no Santo Graal, perde temporariamente a parada para Morgana Le Fay; Sarastro é temporariamente derrotado pela Rainha da Noite etc.

A narrativa iniciática, embora possuindo leis estruturais que a definem, pode ser enxertada numa infinidade de gêneros narrativos: na literatura novelística, no teatro, na poesia épica ou no cinema. Sua estrutura profunda é compatível com os revestimentos mais diversos, do fantástico ao “realista”. Os únicos elementos indispensáveis são o mestre, o discípulo, o adversário, e as peripécias que purificam a alma do discípulo ou lhe revelam um conhecimento. O adversário pode ser uma pessoa (como na Flauta Mágica a Rainha da Noite) ou uma situação adversa e diabólica que desafia a inteligência do herói ou tenta sua alma, como no Processo Maurizius, de Jakob Wasserman. O mestre também pode ser uma personagem de carne e osso (como Sarastro), uma alusão mitológica (Vênus em Os Lusíadas) ou um simples aspecto superior da alma do próprio discípulo (o mágico pressentimento que guia Etzel Andergast no romance de Wasserman). O ponto que interessa, o critério diferencial que nos certifica de estarmos em presença de uma narrativa desse gênero, não é o conteúdo material dos eventos, mas a relação entre as forças, em suma: a estrutura da trama.

Muitas obras de literatura, do cinema e do teatro apelam para o uso de símbolos e mitos “esotéricos”, sem que isso faça delas narrativas iniciáticas. Ao contrário, os símbolos particulares contidos numa narrativa só adquirem perfeita funcionalidade estética quando a estrutura profunda da obra é a de uma narrativa iniciática; fora disso, símbolos e mitos se tornam meros adornos pedantes. A estrutura total e os simbolismos particulares têm de estar coeridos e amarrados um aos outros num arranjo orgânico, refletindo uma das principais leis da linguagem simbólica, que é a correspondência entre a parte e o todo, o pequeno e o grande,

o micro e o macrocosmo. Só artistas muito hábeis logram obter esse encaixe, motivo pelo qual boa parte da arte “esotérica” em circulação é puro lixo.

Tanto pela estrutura como pelos símbolos a que alude ou pela obediência estrita ao princípio de correspondência, O Silêncio dos Inocentes se revela uma narrativa iniciática, e das mais perfeitas que o cinema já nos deu. Nele não existe uma única referência simbólica ou mitológica que não se encaixe com extrema adequação e felicidade na estrutura total da obra, refletindo esse todo na escala do detalhe; e a estrutura global, por sua vez, tem todos os elementos requeridos: o mestre, o discípulo, o adversário diabólico, as peripécias reveladoras e purificadoras.

Desse modo, é bastante natural que encontremos entre Clarice e Crawford a relação Alma-Espírito, que Crawford seja inativo na aparência e ativo no fundo, que Clarice seja fiel ao intuito de Crawford ainda quando lho desobedece aparentemente, e que Crawford, enfim, cometa um engano, na hora em que este engano já está, miraculosamente, corrigido pela Providência. A Alma, na narrativa iniciática, é passiva diante do Espírito, mas ativa diante do mundo; ela luta, mas sua luta é para permanecer fiel ao Espírito num mundo onde as adversidades, tentações e enganos ameaçam arrastá-la para longe da sua vocação.

Que Jack Crawford, no filme, é o mestre ou guru de Clarice não há dúvida. Um dos colegas dela o menciona literalmente assim (“Seu guru, no telefone”). Será Lecter, complementarmente, o guru de Buffalo Bill, o arremedo diabólico do Espírito, que com tanta freqüência também surge nas narrativas iniciáticas? Veremos adiante. Por enquanto, o que interessa é notar que Crawford, nas funções de guru, mantém uma atuação discreta, de segundo plano, longe do centro da ação física (a não ser por um lapso), e no fim se retira modestamente, deixando para a discípula as honras da festa. Tal como o Sarastro de Mozart, que, no fim da Flauta Mágica, após haver articulado e dirigido de longe a luta de Tamino para libertar Pamina, desaparece num halo de luz, deixando para os discípulos o gozo da vitória. É também um topos, um esquema repetível. Mas como funciona!

[JT3] X. Um par de pares

Quanto a Jame Gumb (é este o nome de Buffalo Bill), está para Lecter como Clarice está para Crawford. É o seu oposto complementar. O paralelismo é rigoroso e vale a pena aprofundá-lo. Vejamos primeiro o par Lecter-Gumb:

1o Lecter mata apenas seus algozes; Gumb mata vítimas inocentes.

2o Lecter é frio e racional; Gumb é passional, arrebatado e sem controle (decide antecipar a morte de Catherine, num acesso de raiva).

3o Lecter despreza suas vítimas; Gumb tem, ante as suas, admiração e cobiça.

4o Lecter come suas vítimas, e as põe para dentro; Gumb deseja entrar nelas, vestindo-lhes a pele.

5o Lecter é “superior” às suas vítimas; é o demônio acusador, que julga e castiga (fazendo destarte um tipo de “justiça”). Gumb é “inferior”; ataca justamente quem possui o que lhe falta.

6o Lecter extingue suas vítimas para continuar a existir; ele afirma sua identidade à custa da extinção dos outros; Gumb, ao contrário, nega sua própria identidade e deseja transformar-se, morrer como homem feio para renascer como moça bonita.

Da comparação salta aos olhos a figura tradicional do duplo aspecto do mal, que a Bíblia personifica em Lúcifer e Satã, o demônio “superior”, que perverte a inteligência, e o demônio “de baixo”, que incita às paixões abissais e à destruição do corpo. O demônio como adversário do Espírito e como inimigo da Alma. Nesse sentido, Lecter é o adversário de Crawford, como Gumb é o de Clarice. Mestre contra mestre, discípulo contra discípulo.

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[JT4] O paralelismo entre Lecter e Crawford é outro: já não são dois planos diferentes de uma força de igual tendência, mas dois iguais de forças contrárias. Dito de outro modo: Lecter e Gumb são iguais quanto ao sentido (o mal), mas diferentes em força. Lecter e Crawford são forças equivalentes, mas diversas quanto ao sentido:

1o Tal como Crawford, Lecter não participa da maior parte da ação exterior. Sua contribuição é meramente intelectual. Ele fica “imóvel” no fundo do seu porão, enquanto na superfície se desenrolam as investigações de Clarice e os crimes de Gumb.

