quarta-feira, 30 de junho de 2010

Grotowski: Teatro Laboratório: Apocalypsis cum Figuris

 

 

Recentemente postei em meu canal no youtube (www.youtube.com/jefersontorres) o vídeo que registra uma das últimas apresentações de Apocalypsis cum figuris, direção de Jerzy Grotowski encenada pelo Teatro Laboratório.Segue a descrição do vídeo em português e inglês como disponível no youtube:

Primeira parte de Apocalypsis cum figuris, montagem do Teatro laboratório
(Teatr laboratorium) sob direção de Jerzy Grotowski e co-direção de Rizard Cieslak.A direção literária ficou por conta de Ludwik Flaszen.Figurinos: Waldemar Krygier

Elenco:

Antoni Jaholkowski (Simão Pedro), Zygmunt Molik (Judas), Zbigniew Cynkutis (Lázaro),Maja Komorowska e Rena Mireka (Marias Madalenas),Stanislaw Scierski (João) e Ryzard Cieslak (o Escuro)

A montagem fez uso de citações bíblicas além de extratos de textos de Feodor Dostoiévski, Thomas S. Eliot e Simone Weil.Trata-se da última peça dirigida por Grotowski, que, depois desta, continuará sua biografia
artístico-pedagógica longe dos palcos até sua morte em 1999.

Visite: www.artistaemconstrucao.blogspot.com

English:

First part of the video register of Apocalypsis cum figuris - theater piece played by the Theatre Laboratory (Teatr Laboratorium) - directed by Jerzy Grotowski and co-directed by Rizard Cieslak.The literary director was Ludwik Flaszen.Costume design:Waldemar Krygier

Cast:

Antoni Jaholkowski (Simon Peter), Zygmunt Molik (Judas), Zbigniew Cynkutis (Lazaro), Maja Komorowska e Rena Mireka (Marias Madalenas),Stanislaw Scierski (John) and Ryzard Cieslak as the Dark.

The play uses bliblical quotations mixed with texts by Feodor Dostoiévski,
Thomas S. Eliot and Simone Weil.It was the last play directed by Grotowski, who, after this, continued his artistic-pedagogical biography out of stage until his death in 1999.

visit: www.artistaemconstrucao.blogspot.com (site in portuguese)
Categoria:

sábado, 26 de junho de 2010

Brecht e David Bowie

 

Mais uma vez eu trago a vocês um vídeo em inglês.O que fazer se tudo, ou melhor, quase tudo o que me causa mais interesse se encontra em línguas estrangeiras ? O jeito é estudar outros idiomas, ou então se aproveitar dos vídeos pelas imagens e pelos sons verbais transformados pela ignorância de seus significados em “blablações”, o que não deixa de ser também interessante.

Dessa vez eu lhes indico esse documentário dividido em três partes que trata da trajetória artística de Brecht e traz, dentre outros, depoimentos de Helene Weigel, atriz que esteve ao lado do alemão em diversas de suas empreitadas artísticas – e não só artísticas.Ainda aborda seu exílio nos EUA e a fundação do Berliner Ensemble.Enfim: vale a pena assistir.

Talvez valha também assistir, depois, como uma espécie de posfácio, a essa versão de Baal, texto de Brecht montado  numa versão televisiva pela BBC de Londres na qual David Bowie – é isso mesmo, vocês não leram errado – representa o protagonista da trama.Ah, sim, em inglês também …

sexta-feira, 25 de junho de 2010

R.E.M

 

REM
Cartaz desenvolvido pela artista londrinense Ana Lucca.

Luiz Valcazaras visita Strinberg em R.E.M. (Rapid Eye Moviment), montagem teatral dirigida por aquele que já trabalhou algumas vezes aqui em Londrina com o grupo Boca de Baco.Recentemente publiquei no blog uma chamada para o espetáculo “Navalha na carne”, texto de Plínio Marcos que serviu de base para a montagem que celebrou os vinte anos do grupo artístico londrinense e foi posta ao palco sob direção de Valcazaras.

