sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Tom Zé é bom de lábia, ou: nada de novo no "funk carioca".


Nessa entrevista Tom Zé conta sobre quando negou-se a escrever um release do álbum do "É o tchan" por causa da qualidade que, ao que deixa entender, considerou baixa, e por conta do discurso que a música traz: "é a bundinha pra cá, é a bundinha pra lá", como ele mesmo diz:


No entanto, mais recentemente, vem colecionando elogios ao funk carioca, e curiosamente pelo mesmo motivo que serviu, antes, de razão para negar-se a escrever um release do CD do "É o Tchan". A única diferença é que em "Tô ficando atoladinha", a figura de linguagem empregada é a metáfora: onde a "cantora" diz estar ficando atolada na areia, compreendemos, é claro, que ela está dando o cu, a boceta ou o que lhe valha, que o cara que conversa com ela na música está atolando nela, em suma. Também temos o "piririn", que faz as vezes de onomatopeia do som do telefone chamando - mas Tom Zé não fala nisso - e a ocorrência de microtons que, segundo Tom Zé, são uma espécie de afronta à opressão promovida pela Igreja Católica contra a mulher... esse papo intelectualóide que já virou clichê faz um tempinho:



Bem, vejamos o que diz a letra da letra diz:

- Alô?
- Qual é foguenta?
- Quem tá falando?
- Sou eu, Bola De Fogo. E aê? Tá de bobeira hoje?
- Tô.
- Vâmo dá um rolé na praia, mó solzão praia da Barra...
- Já é..
- Então vou ai te buscar,valeu?
- Valeu...
- Então fui!!!
Piririn, piririn, piririn
- Alguém ligou pra mim
Piririn, piririn, piririn
- Alguém ligou pra mim
- Quem é?
- Sou eu, Bola de Fogo,
e o calor ta de matarVai ser na praia da BarraQue uma moda eu vou lançar
 - Vai me enterrar na areia?
- Não, não, vou atolar
- Vai me enterrar na areia?
- Não, não vou atolar
- To ficando atoladinha
To ficando atoladinha
To ficando atoladinha
- Calma,calma foguentinha
A metáfora é uma figura de linguagem que se caracteriza pelo uso de termos que possam ser lidos não pelo sentido literal do mesmo, mas por seu sentido conotativo produzido pela relação de semelhança de qualidade entre o signo empregado e um outro signo associativo. Explicando melhor com um exemplo, temos:

- Seu coração é de pedra.
- Sim, mas ele bate por ti.

Acima, temos a expressão "coração de pedra", locução adjetiva que significa "coração duro", "insensível". A associação vem por meio da característica da pedra, a de ser dura, e da dureza como adjetivo referido à insensibilidade do portador de tal órgão endurecido, petrificado, incapaz - como uma pedra - de demonstrar sentimentos. Metáforas assim, que sugerem duplo sentido, não são uma invenção do funk carioca. Elas são características das piadas de duplo sentido e de músicas de outros estilos e épocas.

Pois essa é a tal da "polisemiótica", ou "polissemântica" (bonito o termo não?) apontada por Tom Zé em "Tô ficando atoladinha": pura e simplesmente a diversidade de significados: o termo "atoladinha", no caso, significa na "música" da funkeira carioca, tanto atolada na areia quando no sentido sexual. Basta isso, e uma volta gigantesca possível graças a vários termos complexos desses de deixar o ouvinte com cara de espanto, pra dizer que "Tô ficando atoladinha" é uma música que desafia os cânones da música tonal ocidental e é rica porque polisemiótica. 

Também no que diz respeito a microtonalidade, nem nisso "Tô ficando atoladinha" é tão "revolucinária" e transgressora quanto Tom Zé faz parecer. Saltos de quartos de tom já acontecem na música oriental de um Ravi Shankar, por exemplo, que no século passado "transou" (no sentido de se encontrou, dialogou, se misturou), por exemplo, com George Harrison:



No caso acima, o da cítara, a ocorrência de microtons dá-se por conta da própria estrutura do instrumento, que por não ser temperado, alcança as notas e por elas passeia como que por bends, elevações que fogem daquela dos instrumentos temperados. O mesmo pode ocorrer com o violino, o cello, e na guitarra, no caso dos bends muito comuns ao blues. Vamos ouvir um exemplo? Ele se encontra no final do solo de "Smoke on the water", uma das mais conhecidas músicas da banda Deep Purple (ver principalmente de 3:32 a 3:45):




Os tais microtons aparecem com muita frequência também na música vocal do século XX, principalmente, vejam só, mais uma vez, no blues. Como exemplo, vejam o solo vocal dessa negra maravilhosa em Gimme Shelter, dos Rolling Stones:



 Nota: A respeito especificamente dos microtons nos bends de blues, existe uma Cover Guitarra antiga que traz uma entrevista com Almir Stocker (Alemão ) e Heraldo do Monte, ambos guitarristas brasileiros de muita importância no cenário nacional, onde o segundo comenta sobre microtons produzidos pelos bends. No caso específico da guitarra, também o efeito chamado "whammy" provoca esse passar por frequências que quebra a lógica semitonal do sistema temperado, e olha que de um jeito muito mais legal e interessante que em "Tô ficando atoladinha":



Moral da história: mesmo o que há de mais pobre (no sentido de simplista, burro, sem qualidade, não no sentido econômico do termo) no mundo pode parecer belo, revolucionário, rico e incrivelmente maravilhoso, dependendo do discurso que é tecido a respeito do assunto. No caso, é fácil apenas repetir o dito por Tom Zé e, pegando carona em sua fama, pagar de "intelectual" também, ou então, em resposta aos críticos de Tom Zé, dizer pura e simplesmente que são derrotados, pessoas sem cultura e sem inteligência que não podem ferir uma personalidade intocável, por assim dizer. É o velho ad hominem já conhecido nosso de cada dia.