2o Tal como Crawford, ele tem certa visão de conjunto do que está acontecendo (o que Clarice e Gumb não têm). A diferença é que Crawford planeja a totalidade da ação, e Lecter só uma parte.

3o Se Crawford é o guru de Clarice, Lecter procura sê-lo também. Ele não se conforma ao papel passivo de mero fornecedor de informações: quer ser o analista e mestre de Clarice. Esta, sabendo que esse papel o lisonjeia, tira proveito da vaidade dele (“Vim para aprender com o senhor”). Crawford, por seu lado, como ex-professor, tem naturalmente, por assim dizer, o papel de mestre, que exerce com modéstia. Lecter procura mostrar seu domínio sobre Clarice (quando na verdade é ele quem está sendo dirigido de longe pelo plano de Crawford), ao passo que Crawford dirige Clarice a distância, sem dar demonstração de que o faz.

4o Ambos cometem um engano, ao subestimar Clarice. Lecter, no começo, ao tomar a garota apenas como uma caipira pretensiosa; depois o desprezo se transforma em admiração, e a admiração em serviço. Crawford, no fim, ao chamar a si, indevidamente, uma parte do encargo que atribuíra a Clarice.

5o Crawford conhece todo o passado de Clarice (sua infância, a morte do pai, a vida estudantil). Lecter conhece todo o passado de Gumb, e até conserva, no armazém de Miss Mofet, um arquivo vivente do começo da carreira de Gumb como assassino.

6o Ambos se conhecem de longa data, e se temem: Crawford sabe que Lecter é capaz de tudo; Lecter está ciente de que Crawford é “uma velha raposa”.

7o Finalmente, ambos têm um fracasso parcial: Lecter quer dominar Clarice, e não consegue; Crawford quer capturar Gumb pessoalmente, e também não consegue.

O paralelismo, com as posições inversas, arma o cenário para o “duelo dos magos”.

XI. Uma parceria inquietante

As relações entre Lecter e Gumb são o aspecto mais inquietante e enigmático da história. O filme dá a
entender que se conheciam de longa data; e, tendo em vista a diferença de inteligência e de força psicológica
entre os dois, é inconcebível que Lecter não dominasse Gumb. Seria neste caso o seu guru, que o iniciou na
senda do crime. O episódio de Benjamin Raspail deixa certa ambigüidade no ar: parece que foi Gumb quem o
matou, mas fica evidente que Lecter desejou ou se alegrou com esta morte; e, se não a considerasse de algum
modo obra sua, por que conservaria seus troféus no sinistro museu de Miss Mofet?

De outro lado, por que uma mente diabólica capaz de induzir um criminoso ao suicídio com um simples
discurso (que é o que ele faz com Miggs) não seria capaz também de governar a mente de “um jovem
assassino em mutação”? Há certo tom nostálgico na voz de Lecter quando ele diz estas palavras enigmáticas.
Tudo dá a entender que ele teve alguma participação nos “maus tratos sistemáticos” que transformaram Gumb
em criminoso. Ressalto a palavra “sistemáticos”, que subentende: intencionais.

O filme é talvez propositadamente obscuro quanto a este ponto; mas isso só faz reforçar o seu tremendo
impacto psicológico, pois abre à nossa imaginação a porta das especulações mais apavorantes.

Mas as referências mitológicas, de que o filme está repleto, falam em favor da hipótese acima: Lecter está
para Gumb assim como Crawford está para Clarice. É seu guru, é a mente que o forma, educa e dirige. É o
diabo “espiritual” que age às ocultas por trás da “alma” diabólica.

Em primeiro lugar, é impossível não enxergar em Lecter, no fundo do seu porão, uma espécie de senhor do
subterrâneo. De sua cela sombria ele controla intelectualmente muito do que se passa na superfície (prevê a
reação da senadora, manipula Shilton, esquematiza a fuga). Se Lecter é, assim, um Plutão no seu trono de
sombras, quem é Gumb?

As mariposas que ele cria são da espécie Acherontia styx. “Aqueronte” e “Estige” (o latim e o inglês
conservam a forma grega original styx) são o nome dos dois rios que, no mito grego, separavam o mundo dos
vivos do mundo dos mortos. Na religião grega não existia um “céu”, um “paraíso”, a não ser para os raros
heróis que logravam, por feitos extraordinários, levantar-se acima dos mortais e transformar-se em
semideuses. Todos os demais humanos se destinavam, após a morte, a uma existência obscura e sofredora no
reino das sombras, o Hades. Uma variante da palavra “Aqueronte” é “Caron” ou “Caronte”: o barqueiro
servidor do inferno, que atravessa os mortos, gritando-lhes, como no poema de Dante:

Guai a voi, anime prave!
Non isperate mai veder lo cielo:
i’ vegno per menarvi all’altra riva
nelle tenebre eterne, in caldo e in gelo.

(Ai de vós, almas infames!
Não espereis jamais por ver o céu:
Que eu venho é conduzir-vos à outra margem,
Ao fogo e ao gelo das eternas trevas.)

(Inferno, III: 84-87.)

Caronte é servidor e discípulo de Plutão, que, por outro lado, foi depois obviamente identificado com o demônio bíblico. O paralelismo Plutão-Lecter/Caronte-Gumb se torna inevitável quando reparamos que Gumb, após enfiar na garganta de suas vítimas o casulo de uma mariposa com os nomes dos rios do inferno, as leva de barco para atirá-las ao fundo de um rio. Da outra margem, do fundo do seu subterrâneo, o senhor das trevas observa com evidente satisfação os progressos do “jovem assassino em transformação”.