Mantendo a versatilidade que lhe é característica, Luiz passa de Plínio para Strinberg, construindo um sonho plasmado na matéria cênica que transcorre pelo tempo do texto espetacular.

Fica o convite ao sonho teatral:

R.E.M., baseada na peça “O sonho”, de August Strinberg.
No espaço dos Satyros II: Praça Franklin Roosevelt, 134
Sábados e domingos às 18:30h ( a partir de 26/6/2010)

Palavras sobre o indizível:

 

A fim de simplificar as coisas, partimos para raciocínios dialéticos: fazemos uma distinção entre duas forças distintas e, através da oposição entre essas potências, chegamos a uma terceira, que pode ser compreendida como síntese da relação entre energias antitéticas.Poderíamos falar, deste modo, na constante luta entre Deus e o diabo, entre o proletariado e a burguesia, entre o certo e o errado, entre o velho e o novo, entre a verdade e a mentira, entre o bem e o mal …

Penso que a tentação à dialética pode limitar em certo sentido a compreensão das coisas.Talvez o uso da palavra possa,ele também, constituir uma limitação, principalmente quando se refere a temas como os sentimentos.

 

 

O neurobiologista português radicado nos Estados Unidos, António Damásio, distingue em uma de suas obras literárias emoções e sentimentos, definindo as primeiras como “ações ou movimentos, muitos deles públicos, que ocorrem no rosto, na voz ou em comportamentos específicos”, enquanto os sentimentos, “pelo contrário, são necessariamente invisíveis para o público”, são “a propriedade mais privada do organismo em cujo cérebro ocorrem”.

 

É com base em minhas experiências pessoais em diálogo com pressupostos teóricos estrangeiros que venho buscando na neurobiologia, bem como no campo da filosofia, que defendo a ideia de que a isso que alguns preferem se referir com o nome de “Deus”, reside no indizível.Mas é uma tendência humana natural a recorrência a palavra: tornar o incompreensível, de alguma forma, compreensível, e não só isso, dizível.Mas a “isso” eu prefiro reservar-me o direito de manter o silêncio.Como já afirmei em outro post, vislumbro na natural tendência humana à representação um dos fatores de reforço à utilização de Deus – percebam, reduzido a condição de substantivo singular no gênero masculino e em grau singular – como artíficio a favor da nossa própria limitação.Mas é possível fugir dessa perspectiva ?

É o que busco ao manter o indizível no lugar que lhe julgo devido, no âmbito do indizível, irrepresentável, inalcançável, inexpressável.

Bibliografia recomendada:

*As citações às quais faço referência no presente post estão presentes em Damásio (2004), mas aconselho decididamente a leitura dos três livros que constituem a presente bibliografia:

1. DAMÁSIO,Antônio.O mistério da inconsciencia: do corpo e das emoções ao conhecimento de si.São Paulo:Cia das letras,2000.Trad.Laura Teixeira Motta.

2. DAMÁSIO,António R.O erro de Descartes:emoção,razão e o cérebro humano.São Paulo:Companhía das letras,2000.Trad.Dora Vicente e Georgina Segurado.

3. DAMÁSIO,António.Em busca de Espinosa:dor e prazer na ciência dos sentimentos.São Paulo: Companhia das letras, 2004

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Flash and Crash Days


Um tragicomédia multimidiático.Pudesse traduzir “Flash and crash days”, peça dirigida por Gerald Thomas entre 1992 e 1994, com poucas palavras, talvez seriam estas aquelas que constituem a primeira frase do presente post.
Um trabalho em família: a montagem, importante ponto na história recente do teatro brasileiro, trouxe ao palco as duas fernandas, a Montenegro e a Torres, que então eram respectivamente sogra e esposa de Gerald.Um work in process,  como característico de uma boa parte das experiências teatrais contemporâneas: Montenegro, lembrando dos “flash and crash days”, afirmou que durante o tempo que se mantiveram em cartaz ensaiavam oito horas por dia, de segunda a sexta, e o espetáculo continuou em constante construção.
É uma pena eu não ter podido assistir a esse espetáculo ao vivo.Resta se contentar com o que o vídeo pode proporcionar.Pena também é não ter encontrado o trecho da peça no qual Fernanda Montenegro representa sua morte e outras mais que gostaria de re-assistir e aqui postar.