Observação importante: esse post acaba servindo para algo que eu realmente não quero, a saber, fazer propaganda desse tipo de "música" (sic), o funk carioca. Mas por outro lado, pode acabar servindo para apresentar àqueles que consomem esse lixo música de qualidade. Quem sabe? A esperança é a última que morre.


Veja também: Est(ética) e Verdade.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Est(ética) e Verdade:


Os compositores do período Clássico, do Romantismo, e também os da música erudita do século XX passavam meses, às vezes anos, dedicando-se pacientemente ao árduo processo de composição que, invariavelmente, tomava conta da vida mesma do compositor. Os crescendo e erupções repentinas nas peças de Beethoven, por exemplo, são expressões de sua personalidade forte, de seu espírito libertário e individualismo marcante. É o que você poderá assistir na 6ª sinfonia de Beethoven, titulada com o sugestivo nome de "Pastoral". Trata-se de uma peça programática (ou de programa), isto é, uma obra musical destinada a criar uma espécie de quadro sonoro - termo que Beethoven, no entanto não aprovava! - e apresentá-lo ao espectador. No caso, o sentimento bucólico da vida no campo. Reparem no uso das trompas e na seção das madeiras: Beethoven foi um gênio não só da composição musical, mas também da orquestração:




 Da mesma forma, podemos assistir na desconstrução dodecafônica, o sentimento de rebeldia contra um estado de coisas, um pensamento, contra uma cosmovisão, que no entanto é também a consequência de um caminho de afronta contra os padrões estéticos do classicismo e que já vem desde o próprio século XIX. No entanto, Arnold Schoenberg, pai da música dodecafônica, nunca afirmou de si mesmo, que era um divisor de águas propriamente falando - muito embora o atonalismo tenha sido sim uma ruptura evidente - mas como um continuador, uma mente que apreendeu os processos composicionais clássicos e românticos e apenas seguiu o caminho que já estava sendo traçado pelos seus antecessores. Acontece que já no século XIX o extensivo uso de cromatismos, notas de passagem e acordes de empréstimo modal nas peças musicais insinuava novos rumos que se abriram com Schoenberg e seus discípulos. Querem ouvir um pouco de Schoenberg? Ouçam, por exemplo, Pierrot Lunaire:





O século XX, o século da bomba atômica, viu explodir em milhares de tendências e subtendências os caminhos e (des)caminhos da arte. É o século não só de Schoenberg, mas também de Stravinsky, de Villa Lobos, de Ravel, de John Cage, de Philip Glass, de Arrigo Barnabé, dos Stones, de Jimi Hendrix, de Coltraine, dos Beatles, de Tonico e Tinoco e de Fernando e Sorocaba. Não há propriamente uma história da música no século XX: existem histórias da música.

Reconheço no entanto que o mesmo poderia ser dito sobre a música nos períodos anteriores da história da música. Do barroco, poderíamos falar na história da música de Bach, da relação entre o gênio compositor e as obras por ele compostas, e também tentar o impossível, abarcar os compositores que se inspiraram em Bach, e encontrar o que há de Sebastian em Amadeus, em Ludwig ou em Schoenberg. Além do mais, existe um outro problema que não pode ser desconsiderado quando o assunto é história: a história passada nos é contada, e se é contada, é contada por alguém que tem necessariamente uma determinada postura em relação a essa história: existe a história, mas existe também a historiografia. A historiografia, a escrita da história, se segue uma determinada corrente de pensamento, necessariamente sublinhará alguns aspectos do ocorrido em detrimento dos demais, já que não é possível ao ser humano, um ser mortal, compreender a totalidade dos fatos ocorridos no passado, apreender a história em seu todo.

Quando digo que é mais coerente falar em "histórias" da música no século XX - no plural - falo sobre a explosão artística derramou estéticas (e perspectivas éticas) mil pelo século da bomba. Podemos falar na história da música atonal - tratando da crise na tonalidade até a influência do atonalismo na música popular - ou da música eletrônica, ou então no minimalismo, ou ainda das discussões sobre o fim da história da história da música. Temos hoje todos esses nomes para carregar nas nossas costas, todas essas correntes, e também essa aparência de liberdade que no entanto é uma perigosa falácia. Reflexo do relativismo moral, do utilitarismo, da crise na filosofia, da perda de sentido, tudo vira pó: o "bom" é tão pessoal quanto o "belo", e nesse mundo de narcisos, todos os discursos sobre estética acabam se tornando apenas o eco do que algum grande "intelectual" já disse há algumas horas atrás.


A crítica da pós-modernidade:

Pós-modernidade: mas que bicho é esse? - perguntam alguns pelos cantos. Será um monstro que está nos atormentando sem que percebamos sua presença? É uma nuvem invisível que paira sobre nossas cabeças? Ou será que é tudo isso ao mesmo tempo?