Gumb não é um assassino qualquer. Ele trabalha com a coerência estética de quem tem algo mais em vista: ele arremata os crimes com um halo de símbolos que lhes dá a regularidade e a perfeição de um rito mágico. Se ele quisesse a pele das vítimas apenas como matéria-prima, por que haveria de inserir em suas gargantas um símbolo? E por que esse símbolo representava para ele, em suas próprias palavras, algo de “belo e poderoso”? Ao aspecto meramente físico e utilitário da operação criminosa, ele acrescentava um suporte simbólico, destinado, evidentemente, a convocar o auxílio das potências tenebrosas para o sucesso da mutação desejada. Quem lhe ensinara estas coisas? Quem fizera do “jovem assassino em mutação” um misto de feiticeiro e carrasco? Quem o iniciara na arte tenebrosa? E por que há em sua casa uma bandeira nazista, que evoca, sob a figura do costureiro de peles humanas, a dos carrascos que, também movidos por sinistros motivos “esotéricos”, tiravam a pele dos prisioneiros judeus e com elas mandavam costurar artísticas cúpulas de abajur? Os crimes de Gumb afastam-se, assim, da motivação psicológica mais óbvia e utilitária, para adquirir uma reverberação simbólica tenebrosa, que, nas palavras de advertência do próprio Dr. Lecter, ocultam algo de “muito mais inquietante”.

XII. Anjos e demônios

A esta altura já não há escapatória: este mero “thriller bem construído” que a crítica viu nele, esta vulgar “fábula do desejo”, oculta nada menos que um combate dos devas e dos asuras, a guerra cósmica entre as potências luminosas e as tenebrosas que disputam a alma humana e decidem o seu destino. A esta altura, o leitor já deve ter advertido que não se trata de um simples drama policial e psicológico, que se pode ver a distância na tranqüilidade de simples espectador. A esta altura, o “espectador”, preso à poltrona por um misto de dor e pânico, já sabe que foi mexido até a medula: de te fabula narratur - “a história é a respeito de ti”.

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Até mesmo os nomes das personagens parecem significativos. Clarice Starling, obviamente, evoca a claridade estelar. No mito grego, as almas dos heróis se transformam em estrelas. Lecter é uma variante de lector: ele lê nos livros e nas almas. Gumb é uma corruptela de gumbe, um tipo de tambor sudanês feito... de pele. Finalmente, Crawford, um nome banal que poderia não significar nada, compõe-se de craw, “garganta”, e de to ford, “atravessar”. Forma claramente a idéia de “engolir’. Por que “engolir”? Pode ter sido escolhido a esmo, mas não é uma coincidência sugestiva que a pista mais importante para a solução do mistério seja encontrada precisamente na garganta das vítimas? Ademais, pode parecer maluquice, mas não me sai da cabeça que Crawford domina Clarice, que domina Lecter, que domina Gumb: um peixe engole outro peixe, que engole outro peixe, que engole outro peixe. No fim o peixe maior se retira, solitário.

Também é significativo que haja um gatinho na casa da primeira vítima de Gumb, e outro no da última. Um gatinho mia da janela de Catherine enquanto Gumb a seqüestra; um gatinho mia no quarto de Frederika Bimmel enquanto Clarice o vasculha em busca de pistas. Um gato no começo e outro no fim da carreira do esfolador de moças. Como as duas pontas de uma serpente. O gato era de fato assimilado à serpente, no mito egípcio; e, no Japão, o shintô vê nele um ser maléfico, uma criatura das trevas, capaz de matar uma mulher e revestir-se da sua forma. Como Gumb. E este não deixava de ser ligado a coisas japonesas, como o mobile com borboleta que gira no seu quarto.

O que foi dito dos nomes e dos gatos são apenas indícios secundários a confirmar uma hipótese que no mais, e por si mesma, se conserva perfeitamente sólida sem isso. Acontece também às vezes que, quando a estrutura da narrativa iniciática é firme, como neste caso, até mesmo detalhes simbólicos encontrados acidentalmente pelo artista adquirem uma reverberação mais profunda: quando se acerta no essencial, o acidental colabora, ou: ajuda-te, que o céu te ajudará. Quando, ao contrário, a estrutura profunda é frouxa ou defeituosa, nem todos os símbolos esotéricos do mundo salvarão uma obra de perder-se na banalidade. Está aí o Paulo Coelho que não me deixa mentir.

XIII. Carneiros e bodes

O que não é acidental de maneira alguma é o paralelismo entre as vítimas de Lecter e as de Gumb. As de Lecter são todas gente da polícia ou outros servidores do aparato repressivo. Sua morte “faz sentido”, sendo, dessa forma, um aspecto da “justiça”, ainda que monstruoso e torcido. As de Gumb são moças inocentes: sua única culpa é serem gordas, terem muita pele. Sua morte é “absurda”, “injusta”, e por isso elas são comparadas declaradamente aos cordeiros, símbolos tradicionais da vítima sacrificial inocente. Não é então significativo que na noite de sua fuga Lecter peça para jantar costeletas de carneiro mal passadas, e que, em vez de comê-las, coma os guardas, isto é: que em vez do símbolo das vítimas inocentes coma as vítimas culpadas? Nessa imagem apocalíptica, separam-se, como no Juízo Final, os inocentes e os culpados: os carneiros e os bodes. Quem mata carneiros é Gumb - o irracional, o absurdo. Lecter sabe o que faz: prefere os bodes.

Gumb tornou-se assassino por obra do sofrimento. Mata os cordeiros numa tentativa desesperada de salvar-se de uma identidade odiosa que o oprime. O paralelismo mais interessante do filme talvez seja o que se forma, nesse sentido, entre ele e Catherine. É elemento estrutural, não acidental. Catherine, no fundo do desespero e do terror, apossa-se da cadelinha poodle de Gumb e ameaça matá-la. A cadelinha, branca e cacheada, é um perfeito carneirinho. O esquema maior da trama, reproduzido em escala pequena nesse detalhe, dá a ele a força e o alcance de um símbolo universal unindo o micro e o macrocosmo: perseguido e maltratado pelos demônios, o homem persegue e maltrata um animal inocente. Mas Catherine é salva, e salva junto consigo a cadelinha: o gesto “inútil” da menina Clarice, ao tentar resgatar o cordeirinho, encontra finalmente resposta satisfatória. Nada foi em vão.