Bergman e Grotowski: algo em comum

 

Eugenio Barba remete-se à Ingmar Bergman em suas lembranças pessoais quando afirma ter cogitado a possibilidade do encontro entre o cineasta e Grotowski em 1968, mas Bergman respondeu com uma carta gentil e breve na qual dizia estar ocupado.Depois Barba veio a saber que Bergman não nutria estima pelo diretor polonês.

Não obstante, é interessante notar que, na entrevista acima postada, Bergman afirma a importância de uma postura aberta junto ao grupo de trabalho articulada à sua autonomia enquanto diretor, princípio que podemos vislumbrar no pensamento grotowskiano.

Grotowski disse certa vez que "o diretor, enquanto orienta a inspiração do ator, deve ao mesmo tempo permitir ser orientado por ele", e ainda afirmou se interessar pelo ator "porque ele é um ser humano", e que, portanto, tomava o trabalho teatral como uma espécie de tentativa de "entender a nós mesmos através de outro homem, de encontrar-se nele".Bergman, na segunda parte da entrevista acima esposta - vide a segunda parte no youtube - também confessou seu interesse no comportamento humano.

Grotowski e Bergman.Duas personalidades tão singulares, e, quem diria, com algo em comum...

Ah, a entrevista está em inglês.Fica a dica pra quem compreende bem a língua inglesa.Aos demais, espero que este curto texto tenha servido de alimento às dúvidas motoras de nosso trabalho-em-vida.

Referências bibliográficas:

1. GROTOWSKI,Jerzy.Em busca de um teatro pobre.Rio de Janeiro:Civilização Brasileira,1976.Trad.Aldomar Conrado.

2. BARBA,Eugenio.A terra de cinzas e diamantes: minha aprendizagem na Polônia.São Paulo:Perspectiva,2006.Trad.Patrícia Furtado de Mendonça.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

José Saramago: Deus e o pecado como instrumentos de controle

José Saramago: A falsa democracia

Sementes

Ano passado foram Merce e Bausch.Esse ano, Kazuo, e, a poucas horas, Saramago.
O que dizer a respeito ?

A areia da ampulheta transparece algo de metafísico.Seja a morte, que revela a beleza da vida.
Ano passado foram Merce e Bausch.Esse ano, Kazuo, e, a poucas horas, Saramago.Não tenho nada a dizer.Talvez diante da morte o silêncio diga mais.Acho que a morte não cabe em palavras.Não cabe.Como não cabe a importância que Kazuo, Merce, Bausch, e, paradoxalmente, Saramago, detém.

Ninguém fica pra semente.Mas as sementes que plantamos na vida são mais fortes que a morte.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Dizer o indizível

 

É agora, aqui, sentado nessa cadeira em frente a esse computador, que me pego a tentar traduzir em letra aquilo que enquanto imaginado permanece em constante ebulição.No desmoronar do tempo, me descubro corrosão:construção.

Às vezes espanta-me a inconclusa conclusão de que eu, solitário em multidão, me faço, aqui e agora, somente e tão-somente no então, aquilo que sou: estou.

Não há portanto espaço para verdades absolutas.E mesmo que houvesse, fossem elas ditas em bom português, em tom coloquial ou acadêmico, tão logo desenhadas, transformariam-se em signo-sementes, convites a produção.