Cada período histórico recebe, à posteriori, um nome que lhe é conferido pelos historiadores que, debruçando-se sobre o passado e percebendo numa determinada época características que possam ser tidas como próprias dessa época. Se eu pudesse usar uma palavra para descrever o tempo em que vivo, diria que vivemos num baile de demoníaca confusão. Em muito, essa confusão decorre do espírito revolucionário que cresceu e ganhou força desde o século XIX, com sua revolta contra Deus, e com o desejo desenfreado de destruir o mundo e erguer sobre suas cinzas um "admirável mundo novo" de justiça e paz eterna na Terra. Parece engraçado, e de fato é no mínimo tragicômico, como os crápulas sanguinários sempre reinaram em nome da justiça, do "bem" e do "bom", e sempre em nome desses ideais tão "nobres", impuseram ditaduras. Talvez seja porque o que passa a definir o que é o tal "bom" não é mais um norte metafísico, mas um projeto político preciso que cabe na cabeça do ditador, mas não no plano da realidade concreta, de modo que, para que tal se concretize, acaba sendo necessário, antes, eliminar os contrários a fim de que, enfim, sejam todos iguais de fato e a tal "justiça" reine enfim: justo é o que o é segundo a visão do rei, e calam-se as vozes dissonantes, seja pelo poder da pilhéria, do bullying ideológico, seja pelo poder do canhão.

A beleza sempre teve - e ainda tem - um que de metafísico, e o belo, por sua vez, sempre teve um que de bondade. A crise pós-moderna pode ser vista, portanto, como uma crise metafísica: a revolta contra Deus traz consigo a revolta contra o universo - criado por Deus - e a defesa da criatura como ente digno de louvor em despeito do Criador: cultua-se a própria Natureza, que é então assumida como uma forma de divindade. O homem, por sua vez, assume o papel de divindade por excelência, e a política toma o lugar da religião, ganhando um aspecto redentor. Os marxistas - e sobretudo os adeptos da teologia da libertação - poderão afirmar, porém, que toda essa náusea é fruto do desenvolvimento do capitalismo e de sua opressão inerente. Mas o marxismo, com sua teoria sobre a classificação da sociedade entre opressores e oprimidos e a proposta política de uma redenção pela vitória dos oprimidos contra o julgo dos opressores, é expressão dessa mentalidade antirreligiosa - e sobretudo anticristã - que o século XIX traz consigo, e que se expande pelo século XX. Um marxista dirá por certo que o Capital tornou-se o mestre e o Senhor da beleza, e sujeitou qualquer ideal superior ao cruel jogo mesquinho de interesses econômicos, posto que a ótica marxista acaba por reduzir o problema a uma questão histórico-econômica, dado compreender a própria história, não do ponto de vista do ente que crê na Existência do Ser supremo, mas segundo aquela que enxerga em Deus a projeção da miséria humana, e um consolo para anestesiar a dor da opressão.

O filósofo inglês Roger Scrutton nota esses problemas e os denuncia no documentário "Por que beleza importa", que os convido a assistir:


O fato é que, ainda que fulano ou ciclano possa criticar a música de Michel Teló ou de Fernando e Sorocaba, e preferir Bach a Ivete Sangalo, a razão apresentada para tal crítica sempre retornará ao debate sobre estética, ética e política. Seja na mesa de um bar, numa sala de aula de uma universidade por aí, ou dentro de casa, esse debate sempre acabará tocando em questões que estarão necessariamente relacionadas a problemas de ordem ética, est(ética) e política. Se um diz que Bach é "melhor" que Michel Teló, diz - admita-o ou não - que existe um "bom ideal", ao qual o primeiro mais se aproxima, e contra o qual o segundo mais se distancia. Sendo assim, indiretamente, por meio da estética, intui, do belo, o bom, e reconhece neste aquele como o observador reconhece o objeto  na imagem que o espelho do objeto reflete.
Se, no entanto, não reconhece que haja um bom ideal, tampouco poderá estabelecer relações de grandeza e proximidade e, consequentemente, falar em um "melhor". 

Poderá, no entanto, dizer que esse bem "ideal" o é enquanto função de quem idealiza, do indivíduo, e que portanto é melhor segundo o critério pessoal de um ou de outro, mas nunca de um coletivo qualquer. Assim sendo, nada obsta a pessoa X gostar de Michel Teló e não gostar de Bach, e a pessoa Y o contrário, sendo que ambas estão igualmente corretas segundo seu ponto de vista. Esta visão é própria do relativismo ético/estético, segundo o qual algo pode ser bom ou belo relativamente aos critérios de um, e não aos critérios de outro, e que esses critérios tem razões de ser históricas e culturais. No entanto, esse aparente discurso de sobriedade e respeito para com a visão alheia, mascara sua fragilidade, já que, nesse caso, caberá justamente àqueles que detém maior poder político e econômico delegar à sociedade regras tácitas de comportamento, padrões morais e estéticos. Se tiver eu dinheiro suficiente para produzir um CD de axé e fazê-lo tocar no Faustão, na novela das 8 e nas rádios, ele será um "sucesso de público" - de público por consentimento servil - e talvez mesmo de crítica, já que esta pode bem estar a venda, e por preços bem razoáveis, diga-se de passagem.

Tampouco terá aquele que não reconhece a existência de valores morais objetivos - que tenham razão de ser independentemente da época ou da sociedade - motivos sólidos para justificar a condenação ao estupro ou ao infanticídio, por exemplo. Poderá, é bem verdade, criticar o uso de Deus como desculpa para a prática de atos horrendos, quando praticados em nome de Alah ou de Jesus, mas o de afirmar que estes ator são de fato "errados", senão que o são somente de acordo com seus próprios critérios ou os critérios da sociedade de nossa época. É assim que o discurso materialista encerra-se em si mesmo, e acaba por criar labirintos dentro dos quais acaba por se perder. Se por outro lado o debate sobre a existência de Deus e a atualidade das Escrituras no mundo atual e do diálogo inter-religioso é outro importante problema da "pós-modernidade", também a crítica do pensamento materialista - sobretudo o de caráter marxista, muito presente no Brasil e na América Latina - o é. 