XIV. Até o fimo do mundo

A vitória de Clarice, que é também a de Crawford, só não é completa, ao que parece, porque Lecter escapa. Mas não há em nenhuma tradição literária do mundo narrativa iniciática que termine com a extinção final de todos os demônios. A narrativa iniciática pode “anunciar” o apocalipse, mas não “realizá-lo”: há sempre uma abertura para a continuação da história (no gênero épico, esta é aliás uma lei constitutiva). Lecter, simplesmente, não podia morrer. Mas sua fuga, se é uma vitória perante o mundo, é uma confissão de derrota perante Clarice. Após tê-la idealizado e servido, Lecter agora confessa que a teme: pelo telefone, pede que ela não o procure. Ela responde: “O senhor sabe que isso eu não posso prometer.” Claro: seria contra todas as regras. A luta da mulher com a serpente, iniciada na criação do mundo, tem de prosseguir até o fim dos tempos. Do Gênese ao Apocalipse. Iniciada com vantagem para a serpente, no Jardim do Éden, só poderá terminar, com a vitória final da mulher, quando da consumação dos séculos.

XV. Apocalipse e paródia

Há quem diga, no entanto, que quem venceu foi Lecter: que ele, além de conseguir fugir, ainda dominou psicologicamente Clarice e, para cúmulo, chegou a despertar nela, com um simples toque de dedo, algo que não seria demasiado chamar, literalmente, um tesão dos diabos.

É um exagero dos diabos, isto sim. O próprio Lecter já respondeu a essa gente, ao comentar: “Dirão que estamos apaixonados.” Dirão, sim, porque não há limites para a burrice humana. A única tentativa de erotizar as relações entre Lecter e Clarice parte dele, e é irônica, para quem percebe. Toque de mão por toque de mão, há um muito mais prolongado entre Clarice e Crawford, no fim, e aliás acompanhado de um olhar de contida emoção. E, projeção edípica por projeção edípica, seria muito mais lógico que Clarice tivesse atração por Crawford, policial como o pai e, no fim, representante dele. Em nenhuma das recordações que Clarice tem do pai, ele mostra nada que possa lembrar Lecter nem de longe. Essa gente está vendo coisas.

De outro lado, quem interpretou em sentido erótico a relação de Lecter com Clarice não enxerga o que haveria de absurdo, de ridículo e de esteticamente ineficaz na hipótese de uma mocinha doidivanas, ardente de desejos inconfessados, conseguir subjugar o diabo e pô-lo a seu serviço pela mera força de um tesão humano, demasiado humano. Isso só seria possível com Grande Otelo no papel de Clarice e Oscarito no de Lecter. Por mais desmoralizado que esteja, o diabo não é nenhum velho babão para estar-se derretendo por uma sirigaita. Não combina com Lecter. Se ele cede perante Clarice, não é por desejo erótico, mas por ter encontrado dentro dela uma força superior, que ela mesma não sabe que tem. A Santa Virgem é, afinal, representada tradicionalmente com um dos pés prendendo ao solo a cabeça da serpente. Note-se: ela não mata o demônio, apenas o subjuga. Por que deveríamos esperar mais de Clarice Starling?

Ademais, sexualizar as relações de Lecter e Clarice só pode parecer reconfortante a certas mentalidades, que se pretendem esprits forts mas, no fundo, são tímidas. Não conseguem admitir a existência do mal em toda a plenitude da sua absurda presença, e preferem reduzir tudo a uma escala mais manobrável de paixões infantis quase inofensivas. Seria bom se o Dr. Freud explicasse tudo; mas Freud não explicava o demônio e aliás se borrava de medo dessas “coisas sombrias”, como confessou a Jung. Lecter, na verdade, despreza a sexualidade física, tem nojo dela, como se vê pelo fato de matar o psicopata Miggs só para puni-lo da brincadeira obscena que fez com Clarice (o que é bem característico do tipo de “justiça diabólica”, desproporcional e absurda, que alguns tomam como a justiça propriamente dita). Não, o que há entre Lecter e Clarice não é tesão. Ao contrário dos índios da famosa tirada de Noel Nutels, o diabo não come ninguém a não ser por via oral.

Mas não é de espantar que uma parte, ao menos, da platéia, temendo enxergar as terríveis verdades que este filme nos transmite, prefira amortecer a consciência, caindo de joelhos ante a atração hipnótica do mal: “entronizarão a Besta”, diz o Apocalipse. Esta tentação, que se agita no fundo da alma do aterrorizado homem contemporâneo, vem à tona diante de uma provocação tão inquietante como a que nos é colocada pelo filme de Jonathan Demme. Certas interpretações dadas a esta história provêm de um trágico engano interior: o espectador, incapaz de admitir com serenidade uma quota de mal superior ao que imagina possível, acaba por buscar alívio numa reação invertida, trocando em fascínio a repugnância. Cai vítima de Lecter, e em seguida busca justificar-se atribuindo a mesma reação a Clarice.

O filme não fecha totalmente essa porta a quem deseja entrar por ela. Certa publicidade, letal para as mentes fracas, faz parte da regra constitutiva das narrativas iniciáticas: não há uma só delas que não possua, em seu fundo, um potencial de interpretação invertida, falsa e obscurecedora, à disposição de quem deseje enganar­se. O crítico canadense Northrop Frye, que é no mundo quem estudou mais profundamente esse gênero narrativo, afirma categoricamente:[4] “Toda imagem apocalíptica tem uma paródia ou contrário demoníaco, e vice-versa.” A crítica nacional, em peso, decidiu compreender desta obra tão-somente a sua paródia. Certamente não devo ser acusado de inimizade quando advirto a esses críticos que há, no fundo de sua opção

- além de desconhecimento das leis da narrativa, coisa imperdoável num crítico -, também uma decisão moral e psicológica das mais graves, e tanto mais grave quanto tomada com plena inconsciência de suas implicações profundas: de te fabula narratur.

XVI. Uma dica de Aristóteles

Ainda uma palavra, sobre o gênero. O gênero é definido pela estrutura. Neste sentido, O Silêncio dos Inocentes não tem em comum com os outros filmes e romances policiais senão o assunto. A estrutura é diversa. Também não têm cabimento as comparações com o thriller hitchcockiano, que afluíram à boca dos críticos ao primeiro exame. As histórias de Hitchcock obedecem sempre ao mesmo esquema: um herói banal que se vê, por acaso, envolvido em circunstâncias complexas e adversas. A guerra de Clarice e Crawford contra Lecter e Gumb é, pelo menos, um enfrentamento entre exércitos de igual potência, com pequena mas significativa vantagem para o lado bom.