A linguagem corporal, por sua vez, também escorre no tempo.Porque o que é meu corpo senão matéria em degradação ?
Aqui, a letra, o rabisco, o desenho, e, mesmo aqui, ação.Ali, o gesto, o olho, o sangue, a baba, o sêmen: nunca o fim, construção.

Talvez seja, por isso, a dúvida, a única certeza.Dizer, no sentido de traduzir acertada e definitivamente aquilo que terminantemente queremos expressar pode não passar de uma utopia.A palavra tropeça na tentativa de dizer aquilo que está para além da palavra, principalmente quando tratamos de temas como Deus, vida, morte, desejos...O gesto, por sua vez, paira em meio ao espaço que o distancia – e nunca encontra – daquilo que ele espera.

Abracemos o caos meus amigos.Celebremos o deus tempo.Sejamos um estar constante.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Gerald Thomas e Paulo Autran



Vejam só o que acabo de encontrar vasculhando o nosso bom e não tão velho assim youtube.
Aproveitem o bate-papo.
Ah ! E recorram ao youtube para conferirem as quatro demais partes.

domingo, 13 de junho de 2010

Arte em lata:Manzoni e Warhol

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warhol-02X
A primeira obra é mais orgânica ?
É possível falar em "organicidade" nas artes plásticas ?
Seria o conceito de coerência, ou, talvez, coesão, possíveis co-relatos desse recorrente termo empregado nos discursos sobre a arte de ator ?


Seja como for, de Duchamp a Warhol continuamos construindo, ou seja, desconstruindo.

sábado, 12 de junho de 2010

Grotowski: Akropolis

Primeira parte da emblemática montagem teatral dirigida por Jerzy Grotowski nos anos sessentas a partir de um texto de Winspianski.Vídeo dividido em dez partes dispostas na lista de seis partes disponíveis no youtube (cliquem no título para re-direcionarem-se).


Direção: Jerzy Grotowski
Crítico Literário: Ludwik Flaszen
Cenografia:Josep Szajna e Jerzy Gurawski
Elenco: Zygmunt Molik, Rena Mireka, Antoni Jaholowski, Zbigniew Cynkutis, Mieczyslaw Janowski e Ryzard Cieslak.

Infelizmente o texto está em polonês.Àqueles que, como eu, não compreendem o idioma, resta apreciar o texto espetacular em sua riqueza imagético-sonora.


Bom apetite.

First part of the play directed by Jerzy Grotowski in the sixthies, based on a Winspianki drama.This video is divided in six parts disposed in the youtube (link embebed in the title of this post)


Directed by: Jerzy Grotowski
Literary critic: Ludwik Flaszen
Space design:Josep Szajna e Jerzy Gurawski
Cast: Zygmunt Molik, Rena Mireka, Antoni Jaholowski, Zbigniew Cynkutis, Mieczyslaw Janowski e Ryzard Cieslak.


Unfortunatelly, it's spoken in polish, but if you, as me, don't understand this idom, just apreciate the representation by it's image and sound anyway.


I hope you enjoy it.

Primera parte del espetaculo dirigido por Jerzy Grotowski en los sessentas.Hablado en polaco, pero puede gustar te las imagenes de la pelicula caso, como yo, no compreenda la lengua. El resto está disposto en el tube (link en el titulo de este post).


Dirigido por: Jerzy Grotowski
Critico literario: Ludwik Flaszen
Escenario de:Josep Szajna e Jerzy Gurawski
Actores: Zygmunt Molik, Rena Mireka, Antoni Jaholowski, Zbigniew Cynkutis, Mieczyslaw Janowski e Ryzard Cieslak.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Azia:

azia from jim kleist on Vimeo.

A mesa farta.Um jantar em família.Azia.

Recentemente tive a oportunidade de participar de uma oficina de realização em cinema promovida pela Kinoarte em parceria com o SESC Londrina/PR.O filme que vocês podem assistir no link acima postado é o resultado de um trabalho de grupo desenvolvido nessa oficina.Ainda que meu nome apareça na lista dos diretor da obra, quero aqui afirmar o aspecto coletivo que se fez presente no processo criativo do curta.