O filósofo cristão Santo Agostinho afirmou certa vez que "quem procura a Verdade, procura por Deus". O relativismo estético e moral é já em nossos dias assumido pelo senso comum como "Verdade". Basta perguntar para um amigo próximo sobre questões concernentes aos problemas de ordem moral ou estética, e muito provavelmente ouvirá que "cada um tem seu gosto e pronto", ou então que "não existe um bem ideal, cada um tem uma visão das coisas". No entanto, no instante seguinte, poderá criticar isso ou aquilo, e dizer que não é música, que não é arte, que não é bom nem belo. Talvez fique chocado ao saber que índios brasileiros tem praticado o infanticídio, mesmo que por motivos culturais, ou talvez - o que pode ser pior - apenas sorria distraído, e reflita por um instante sobre a beleza do multiculturalismo. Quando uma conveniente mentira consegue se passar por Verdade, vestindo-se de aspectos verdadeiros e sendo vendida por meio da indústria cultural e das escolas, ela não deixa de ser uma mentira, e talvez uma perigosa e sedutora mentira: aquela que vende a liberdade como um valor absoluto, e faz com que, entorpecidos pela própria sensação de liberdade que a mentira proporciona, os sonhadores não consigam perceber o pesadelo que na verdade vivem.

Se alguém vos disser que a verdade não existe, esse alguém não quer que assumamos o dito como expressão da verdade.


sábado, 23 de novembro de 2013

Razão, natureza e fé:


 Existe razão na própria estrutura da realidade. Não fui eu, nem você, e nem Richard Dawkins ou Mendel, que inventaram a carioteca, por exemplo. A carioteca é um dado da realidade, da estrutura mesma biológica das células dos animais, dos seres eucariontes. Esse dado existe antes mesmo da existência de um léxico que o represente, de uma linguagem escrita ou falada que o exprima. À medida em que nós, seres humanos, também dotado de razão para perscrutar essa realidade, a compreendemos mais - ou achamos que a compreendemos - esse podemos melhor lidar com ela. Mas ela se impõe, para além do que podemos idealizar ou teorizar. É possível em nossos dias, como que criar novas formas de vida, elaborar em um laboratório um protótipo: o ser humano re-cria-se, a si mesmo, como que brincando de Deus. Mas isso só é possível justamente porque a própria natureza clama por justiça, e se clama, é porque ela diz pra gente: ei vocês, me respeitem. À medida em que nós destruímos a natureza, destruímos a nós mesmos, já que fazemos parte da natureza. Mas se a natureza tem razão, então existe um princípio racional que a criou - seja por um processo criativo evolutivo, transformativo, ou imediato, muito embora eu acredite mais na primeira hipótese - e que se insinua na inteligência que deciframos da realidade e que tentamos traduzir, dentro de nossas limitações, por meio de números, fórmulas e palavras que inventamos pra isso. É uma das razões pelas quais eu passei a acreditar em Deus. Uma das, mas não a única, é claro. E digo mais. Se existe razão na natureza, talvez também existam princípios morais que se imponham, para além do que existe de perecível, passageiro, efêmero, para além do que é cultural, temporário. Creio nisso porque me espanta saber que alguns por aí tem defendido que o massacre de índios recém-nascidos que são enterrados vivos em algumas tribos indígenas é algo que deva ser respeitado como um patrimônio cultural, e não combatido pelo opressor "homem branco". A matéria-prima da cultura é a vida humana. Não existe cultura sem vida, de modo que o respeito a vida deve prevalecer sobre as diferenças culturais sob pena de, caso contrário, destruir a própria cultura, sacrificá-la em nome da neutralidade moral com respeito à cultura alheia. Digo isso sem querer ofender antropólogos ou culturalistas. Na época da faculdade, a disciplina que eu mais gostava de estudar depois de história da arte era antropologia. Mas mesmo em nome da cultura, nem tudo se justifica. Então, eu fico num empasse. Por um lado, o teísmo é a crença na existência em Deus, e diz-se deste Deus que ele é inteiramente Bom, que é Justo e Perfeito, Onisciente, Onipresente e Onipotente. Mas por outro lado, quando olhamos a nossa volta, vemos a miséria, a fome, a vitória dos covardes, a ditadura da mediocridade, o mal vencendo a todo custo. Mas por outro lado, se me refiro ao mal, percebo que só posso acreditar na existência de um mal que não seja mera questão de opinião, de moda, de cultura, quando tenho uma razão que pode transcender o que é temporal, o que é comum à cultura e à época. E é em Deus que encontro essa razão, num paradoxo curioso: ao mesmo tempo em que Deus é tido como um mito estranho e absurdo, ele é uma Razão considerável para a justificação da consciência moral humana. E talvez não seja apenas mais um "mito", no sentido de um personagem fictício criado para representar nossas próprias características humanas ou ideais, mas uma realidade pulsante que se insinua na estrutura mesma da realidade, na inteligência que desta apreendemos e buscamos compreender, na consciência moral que nos é própria, e nas experiências religiosas, que ultrapassam fronteiras culturais e geográficas, atravessando séculos e séculos. Também estas experiências podem ser estudadas à luz das ciências naturais, mas nada que contradiga o que tentei expor até aqui: pois não existe razão na fé?