Aristóteles talvez nos ajude neste ponto. Ele concebeu uma classificação das narrativas, que nunca foi aproveitada até Northrop Frye decidir aplicá-la ao conjunto da literatura ocidental, com resultados impressionantes. Ele as dividia em cinco modalidades, conforme o grau de poderio dos personagens: 1o Modalidade mítica: o herói é um deus, semideus ou aspecto de Deus.

2o Modalidade lendária: o herói é um simples ser humano, mas assistido de perto por potências transcendentes.

3o Modalidade imitativa elevada: o herói é um ser humano de excepcional envergadura, de modo que, sem o concurso explícito de forças extraterrenas (que podem estar, no entanto, subentendidas), consegue realizar ações extraordinárias.

4o Modalidade imitativa baixa: o herói é um ser humano comum, sem poderes superiores aos do leitor nem assistência divina alguma.

5o Modalidade irônica: o herói tem menos poder do que o leitor; é um incapaz ou uma vítima das circunstâncias.

Da comparação entre o thriller hitchcockiano e O Silêncio dos Inocentes, a diferença salta aos olhos: este pertence decididamente à modalidade imitativa elevada, aquele à imitativa baixa. Clarice é, como ressaltou Jodie Foster, uma verdadeira heroína.

Mas isso não resolve totalmente o problema do gênero. No início do artigo falei da tragédia grega, mas é claro que O Silêncio dos Inocentes não é uma tragédia; e, se obtém o mesmo efeito de “terror e piedade”, é por meios totalmente diversos dos empregados pelo teatro grego, e não sem um toque final de alívio, de efeito verdadeiramente cômico, quando vemos Lecter de peruca ruiva espreitando para jantar Chilton.

XVII. Um pouco de tudo

Tragédia, comédia, policial, thriller: o filme parece misturar um pouco de tudo.

Se, porém, atentarmos para a sua estrutura, veremos que ela é similar à do Auto da Alma, de Gil Vicente: o Diabo e o Cristo lutam pela posse de uma alma humana (Catherine, que por sinal quer dizer “pureza”). O mesmo esquema básico está presente em muitas outras peças medievais, e, se Goethe e Thomas Mann decidiram imitá-lo em seus respectivos Faustos, é porque o Fausto é uma lenda medieval. A brutalidade, a sangueira toda também são medievais: o homem da Idade Média estava habituado a espetáculos que hoje nos pareceriam repulsivos: deleitava-se com execuções públicas, procissões de flagelantes e leprosos, e pensava continuamente em guerras, mortes e epidemias, que faziam parte do seu cotidiano. A higiene da época burguesa baniu essas imagens, que outrora eram parte do tecido da vida e, naturalmente, cenas habituais no teatro. Certa brutalidade crua do teatro de Shakespeare foi repetidamente qualificada, por historiadores, de elemento medieval remanescente.

Só o fato de haver introduzido esse gênero no cinema, vestindo-o com matéria policial, já teria feito de O Silêncio dos Inocentes um momento memorável. Mas, aqui, o modelo ternário dos Autos medievais aparece revisto e potencializado pelo acréscimo de um toque original, que o cura do seu esquematismo congênito, da sua “ingenuidade”, e lhe dá uma força dramática fora do comum: é que cada um dos três arquétipos - Cristo, Diabo e Homem - não aparece simplesmente representado por uma personagem, mas duplicado, desdobrado em dois aspectos opostos e complementares, formando o seu encontro um cruzamento altamente explosivo de três eixos de contradições. Mais do que qualquer explicação, um diagrama pode dar conta da estrutura complexa e firmemente amarrada desta história.

Este diagrama deve ser imaginado como um disco horizontal, atravessado por um eixo vertical I e cortado horizontalmente por outros dois eixos, II e III:

O Eixo I é o da culpa e da inocência: em cima, as vítimas de Gumb; em baixo, as de Lecter.

O Eixo II representa o Mal, o III o Bem. Mas o disco horizontal tem também uma parte branca, que representa

o Espírito, ou as forças universais, e uma parte escura, que representa o mundo da corporalidade, onde se desenrolam as ações particulares. Há portanto um mal espiritual (Lecter) e um mal corporal (Gumb), que disputa com um bem espiritual (Crawford, ou do conhecimento) e com um bem corporal (Clarice, ou a ação moral) a posse da alma, dividida por sua vez entre a culpa (bodes) e a inocência (carneiros). O ponto central ou neutro, não é preciso dizer, é Catherine, que tem em si a potência da culpa e da inocência.

Creio que não é preciso explicar mais detalhadamente esse diagrama, que fala por si. Mas podem-se tirar dele algumas conseqüências, relevantes para a apreciação da obra.

1o Enquanto no thriller habitual o conflito do bem e do mal é banalizado numa simples luta de polícias e bandidos, aqui, ao contrário, uma história policial é ampliada e potencializada num espelhismo dialético que, condensando dramaticamente todas as ambigüidades e contradições com que o mal se apresenta como bem e eventualmente se transforma nele, acaba por elevar o conjunto às dimensões de uma guerra entre potências cósmicas pela decisão do destino humano.

2o A estrutura setenária do conjunto é repetida em plano pequeno nos detalhes da narrativa pelo menos três vezes: são sete as vítimas de Gumb, sete policiais rodeiam Clarice enquanto ela sobe pelo elevador para a entrevista com Crawford (vestidos de vermelho), outros sete (vestidos de preto) na delegacia de Elk River.

3o O esquema setenário, ou cruz de seis pontas, que se usa normalmente em astronomia para a descrição da esfera celeste, é considerado em simbólica uma espécie de “símbolo dos símbolos”, um instrumento hermenêutico com que se pode encontrar a chave estruturante de obras de arte, de instituições, de sistemas filosóficos etc. A mistificação popular do número 7 é uma paródia desse símbolo. Também é evidente que o aproveitamento artístico dessa estrutura suscita problemas de grande dificuldade, que só um artista de primeira ordem consegue vencer.

4o Pode-se descrever o mesmo diagrama de várias maneiras, até mesmo invertendo as posições e pondo em movimento os jogos e dinamismos entre os vários pólos. Somente isso permitiria obter uma compreensão detalhada da estrutura narrativa, mas, evidentemente, seria um estudo demasiado extenso para realizar aqui.