O cinema, independente de questões estéticas, sempre foi uma arte coletiva.Mas nesse caso, por se tratar de uma produção de custo extremamente baixo e para a qual tivemos um tempo incrivelmente curto para cumprir todo o plano de construção do discurso cinematográfico – dez dias, desde a pré-produção até o resultado final – o aspecto coletivo na criação foi ainda mais importante.Fosse possível titular a experiência recorrendo a uma máxima de conhecimento popular, talvez “a união faz a força” cairia bem, mas a união formada por individualidades.

Seria portanto incoerente não concluir este post agradecendo a cada um daqueles que se seguem e que, com suas características pessoais conseguiram criar a “tensão ideal” formada pelo conjunto de forças que possibilitaram a conclusão de mais este trabalho na minha carreira, na sua, na de todos nós: artistas – leia-se, pessoas – em construção:

Alexandre Simioni, Ana Lucca, Apolo Theodoro, Gabriella Delgado, Luiza Nogueira, Margarida Morini e Pedro Fontana, Diego Trevisan, Guilherme Ladenthin, Jeferson Torres, Márcio Diegues, Mark Claus, Nuno Theodoro, Thiago Freitas, Carolina Villaça, Fernanda Stein, Guilherme Mantovani, Guilherme Peretti, Jonas Marquezin, Nayara Coutinho, Paulo Yamagute, Rafael Souza, Guilherme Garcia, Franco Güidoni, Mariana Pereira, Danielle Maldonado, Débora Miller, Gabriella Delgado, Samantha Torres e Tatiana Ferreira, Anderson Craveiro, Bruno Gehring, Rodrigo Grota, Felipe Augusto, Guilherme Gerais, Evelyssa Sanches, Leonilde Maldonado, Roberta Takamatsu, Darci Piana, Paulo Cruz, e Cilas Fonseca Viana.

À todos o meu muito obrigado.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

É possível falar em uma dramaturgia da performance ? (Parte V: conclusão)