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Sobre a trilogia "O Poderoso Chefão":


A primeira vez em que assisti a "O poderoso chefão" (The Godfather) foi em 2006. Eu contava então com 20 anos, e muito embora já tivesse experiência com teatro, carecia do estudo da semiótica e de dramaturgia que, posteriormente, viria a ter na universidade. Voltei-me, nestes últimos dias, a esse filme de Francis Ford Coppola, baseado no romance de Mario Puzo. Dessa vez meu olhar foi mais clínico, por assim dizer. Assisti a obra com os olhos de quem já conhece Einsenstein e algo sobre técnica cinematográfica, mas a beleza é a mesma, mais rica, porém, porque compreendida.

A história atravessa o século XX e une Itália e América. Vito Corleone abandona Sicília, na Itália, com destino à América. Diante da morte de seu pai, este é o único destino possível. Continuasse na Itália, teria sido morto pelas mesmas mãos que assassinaram seu pai: "quando o menino crescer, ele quererá vingar a morte de seu pai", argumenta com a mãe que implora pela vida do filho. Essa mãe, ainda vestindo o luto pela morte de seu esposo, entrega a própria vida para salvar a do filho, uma criança de seis anos.

Com a ajuda de amigos da família, o pequeno Vito consegue fugir do cerco que foi armado para matá-lo, e embarca na manhã seguinte para os Estados Unidos. Esse ponto faz-me lembrar de Moisés, e também de Cristo, ambos perseguidos desde a infância: o primeiro pelo poder do faraó, o segundo, pelo imperador romano. Ambos predestinados, tal como Vito. Este, por sua vez, passará por uma série de renascimentos até transformar-se em Don Vito Corleone, o poderoso chefão da máfia italiana nos EUA. Este capítulo da história, porém, não nos é contado no primeiro filme da trilogia, mas sim no segundo.

É digno de nota a dialética de sacralidade e diabolismo da qual o filme está carregado. Em "O poderoso Chefão II", Vito ascende ao posto de novo chefe da cidade quando se vinga do então manda-chuva, armando-lhe uma cilada e assassinando-o em meio a uma procissão: temos, na mesma cena, a Santíssima Virgem Maria de um lado, e o sangue com o qual é paga a vingança de Vito. 

E por falar em vingança, esta palavra, que poderia bem resumir todo o enredo da trilogia, atravessa continentes. Vito, então um já respeitado chefão, volta a sua terra natal para encontrar o assassino de seu pai, este, também já consumido pelos anos, e com a saúde claramente debilitada. O tempo faria justiça, mas à vingança, responde Vito com vingança: enterra-lhe uma faca que atravessa sua carne, e banha de sangue o velho crápula, não sem antes apresentar-se: é preciso que ele saiba porque e por quem está sendo assassinado.

A vingança, esta fiel companheira da vaidade, conduz os passos da família Corleone. Ali, Vito Corleone, aqui, Michael Corleone, seu filho, que em defesa do pai assassina aqueles que o perseguiam. Lá, o menino que vingou a morte do pai, aqui, seu duplo, o fantasma de uma maldição como que inescapável, e que faz de Michael, o menino tímido que não queria repetir o pai, seu espelho. Pela ordem de Michael, morre Fredo, seu irmão. Mas Fredo - eu não havia citado seu nome até agora - também por vaidade conspira contra Michael: em "O Poderoso Chefão", a vingança é uma dança que envolve toda a família, e que a transforma numa espécie de covil de serpentes onde, a qualquer momento, qualquer um pode trair e ser traído.

À propósito, caro leitor, a morte de Fredo - sim, o frágil Fredo - é mais um dos célebres momentos do filme. Trata-se do mesmo Fredo que, momentos antes, conversava com seu sobrinho, e a ele contava sobre sua infância. Quando pequeno, costumava pescar com o pai. Mas não era um bom pescador, ele assume. Para que os peixes aceitassem serem fisgados, era preciso sempre uma ajuda dela, daquela que já apareceu no filme outras vezes, Nossa Senhora. Depois de uma Ave-Maria, um bom peixe para o jovem Fredo. Já crescido, Fredo é atraiçoado pelo irmão: morre com uma bala pelas costas, uma bala desferida pelo capanga de Michael enquanto este, ao longe, assistia a cena silenciosamente. Mas o algoz respeita aquele que, por uma espécie de intuição divina, acaba sendo o último pedido de Fredo, rezar uma Ave-Maria, antes de virar, por sua vez, comida de peixe. A versão oficial será a de que ele morreu afogado. E não é lá uma mentira, convenhamos: todos se afogam nessa trama de vinganças.


A cena da morte de Fredo é uma daquelas em que a dialética estabelecida entre o sagrado e o pecado se estabelece. O mesmo ocorre quando do batizado da filha de Michael Corleone com sua esposa, Kay. Nesta belíssima sequência, ao batismo do filho, Coppola contrapõe os assassinatos perpetrados pelos títeres de Michael, que como titereiro, move as peças do tabuleiro. Aqui, o batismo de água benta, ali, um batismo de sangue. Ao mesmo tempo em que o filho é batizado, o pai reafirma seu pacto com o Diabo. Também Kay, a esposa de Michael, atravessa e atravessada por esse drama, experimenta as dores do marido e, a medida em que este nasce como chefão, morre como a jovem feliz e esperançosa que foi no passado. Nesse aspecto, contribui sobretudo o figurino, bem tratado no filme em sua função simbólica, pela cor indicada, de um tom festivo para um fúnebre.