5o Os símbolos variados de que a narrativa lança mão só obtêm sua plena eficácia porque a estrutura, no seu conjunto, é simbólica. A estrutura setenária das direções do espaço a partir de um ponto central foi, desde a Antiguidade, considerada um modelo suficientemente amplo e coeso com que descrever o conjunto da estrutura do homem, como se vê pela correspondência entre os sete planetas da astrologia antiga, as faculdades cognitivas humanas[5] e as sete Artes Liberais que resumiam o essencial da educação medieval.[6] A relação entre os símbolos particulares e a estrutura total é a pedra-de-toque para sabermos se estamos diante de uma autêntica narrativa iniciática ou de uma imitação grosseira com pretensões “esotéricas” descabidas.

XVIII. A adaptação do romance

A interpretação aqui apresentada, disse eu uns parágrafos atrás, se mantém de pé independentemente de algumas das razões secundárias que aleguei para sustentá-la. Isso porém não me impede de acrescentar ainda outras, menos a título de prova que de ilustração.

É muito instrutiva, por exemplo, a comparação entre o roteiro do filme e o romance original de Thomas Harris.[7] A adaptação cinematográfica de obra literária é sempre ocasião de cortes e acréscimos que, quando se demonstram obedientes a algum padrão ou critério fixo, muito revelam sobre os princípios estéticos docineasta, que podem ser muito diferentes dos do escritor. É este precisamente o caso. O diretor Jonathan Demme e o roteirista Ted Tally mudaram tanta coisa na história original, que fizeram de seu filme uma obra independente, inspirada em motivos diversos e até mesmo opostos aos de Harris. Porém, mais que isto, as modificações que introduziram seguem uma uniformidade de sentido, o que nos permite facilmente discernir

o espírito que as guiou. Não creio errar quando digo que tiveram por resultado principal (portanto como principal sentido) transpor a narrativa, da modalidade imitativa baixa, para a modalidade imitativa elevada.

As diferenças mais fundas estão mostradas no Quadro que vem como Apêndice III deste trabalho, de modo que não é preciso expô-las aqui. Apenas, o leitor, examinando o Quadro, verificará se não tenho razão ao tirar delas a conclusão acima. Posso acrescentar somente umas palavras de explicação.

Significativamente, o roteirista amputou da história todas as referências a motivações íntimas e a circunstâncias pessoais imediatas, que pudessem tornar mais facilmente explicáveis, em termos de psicologia (ou de psicopatologia), os atos das personagens centrais, Clarice, Crawford, Lecter e Gumb. Apagou, portanto, da narrativa seu elemento de realismo psicológico, que é uma das marcas registradas do imitativo baixo. Amputadas de motivações psicológicas doentes ou sãs, as ações perdem talvez em verossimilhança (segundo os cânones de probabilidade média que balizam a estética do imitativo baixo), mas ganham em alcance simbólico. As personagens, por não agir segundo causas psicológicas redutíveis à escala da humanidade média -do homem médio são ou do psicopata médio -, tornam-se, literalmente, seres fora do comum: gigantes em luta. Do médio ou do típico passamos ao arquétipo.

A diferença da modalidade impõe ao crítico uma diferença de enfoque. O imitativo baixo lida, essencialmente, com aquilo que no ser humano pode ser reduzido a causas gerais, estatísticas ou típicas (por exemplo, à hereditariedade nos Rougon-Maquart, de Zola; à luta de classes n’A Mãe, de Gorki; à decadência da propriedade familiar nos Buddenbrook, de Thomas Mann; à vulgaridade do sentimentalismo pequeno­burguês em Madame Bovary etc.). Com o imitativo elevado (e dele para cima, na escala de Aristóteles-Frye), escapamos dessa faixa: defrontamo-nos com aquilo que é ideal, incomum, excepcional; com aquilo que nos impressiona pela grandeza e não pela verossimilhança; com aquilo, em suma, que não pode ser reduzido a uma regra geral, a uma média ou a uma tipicidade. Pode-se, por exemplo, explicar, psicológica ou sociologicamente, o comportamento de Madame Bovary, sem nenhum prejuízo para a apreensão estética da obra; devemos aliás fazê-lo, porque essa apreensão estética só se torna completa, justamente, após a compreensão psicológica e sociológica das causas em jogo, que o comportamento da personagem ilustra como exemplo de uma regra geral. Mas o mesmo procedimento interpretativo falha quando aplicado a Hamlet, a Fausto ou ao Príncipe Michkin; em face destes, quanto mais procuramos reduzi-los a expressões de leis gerais, mais nos escapa o que há neles de essencial e de significativo. Esta é a razão pela qual a abordagem psicológica é irrelevante ou falha no caso de O Silêncio dos Inocentes: perde-se em especulações marginais, deixa escapar o essencial. Madame Bovary é um tipo; e um tipo explica-se pela regra geral que ele tipifica. Hamlet, Michkin (ou Lecter) são símbolos; e símbolos, como bem resumiu Susanne K. Langer,[8] são matrizes de intelecções: destinam-se a abrir à inteligência novas possibilidades de compreensão e explicação, e não a ser por seu lado capturados na grade de alguma explicação preexistente. Explicar Lecter pela patologia ou Clarice pelo tesão escondido é reduzir o símbolo a tipo, é aplicar artificialmente à narrativa imitativa elevada um padrão de verossimilhança explicativa que cabe apenas no caso do imitativo baixo.

No Quadro, o leitor encontrará muitos outros indícios no mesmo sentido do que expus (por exemplo, do livro para o filme o centro de interesse passou da investigação do esconderijo de Gumb para a decifração do seu intuito secreto, isto é, da ação física para a tensão intelectual, etc.). Não vejo necessidade de levar adiante, por mim mesmo, esta comparação, que ele poderá realizar sozinho e com grande proveito.

XIX. Imago mundi

Em suma: O Silêncio dos Inocentes é uma narrativa da modalidade imitativa elevada, estruturada segundo um modelo que sugere o dos Autos medievais (Cristo, Diabo e Alma), e que aqui se apresenta potencializado pelo recurso dialético do desdobramento das personagens, formando uma estrutura setenária similar à das direções do espaço; é uma narrativa iniciática, realizada com plenitude de meios e extrema felicidade no emprego de símbolos tradicionais da religião e das mitologias. É uma autêntica imago hominis, ou imago mundi. É grande arte. Sua visão nos inspira o terror e a piedade, nos predispõe a uma consciência aprofundada das forças que presidem ao destino, e, neste sentido, nos torna mais humanos. Sua hermenêutica, aqui apenas esboçada a título provisório, é um exercício de autoconsciência que exige de nós (além dos conhecimentos científicos necessários) firmeza de propósitos e disposição de encontrar a verdade, ou seja, uma atitude interior cujo símbolo a obra mesma nos fornece, na pessoa de Clarice Starling. Este exercício é também a ocasião de recordar uma coisa que anda fora de moda: o sentido moral e pedagógico de toda grande arte.