Por Lúcio Agra *
5.Arte ambiental, participação, performance.
Por outro caminho, Kátia Maciel aponta, eu um artigo recente, no qual descreve os processos implicados na série de instalações “Cosmococas” produzidas juntamente com Neville D'almeida, nos mesmos anos de Nova York, o caráter de conexão ao programa radical de participação do espectador, em um espaço ritual (o que para Renato Cohen, a partir de Beuys, é o tempo-espaço do mito), sentido último da possível idéia de performance para Hélio:
"Não se trata apenas de gerar uma situação, mas de fazer com que cada um viva novas sensações-cinema, como se mesmo dentro de um grupo cada participador pudesse escolher seu filme. Neste sentido, se desconstrói a idéia de um publico uno e silencioso diante de narrativas que lhe são estranhas e cria-se um cosmos de sensações produzidas primeiro pelo e no corpo de cada integrante das experiências que se desenvolvem. Quando Hélio utiliza em suas anotações a palavra performance parece se referir a este tipo de experiência única a ser experimentada a cada sessão. (...) sentado, deitado ou pendurado na rede, é no seu corpo que o dispositivo cinema se atualiza". (MACIEL, 2007: 172)
O ambiental do Cosmococa de Hélio é a possibilidade de prover o espaço mediante o qual se produza a idéia de um espectador emancipado como bem recentemente Jacques Rancière buscou defender (RANCIÈRE, 2008). Este, por seu turno, parece ecoar a reivindicação contra a condenação feita pelo Modernismo ao ato contemplativo, tornado obsoleto. A princípio parece bem contraditório que depois de dizer tudo o que disse eu resolva questionar, como em determinado momento nosso visitante alemão o fez, a nossa compulsão pelo participativo, de algum modo demonstrando que aquele apelo à ação do espectador, nos anos 60, deveria ser posto entre parênteses, em nome de um possível lado bom no ruhig sein , no estado de contemplação. Lehman defendeu uma atitude menos invasiva dos teóricos que não deveriam prescrever e sim observar o fim do teatro como obra completa e acabada. Ora, não conseguiria expor aonde quero chegar sem que deixe de recorrer a alguns trechos longos de citação de Rancière que entretanto podem talvez resolver o dilema e manter a atualidade da proposta de Oiticica:
“Mas não poderíamos inverter os termos do problema ao perguntar se não é justamente a vontade de suprimir a distância que cria a distância? O que permite declarar inativo o espectador sentado em seu lugar senão a oposição radical, previamente colocada, entre ativo e passivo? Por que identificar olhar e passividade, senão a pressuposição de que olhar quer dizer se submeter à imagem e à aparência, ignorando a verdade que está por trás da imagem e a realidade exterior ao teatro? Por que assimilar escuta e passividade senão pelo preconceito de que a palavra é o contrário da ação? (...) Dessa forma desqualificamos o espectador porque ele não faz nada enquanto que os atores na cena ou os trabalhadores lá fora põem seus corpos em ação. (...) Os termos podem mudar de lugar ou sentido, o essencial é que permanece a estrutura que opõe duas categorias, aqueles que possuem uma capacidade diferem daqueles que não a possuem.”
Mas, logo em seguida, prossegue Rancière:
“A emancipação começa quando voltamos a por em questão a oposição entre olhar e agir, quando compreendemos que as evidências que assim estruturam as relações do dizer, do ver e do fazer pertencem elas mesmas às estruturas de sujeição” (RANCIÈRE, 2008:19) Foi precisamente esta descoberta a que Hélio Oiticica fez e descreve em seu texto sobre a dança. Percebe Hélio que “olhar também é uma ação” como diz ainda Rancière “que confirma ou transforma essa distribuição de posições” (idem) Se tranforma, digo eu, o faz deslocando o olhar para uma observação que também é ação participante. O espectador (e também o aluno, o estudante) diz Rancière “participa na performance ao refaze-la à sua maneira” – e, aqui, acho que é possível fazer nexo com o projeto Cosmococa – “ao se despir por exemplo da energia vital que esta possa transmitir para fazer dela uma pura imagem e associar essa pura imagem a uma estória que ele possa ter lido ou sonhado, vazia ou inventada. É um espectador distante e ao mesmo tempo um intérprete ativo do espetáculo que lhe é proposto” . Os ambientes da proposta de Hélio e Neville ativam esse olhar que não se conforma com a contemplação e compõe “seu próprio poema” (idem, ibidem).
Penso ser possível conectar todos estes aspectos em torno a uma idéia de experiência que torna o artista alguém que produz uma “forma de consciência” (RANCIÈRE, 2008:20). É esse emergir de um processo que ultrapassa a dualidade subjetivo/objetivo, que enfatiza um caráter de experiência estética mais como vivência e menos como representação (em que pese, naturalmente, todos os sentidos do drama social, como querem as vertentes da antropologia que trabalha com a performance) , que torna obsoletas as barreiras definidas pelo que antes sustentava o etnocentrismo, o colonialismo, as visões conservadoras da sexualidade, é esse conjunto que me parece espraiar-se na generalidade contraditória do contemporâneo ao mesmo passo que comparece, com ainda outros tantos aspectos, na performance.
Ligo essa constatação às respostas de Lehman a questões da platéia nas quais dizia lhe parecer que não haveria retorno possível ao dramático para que possa, assim, também eu, responder à minha própria pergunta, àquela que disse querer atender com sinceridade: é possível falar de uma dramaturgia da performance? A resposta ainda poderia ser conciliadora, ao dizer que nós falamos disso aqui. Mas se a pergunta fosse sobre a possibilidade de uma dramaturgia da performance, temo que minha resposta possa ser simplesmente não.
Referências bibliográficas
COHEN, Renato (1989) Performance como linguagem São Paulo, Perspectiva, col. Debates.
FABIÃO, Eleonora (2008) “Performance e teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea” in revista sala preta no. 8. SP, ECA- USP, programa de pós-graduação em artes cênicas.
GOLDBERG, RoseLee (2006) A arte da performance SP, Martins Fontes, tradução de Jefferson Luiz Camargo, revisada por Kátia Canton.
GOLDBERG, Roselee Performance – Live Art since the 60s London, Thames & Hudson, 2004.
LEHMAN, Hans-Thies (2007) Teatro pós-dramático SP, Cosac & Naify, trad. Pedro Sussekind