São pequenas mortes as que transformam o jovem Michael no novo padrinho, no substituto de seu pai. Morre o rapaz tímido e inocente, nasce um homem frio e calculista, que como um vulcão calado, abraça o irmão no funeral da mãe, enquanto move seus piões para dar o cheque-mate fratricida. E cada uma dessas mortes é uma confirmação de que seu compromisso é antes com o mal, e da espécie mais sedutora e inescapável, aquela que se traveste de bem para conquistar mais respeito. Com sua fortuna, Michael ajuda orfanatos, cria uma fundação de ajuda aos necessitados, e doa grandes quantias à Igreja. Mas à medida em que o tempo passa, Michael se percebe acorrentado de maneira cada vez mais inexorável às consequências. 


É aqui, já na terceira e última parte da história, que vemos um Michael velho e cada vez mais tomado pela necessidade de fazer as pazes com seu passado. Ele se confessa com um padre, numa cena muito breve, mas fundamental. Ocorre que, como disse certa vez uma santa, o Diabo pode se vestir de humildade cristã, mas nunca de obediência. O poderoso chefão três, apresenta-nos personagens que são demônios em pele de sacerdotes, padres que se dobram ao jogo sujo do qual Michael faz parte, e dos quais ele espera uma ajuda, mas pelos quais, por fim, é também traído. Quando de sua confissão, o padre que lhe ouve tece um comentário muito interessante:

"Vê esta pedra? Ela está imersa na água. (Retira a pedra da água e a quebra com as mãos). Percebe? - pergunta o padre. A água cerca a pedra de todos os lados, mas não penetra nela. É assim com o povo europeu. Por séculos o cristianismo esteve (e está) aí, por todos os lados, mas nunca penetrou de fato no coração dos homens"


 É que o demônio pode fingir, e muito bem, a humildade cristã. Ele pode até se esconder atrás de uma batina, rezar missa, oferecer hóstias, rezar o terço ou ler versículos bíblicos, mas nunca, nunca obedecerá ao magistério. O espírito mesmo luciferano que seduz toda a humanidade na forma do humanismo moderno é o da desobediência: comam a maçã e ascendam à nova era de liberdade, ó iluminada humanidade: sois deuses! E então, sem perceber, afogamos todos no mesmo mar de mentiras que se fazem verdades porque contadas como tais, e alçamos líderes políticos à categoria de deuses do futuro promissor.

 Como nota o padre, o cristianismo, muito embora esteja por todos os lados, não penetrou no coração dos homens. E o mesmo pode ser dito sobre os Corleone. Cabe notar que o padre em questão poderia vir a ser, segundo o filme, o papa João Paulo I, mas essa não é uma história verídica, e ao que pese todas as histórias que sobre esse papa são contadas, a referência é, antes, um artifício para situar o espectador no tempo histórico real.

E por falar em tempo ficcional e tempo real, as últimas cenas da terceira parte do filme trazem esse diálogo. A família corleone vai ao teatro para assistir a apresentação do jovem corleone, filho de Michael, que contra este abandonou a faculdade de direito para investir em sua carreira como cantor. Trata-se de um momento de festa e de separação. Michael armara uma cilada para atrair e assassinar seus inimigos, e enquanto a tensão das cenas da ópera Cavalaria Rusticana (Pietro Mascagni, 1890) se desenvolvem no palco, a tensão na plateia cresce: assassinatos silenciosos sob a luz que cobre o público, ameaças encenadas sob a luz do palco. As cenas lembram o suspense de Hitchcock em um de seus filmes, cujo nome me falha a memória (me ajudem a lembrar, se possível). Já a cena final, que acontece na escada do teatro, como que menciona Sergei Einsenstein em "O encouraçado Potekim" (1925). O grito calado de Al Pacino, lembra-me, por sua vez, a cena de Simone Weigel, atriz de Brecht em "Mãe Coragem".

Caso ainda não tenha dedicado tempo a esse filme, eu espero que este breve comentário possa servir para abrir o apetite. Caso já tenha assistido, que sirva de convite para assisti-lo novamente. É incontestavelmente uma obra prima do cinema, um clássico que não pode faltar em nenhuma lista das grandes obras cinematográficas.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Como eu me sinto quando... é meu aniversário.

Sábado é meu aniversário, então, acho que vale a pena tentar tirar algum proveito disso. Como se coubesse em palavras, decidi escrever:


No próximo sábado, o número que designa os anos de minha vida, aquele que pronuncio quando perguntam por minha idade, celebrará o tempo como fato inescapável. Perdido em nomes e sobrenomes de minha extensa bibliografia, pergunto-me agora onde deixei aquele menino tímido de óculos que ouvia de seu pai as histórias de uma vida outra, como se grandes contos heroicos de um destemido cavaleiro fossem. Do silêncio de meu quarto, sozinho, dedico-me à encontrar as palavras mais exatas para descrever meus pensamentos, para materializar no papel o que foge à qualquer representação última, a saber, a vida, o que fui, o que vi, o que não sei que sei, e o que, em suma, sou, antes de sumir por ai. Silenciei em algum canto aquela criança capaz de se apaixonar e, adulto, casei-me com a solidão. Tenho saudades de mim, às vezes, e às vezes, só, reafirmo minha solidão como escudo inquebrantável.

A vida é cheia de pequenas mortes, e eu já estive em pelo menos três velórios, sendo deles o de meu pai, certamente, o mais marcante até aqui. Aquele colo seguro, era então um cadáver sem vida envolto num caixão de madeira que, dias antes, tive a oportunidade de ver na loja, quando com minha mãe fui conferir o preço do produto, do última armadura que cobriria meu cavaleiro destemido. Guardo também com frescor a imagem das coroas de flores que recebeu, já dentro do túmulo, sob o aceno que com minha mãe a ele votei.