Que esse sentido possa ser perdido na banalização e no pedantismo que hoje são a tônica da vida intelectual no Brasil é um dano lamentável, que aqui procurei compensar com os recursos de que dispunha.

 

Olavo de Carvalho

http://www.olavodecarvalho.org/index.html

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Sobre a arte do passo

Sobre o caminhar
Jean-Louis Barrault
Não há nada mais difícil do que caminhar e pode-se descobrir o homem pela maneira como caminha.
O estudo excessivo do caminhar me deformou tanto que levei bem uns dez anos para reencontrar um caminhar normal...  (e ainda hoje recaio nisso!...).
Há um tempo atrás, um dos maiores cozinheiros da França confiou-me que um dos pratos mais difíceis de se fazer é: um ovo ao prato.  Trata-se de cozinhar a gema ao mesmo tempo que a clara.  Isto só pode ser feito com uma chama tão fina quanto a de uma vela.
De fato são as coisas mais simples as mais difíceis de realizar.
Saber ler, por exemplo.  Saber ler exatamente aquilo que está escrito, sem deixar escapar nada do que está lá e, ao mesmo tempo, sem acrescentar nada.  Saber captar exatamente aquilo que está contido nas palavras que se lê.  Saber ler!  Saber escrever também!  Saber fixar sobre o papel o seu pensamento com precisão, com o auxílio de palavras que não o deformem em nada e que possuam o som justo, o mesmo som, exatamente, que se ouve no mesmo instante ressoar na cabeça.  Saber escrever!
Saber caminhar!
Aquele homem caminha como se esperasse que seus pés o conduzam.  Ele permanece vertical e espera.  Seus pés, um após outro, cegamente, deslocam-se para a frente e apóiam-se sobre os calcanhares.  E somente quando o homem se sente "assegurado" assim pelo calcanhar é que ele completa seu passo.  Aquele homem não caminha.  Ele se deixa conduzir pelos seus pés.
Aquele outro tem pés estrábicos, o que nós [os franceses] denominamos de pés en dedans.  Aquele outro, tem as pernas afetadas, os bailarinos por exemplo.  As pernas dos bailarinos parecem experimentar uma tal alegria em se deslocar que parecem pasmar-se no ar.  O homem, acima delas, as segue.
Ora, um homem que caminha é um TODO que se desloca.  O caminhar não tem o seu centro nem na ponta do pé nem no calcanhar.  Ele tem o seu centro à altura do peito.
É o peito, sustentado por essa flexível coluna vertebral, que deve exprimir uma vontade de deslocar-se.  E sob essa vontade de deslocar-se, as pernas desdobram-se.
É digno de nota que todo ponto do corpo sobre o qual nos concentramos (sob a condição de haver uma concentração suficiente) atrai a atenção de quem nos observa.  Como se esse ponto fosse luminoso.
O homem que caminha não deve atrair a atenção para os seus pés, nem para os joelhos, mas para a frente do peito; é, se assim posso me exprimir, o peito que dá o primeiro passo.  O homem que caminha tomou a decisão de se deslocar; e o que ele desloca primeiro é o centro dele mesmo; essa caixa mágica e oca graças à qual ele respira e que o sustém, como um emblema de vida, pela haste mais flexível do mundo: sua coluna vertebral.
Primeiro o homem todo se compromete; ele acredita em si mesmo; ele vai para a frente, confiante no reflexo de suas pernas.  E suas pernas seguem-no, servem-no; elas ondulam sob ele.  É um homem que se desloca e não um homem que segue seus pés.  O ponto mais avançado de seu peito não deve jamais deixar-se ultrapassar pela ponta do pé que está à frente.
Eis ao menos o caminhar em estado puro.
Sabendo-se isso todos os caminhares são permitidos.  Cada homem tem seu caminhar pessoal que o revela sem que ele o saiba.  Cabe ao ator trabalhar o caminhar de seu personagem.  Mas esse caminhar puro, como o saber ler, como o saber escrever, como o saber cozinhar um ovo ao prato, é a coisa mais difícil de executar.
*  Este texto é um trecho do capítulo 2 das Réflexions sûr le Théâtre, onde Barrault fala de seu encontro com Étienne Decroux e da pesquisa que ambos desenvolveram sobre o mimo.
Fonte: http://www.grupotempo.com.br/tex_caminhar.html

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Choro e a graça de graça em pleno calçadão:

 

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CENA: " O CHORO E A GRAÇA"

Trabalho de conclusão de Curso
Data:14/11 (neste domingo)
Horário: 11:00 da manhã
Local: próximo ao Teatro Ouro Verde - Calçadão de Londrina

 

Ela me pediu pra divulgar, e como eu bem a conheço e tenho boas previsões a respeito de sua apresentação, decidi postar essa propaganda no instante mesmo em que deparei-me com sua mensagem em minha página de scraps do Orkut.Alguns poderão dizer que se trata não mais que de uma tentativa de aprazer uma companheira de curso: puxa-saquismo, leia-se.E se for ? E daí ? Só quem caminha junto sabe o fazer de tal caminhar.Muita sorte pra todos nós !! Que venha a formatura, e que venham mais e mais dias pela frente, pra que possamos a cada aqui passear por essa vida que segue !

Arrasa Nayara ! Aliás, arrasemos, ou melhor, azarremos, todos nós !