MACIEL, Kátia “ ‘O cinema tem que virar instrumento’ as experiências quasi-cinemas de Hélio Oiticica e Neville d’Almeida” in: BRAGA, Paula Fios Soltos: a arte de Hélio Oiticica SP,Perspectiva, 2007
OITICICA, Hélio (1986) Aspiro ao grande labirinto Rio, Rocco.
PAVIS, Patrice (1999) Dicionário de Teatro SP, Perspectiva, trad. sob a supervisão de J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira.

RANCIÈRE, Jacques (2008) Le spectateur émancipé Paris, ed. La Fabrique.

SZONDI, Peter (2001) Teoria do drama moderno (1880-1950) SP, Cosac & Naify, trad. Luis Sergio Repa.

* Lucio Agra - Natural de Recife, PE, cresceu em Petropolis, Rio de Janeiro, e há mais de 10 anos radicou-se em São Paulo. Fez teatro amador, graduou-se em Letras na UFRJ e concluiu seu Mestrado e Doutorado em Comunicação e Semiótica na PUC-SP, onde até hoje trabalha,como Professor Adjunto do Departamento de Linguagens do Corpo. Colaborou com Renato Cohen (1956-2003)desde 1997 tanto artisticamente quanto como membro da equipe de professores de performance da Graduação em Comunicação das Artes do Corpo. Como performer, desenvolveu pesquisa em torno aos trabalhos de Kurt Schwitters(1887-1948), apresentando sua "Ursonate" em 2000, 01, 02, 03, 07 e 08. Desenvolveu, em paralelo, um "mix" de performance, sound poetry e improviso musical livre com os grupos (demo)lição (Paris, Montevideo e São Paulo, 2007/08) e Orquestra Descarrego. Autor de Selva Bamba (poemas, 1994), História da Arte do séc. XX - Idéias e Movimentos (ensaio, 2006) e Monstrutivismo - reta e curva das vanguardas (no prelo). Prepara novo livro sobre a performance no contemporâneo
Nota:
Exponho aqui o discurso de Agra a fim de fomentar o estudo da perfórmance e suas relações com o teatro pós-dramático, mas as opiniões manifestas pelo autor em seu discurso não representam, necessariamente, as mesmas do responsável pelo presente blog.

sábado, 5 de junho de 2010

É possível pensar em uma dramaturgia da perfórmance ? (Parte IV):E a dramaturgia performática ?