O hábito da leitura é refúgio. Ler é, pra mim, como travar um diálogo com os mortos. São eles essas vozes que ecoam desde o passado para lembrar-nos que aquilo que construímos, ainda que também sujeito ao tempo, vence a morte. Bem notou Santo Agostinho de Hipona, já bem antes de Sigmund Freud: existe o passado no presente, o presente, e o futuro que no presente se manifesta como anseio pelo porvir, dúvida e sonho. É tragicômica a condição humana, revolta contra Deus, para quem caminha,  e ao mesmo tempo resposta para os por quês da vida, e pergunta pertinente e persistente que anima os nervos de nós, mortais, e mesmo daqueles que O tem como objeto de recusa, como quem deseja o parricídio do Pai legislador em nome de uma ideal liberdade que se revela, na verdade, como ditadura do desejo e da ira, libido dominandi, o império brutal do homem, o lobo do homem, sobre o próprio homem, seu fiel escravo. Em face da história, à qual estamos sujeitos e da qual nos queremos senhores incontestes, colhemos os destroços da Babel pós-moderna, perdida em mil línguas sem sentido, simulacros de simulacros, de simulacros, de simulacros...

E o tempo urge, esse devir, que quereríamos aprisionar. O meu presente é cheio de passado e de futuro. São nomes, pessoas, lugares, são desejos, medos, pequenas certezas e incertezas mil. São desencontros, desagrados, desentendimentos, desalentos e desacatos contra meu passado, contra aquele que acreditava muito na humanidade, mas duvidava profundamente de Deus, contra quem, hoje, ri desiludido da miséria humana, isto é, de si mesmo, contra o menino que fui, e que ainda vive em mim, mas que não mais sou, pelo que sei, pelo pouco que sei de mim. Dentro de algumas horas o relógio, este marcador cartesiano, matemático, decretará uma sentença, ganhará como que um aspecto metafísico: é o tempo, é meu dia. Todo aniversário tem um pouco de morte. Talvez a vida seja mesmo isso: pequenas mortes que nos fazem cada vez mais nós, e assim, de pouco em pouco, enfim, sós.

Jeferson Torres

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Da arte de escrever:

  •  Uma amiga que está em crise com seu tcc pediu alguma ajuda com a construção do texto. O que respondi, decidi postar aqui, já que pode ajudar outras pessoas que enfrentam o mesmo problema.
     
    Quer uma sugestão? Tal como numa peça de teatro tradicional, os livros podem ser divididos em capítulos. Mas como dividir em capítulos?! Ora, pense no discurso como uma estrada. Cada capítulo deve ter razão de ser e vínculo com os demais capítulos em função de uma obra orgânica. Então, pense num começo, ao menos, se não tem noção exata de onde quer chegar, o que seria bem melhor, evidentemente. Pense, sintetize a ideia em poucas palavras, e você terá um título. Ele pode ser também uma pergunta a ser respondida ou instigada pelo texto.
     
    Caso contrário, o que é bem melhor, tenha já em mente todo o percurso, e comece pelo primeiro passo, a primeira letra. De letra em letra se constroi a palavra, momento preciso no tempo da frase, existência inegável na concretude do texto que corre, onde você está escondida em cada vocábulo. Por fim, de tanto tecer, terás um tcc. Então larga esse facebook e vá tc. 
     
    Ah, e sempre tenha um bom dicionário ao seu lado enquanto escreve. Afirmam alguns que o dicionário é uma ferramenta necessária somente para acompanhar a leitura, mas ele é fundamental também durante a escrita. Sabe quando você se cansou daquela mesma palavra já batida? Sabe quando falta o verbo? Recorra ao dicionário. Parta de uma palavra que lhe vem a mente. Digamos que você pensa em "O corpo dança pelo que é, e se é, é em movimento, devir. E como uma espécie de rio, corrente que liberta" Nessa frase, que criei agora, aproveitei-me da aparente antítese entre corrente, substantivo que tem dois significados. O leitor perceberá o sentido que coloco e a imagem criada ganha interesse. Lembre-se que palavras são imagens, elas evocam imagens à nossa mente e são, em si, elas mesmas, por si, também imagens. Você lê um texto, você o vê, e se é cego, pode mesmo tocá-lo - como na leitura Braile - que é uma outra forma de ver. Mas usei demais a palavra "ver". Então, recorro ao dicionário...  
     