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

De taxi com Reberson Alexandre

 

Segue a entrevista concedida pelo designer gráfico e artista plástico Reberson Alexandre ao blog da Taxi - voltado ao universo do design gráfico - que já deu as caras no blog por ocasião da exposição de algumas de suas obras no espaço SOMA, recentemente em São Paulo.Quem quiser pegar carona é só seguir nas linhas:

Reberson Alexandre: Designer e Artista Plástico

Nascido no interior do estado de São Paulo, este jovem artista e designer vem conquistando seu espaço nos últimos anos com seu trabalho que é, acima de tudo, extremamente brasileiro. Atualmente atua na equipe de marketing/design gráfico da marca PuraMania em Londrina/PR e teve recentemente trabalhos expostos na a exposição “Entre Outros”, que teve o patrocínio da Nike Sportweare e permaneceu do dia 10 setembro ao dia 10 de outubro exposto no Espaço-Soma, em São Paulo.





Qual foi o momento em que você decidiu que era isso o que queria fazer?

Sempre tive uma necessidade de comunicação visual muito grande, não me lembro quando comecei. Eu reprovei a segunda e terceira séries do ensino básico, pois ficava o dia inteiro desenhando nos cadernos em vez de fazer as atividades escolares, só vim desencanar desses problemas com o ensino básico quando descobri a teoria de inteligências múltiplas e o que foi escrito sobre ela. Nossa sociedade aceitou um padrão de medida e quer enquadrar a todos nele. Bom comigo deu errado. Sorte que tive uma mãe que apesar de pouco estudo, soube compreender qual era a minha linha. Eu sou designer e artista plástico, não no mesmo momento, o que torna a experiência mais saudável e mais confusa, é como ser bilíngue, tem de se tomar cuidado para não confundir os idiomas.

Mas não sei se  já decidi se é isso que eu quero fazer, ou nem o que é isso.

O que te inspira a criar?

Vivemos num país aonde os políticos vão até os ricos e pedem dinheiro para financiar sua campanha,  falando que vão protegê-los dos pobres. Depois vão até os pobres e pedem votos dizendo que vão protegê-los  dos ricos. O resultado é esse caos social com uma luta de classes não declara em que vivemos.

Não precisa muito para achar inspiração nesse país. Não falo só pelo lado ruim, mas pelo lado bom também. Nossa cultura popular é muito bonita, e quando veio à globalização, em vez dela ser engolida, ela foi intensificado pelos novos meios tecnológicos. Estudei muita arte popular quando tinha 18 anos e tive sorte por ser de uma geração que valorizava muito isso, que ouviu Nação Zumbi, Mundo Livre S/A, Cássia Eller, O Rappa e outras bandas que tinham o Brasil como tema central.

Quais foram as obras de artistas que você acredita mais terem influenciado sua produção?

Olha, eu poderia citar milhares de artistas que me influenciaram, mas vou focar nas obras e assim remeter à minha obra. Dependendo do dia, da pressão atmosférica e da altitude esta lista se modifica, mas hoje ela é assim:

Goya: Ele tem as gravuras em preto e branco mais lindas de todo o universo, grande parte do meu trabalho ficou preto e branco quando descobri Goya, ou eu uso isso como desculpa. A série de gravuras disparate são minhas imagens preferidas.

Caetano Veloso: No álbum TRANSA, que ouvi há 15 anos, conheci um Brasil que até então não conhecia. Era um Brasil sem ser estereotipado e com fortes ligações globais, para mim ele prevê tudo o que acontece hoje.

Sempre acabo fazendo meus amigos gostarem desse álbum.

Basquiat: Confesso que não conhecia a obra dele antes de ver o filme (Basquiat: Traços de uma vida, de 1996). Quando aluguei o filme, fiquei 35 dias com ele, não conseguia devolver. Acho que Baquiat foi a maior obra de arte produzida por Basquiat.

Nação Zumbi: Eu tive sorte de estar no começo da minha adolescência quando essa banda surgiu. Gosto mais da segunda fase da banda, a fase mais Indie (pós Rádio S.Amb.A.) onde eles deixam de ser folclóricos que falava de tecnologia e passam a ser tecnólogos que falam de folclore.

Picasso: Ele era um ser político, viveu e conheceu todos os heróis da época dele e ainda teve tempo de pintar muito, muito mesmo. Era um antropólogo travestido de artista plástico. Ele foi uma das pessoas mais corajosas que já pisou nesse mundo.

Almodovar: “Fale Com ela” é minha obra favorita dele, junto com “Tudo sobre minha mãe”. E definitivamente não consigo explicar por que gosto dos filmes dele.

Haroldo de Campos: Comecei a gostar de escrever e de tipografia pela poesia concreta, o que me levou para o design gráfico. Trazer a tipografia para o primeiro plano e dar tecnologia de comunicação ao Brasil.

REBERSON ALEXANDRE

www.rebersonalexandre.com.br

http://www.flickr.com/photos/reberson-alexandre/

reberson_@hotmail.com

(43) 91553774

Fonte: http://taxidesignestrategico.blogspot.com/2010/10/reberson-alexandre-designer-e-artista.html

terça-feira, 2 de novembro de 2010

VERTIGem

                      
 
.
    .
...)
Está 
          aqui 
                     um 
                               post
                                          descompromissado 
                                                                                  sem
                                                                                          fim
                                                                                                    preciso
                                                                                                                   e                                                                                                                                                                                       começo                                                                                                                             indeciso
                                            Caos
                                                 político-estético
                                                 em 
                                           meio                                                                              
                                               a
tantas 
               palavras 
                                   num
                                                    fluxo
                                                                      descompassado
                   de passados 
                                            latejantes
                                                     no 
                                                               presente
                                                                               in
                                                                                 status
                                                                                           nascendi  
                                                                                      contínuo                                                                                                                          continuamos                                                                                             descontínuos
                                                                                      sem
                                                                       respeito
                                                                   às
                                                            regras  
                                                                    gerúndio
                                                       nunca
                                                    findo
                                      numa
                                 corrente
             de
         pensamentos
traduzidos
em 
etceteras 
e
et
e
ceteras
na
furios
a
libi
do
de
um
a
ora
ção 
guerra
con
tra
o
bran
co
da
te
la
se
com
prime
en
tre
pi
xels
de
luz
ciber
n
ética
color
indo
o
na
da
em
bus
ca
de
um
sig
ni
fica
do
in
apreen
sível
na
ve
lo
cidade
ter
rível
da
queda … 
                         .
                              .
                                  .
                                         .
                                                                                        .
                                                                                          .

                                                                                           .


                            
                                                                                           !
                                                                    
                                                                            Jeferson Torres