    1 Captar imagem por meio dos olhos; ENXERGAR. [td.: Consegue ver as letras menores?] [int.: Este enfermo não vê mais.]
    2 Estar presente; assistir a. [td.: A jovem viu o acidente de carro.]
    3 Perceber por meio da vista; ACHAR; OBSERVAR. [td.: O jovem não via graça em nada.]
    4 Chegar a uma conclusão; CONCLUIR; INFERIR. [td.: Dá para ver que foram enganados.]
    5 Pensar sobre; EXAMINAR. [td.: Vamos ver o que podemos fazer.]
    6 Ter contato (com alguém ou entre si); ENCONTRAR-SE. [td.: Você tem visto o seu amigo?]
    7 Observar (a si mesmo); MIRAR-SE. [td.: Ficava horas vendo -se no espelho.]
    8 Surpreender-se (em uma situação). [td.: De repente, vi -me contando piadas.]
    9 Prestar serviço profissional. [td.: O pediatra foi ver a criança doente.]
    10 Manter contato constante com; CONVIVER. [td.: Depois que se casou, não viu mais o pai.]
    11 Ir (a algum lugar) para conhecer; VISITAR. [td.: Gostaria de ver Paris na primavera.]
    12 Ter consulta com. [td.: Você está muito magra, precisa ver um nutricionista.]
    13 Constatar, perceber. [td.: O senhor não vê que não posso aceitar tal proposta?]
    14 Tomar cuidado em; atentar em; REPARAR. [td.: Ela nem viu a cara do engraçadinho!]
    15 Ter a compreensão de. [td.: Ele logo viu que não poderia fazer tal coisa.]
    16 Observar, verificar. [td.: Foi ver como estava o tempo.]
    17 Fig. Ter ideias irreais ou absurdas sobre (algo); FANTASIAR. [td.: Ela anda vendo coisas.]
    18 Reconhecer como bom. [tdr. + em: Ela vê muitas virtudes no marido.]
    19 Fazer vir à memória; EVOCAR. [td.: Quando pensa na infância, vê sempre a mãe curvada sobre o fogão.]
    20 Fazer perguntas ou indagações sobre; INDAGAR; PERGUNTAR. [td.: Vá ver o que este homem está querendo!] [tr. + com: Se precisar dos recibos, veja com meu contador.]
    21 Ir à procura de (algo). [int.: Se está procurando a carteira, veja encima da mesinha.]
    22 Procurar avaliar; CALCULAR. [td.: Antes de criticar, você tem que ver os bons resultados do time.]
    23 Fazer a avaliação de; CONSIDERAR; JULGAR. [td.: Vê o cunhado com maus olhos.] [tdp.: Via no filho mais novo seu herdeiro político.]
    24 Julgar-se, considerar-se. [tdp.: Viu -se rebaixado diante do irmão.]
    25 Tentar (algo) para alcançar um objetivo. [td.: Fui ver se conseguia entrar, mas não consegui.]
    26 Procurar fazer ou providenciar (algo) para (alguém). [tdi. + para: Espere aí que eu vou ver uma comidinha gostosa para você!]

    [F.: Do lat. videre. Hom./Par.: vede(s) [ê] (fl.), vede(s) (fl. de vedar); verás (fl.), veraz (a2g.), Veraz (antr.); vê(s) (fl.), vê(s) (sm.[pl.]); verão (fl.), verão (sm.); via(s) (fl.), via(s) (sf.[pl.]); vira(s) (fl.), vira(s) (sf. e sm.[pl.]); veem (fl.), vêm (fl. de vir); veria (fl.), Véria (top.), viria (fl. de vir); verias (fl.), virias (fl. de vir); vês (fl.), vez (sf.), Vez (top.); víramos (fl.), viramos (fl. de virar); víreis (fl.), vireis (fl. de vir e virar).]
     
     
     Viu? Mas viu em que sentido? Percebeu quanta coisa surge a partir da palavra ver?! Assim, você amplia seu vocabulário e passa a expressar-se melhor. Escrever um texto é como lapidar uma pedra para buscar a forma que está lá segredada. "Mergulha no universo das palavras", seu texto é você imersa nesse universo, buscando com a máxima exatidão expressão o que em ti, por ora, é desejo e ansiedade. Então ponha os pés no chão e respire fundo. Escrever é preciso, viver não é preciso.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Lobão, Olavo de Carvalho e os intelectuais gostosões:


O conceito de "alienação", do léxico marxista, mas já agregado ao vocabulário cotidiano dos pseudo-intelectuais de botique que abundam no cenário acadêmico brasileiro, cabe bem para explicar o que ocorre com respeito a Olavo de Carvalho. Para Marx, a alienação é uma condição à qual está sujeito o proletário que, muito embora seja agente produtor dos bens de consumo, está alienado pelo sistema capitalista e, assim, não se vê na obra criada e comercializada que atende aos interesses do burguês. O que vivemos é uma situação em parte semelhante: aqueles que ecoam as opiniões da moda, que repetem os discursos que aprenderam com intelectuais orgânicos como Marilena Chauí, ou que ouviram por meio de nomes da MPB que assombram nossas mentes, só fazem repercutir o mais do mesmo e, assim, alimentam o mito do proletário rei que Lula conquistou para si e que grande parte de seus nécios seguidores fazem questão de perpetuar. Sendo assim, o indivíduo alienado, frustrado, e ignorante, repetindo o dito em filmes que romantizaram a imagem de Che, por exemplo, ao vestir vermelho e reclamar da opressão da burguesia, saboreia pelo breve instante de uma frase de efeito, o gosto da vitória: decrépitos brutais são eles, os cruéis senhores da direita opressora capitalista - diz o papagaio, sem saber-se, no entanto, papagaio e, por justamente na medida de seu não saber, crente na sua própria estupidez que toma como o inverso. E nessa marcha caminhamos, com intelectuais orgânicos (conceito gramsciano, pesquisem pra entender) que assinam historiografias tendenciosas e que, depois, se transformam na "versão oficial" dos fatos ensinada nas escolas. Com efeito, temos  o culto a psicopatas que, como esses que agora os louvam, usavam rolex, mas fingem compaixão com a classe operária, essa estranha entidade que eles não conhecem de fato, mas insistem em reduzir a estatísticas dúbias e usar esses números como engrenagens de um sistema que solidifica a tragicomédia da política moderna: conquistar o poder e garantí-lo a qualquer custo. Não é de se estranhar que em nosso tempo, uma voz como a de Lobão seja sacrificada pelo "politicamente correto" e pela alcateia adestrada da esquerda: é a tentativa de calar o solitário lobo, ovelha negra, pela espiral do silêncio: é o mesmo que tem sido feito desde um bom tempo com o jornalista, filósofo, ensaísta e professor de filosofia Olavo de Carvalho.

Ver:

http://www.olavodecarvalho.org/semana/110324dc.html

e

http://www.olavodecarvalho.org/semana/110407dc.html