Por Lúcio Agra*
4. E a dramaturgia performática?
Buscando um caminho diverso, e sem aludir necessariamente a nenhuma noção mais explicitada de dramaturgia, Eleonora Fabião descreveu em texto recente uma possível articulação entre dramaturgia e performance que me pareceu ter um pouco a ver com a famosa idéia de Eugenio Barba de dramaturgia como sequencia de ações. Diz a pesquisadora carioca: “Sugiro que podemos encontrar em programas performativos alguns elementos dramatúrgicos discerníveis. Porém, vejase bem, restrinjo-me a apontar tendências gerais, pois considero vão, mesmo equivocado, fazer qualquer esforço no sentido de definir o que seja 'performance'” As “tendências dramatúrgicas” propostas são em torno de 15 e, na verdade, podem também ser vistas como traços distintivos (daí a advertência da autora) que vão do “estreitamento entre ética e estética (sempre)” à “ritualização do cotidiano e a desmistificação da arte” , do “desinteresse em performar personagens fictícios”, passando pela “aceleração/desaceleração da noção de identidade” ao “investimento em dramaturgias pessoais, por vezes biográficas” (FABIÃO, 2008:239).
Perspectivas semelhantes são apontadas por vários outros autores, nem sempre com essa alusão ao termo “dramaturgia”. Se, por um lado, me parece possível que, mesmo com todo o processo produzido pelos alemães que já mencionei acima, haja algum espaço para derivações de uma narratividade já totalmente desmantelada, por outro fico desconfiado, devo confessar, com a insistência com que se tenta manter viva esta denominação.
Para que possa vir em meu auxílio algum outro ponto de vista que possa corroborar o meu, lanço mão de Gertrude Stein (cuja idéia de peça-paisagem é explorada por Lehman ao afirmar que ela nada mais faz do que transpor para o teatro sua lógica artística (LEHMAN, 2007:105) Eis uma autora que foi intensamente lida por Hélio Oiticica, artista brasileiro que antecipou alguns dos temas mais discutidos na arte de hoje, dentre eles a propensão ao desenvolvimento daquilo que Nicolas Bourriaud vem defendendo sob o nome de “estética relacional” (e à qual, na mesma palestra mencionada, Lehman contrapôs uma noção de focalização, um teatro que fosse uma espécie de foco a iluminar as surpresas que não percebemos no cotidiano).
Para Hélio Oiticica, sobretudo a partir de 1964, quando conhece o morro da Mangueira, no Rio de Janeiro, a arte passa a ser um estado propositivo. O autor é um propositor e o espectador um participador. Proposições práticas em aberto. Essa é a idéia que comparece na primeira série de trabalhos que traduzem este “programa in progress” (expressão dele), que é o Parangolé. Me eximo de citar, mais uma vez, o seu famoso texto “anotações sobre o parangolé” (1965, que sucede “bases fundamentais para a definição do parangolé”, do ano anterior), mas gostaria de me concentrar em outras notas, também de 65, intituladas “A dança na minha experiência” (OITICICA, 1986). Neste texto o que Hélio assevera é que a aproximação com “a dança, o ritmo” (sempre vêm juntas para ele) cumpria uma “exigência de desintelectualização”. “A dança é a busca do ato expressivo direto, da imanência desse ato”. Estabelece uma distinção entra a dança clássica e a “dionisíaca” “que nasce do ritmo interior do coletivo”. Será certamente este sentido que lhe permite aceitar o trânsito entre um ambiente coletivo como o da Mangueira e confinamento mais solitário de um loft novaiorquino a partir dos anos 70. No segundo espaço, embora distante da dimensão coletiva da escola de samba, é possível para Hélio vivenciar a ação democrática da dança no rock. Ele mesmo considerava esse gênero musical muito mais inclusivo que o samba, por sua vez mais exigente em relação a uma competência prévia. “Até inglês dança rock” constumava dizer Hélio.
Tanto o rock como outras formas artísticas que emergem e se consolidam no trânsito 60-70 como o vídeo e a performance parecem ter em comum este novo tratamento do corpo que, como se sabe, contaminou não só as artes visuais (forjando o conceito de Arte Participativa, recentemente historiado em exposição) mas principalmente no teatro e na dança. A difícil separação que, desse ponto de vista, passa a haver entre o teatro e dança produzidos na época e a própria performance faz com que Lehman, por exemplo, precise frequentemente recorrer aos exemplos desta última para falar do pós-dramático assim como a pesquisadora e crítica americana Roselee Goldberg coloca em mais de um de seus livros a presença dos experimentos de Yvonne Reiner, Trisha Brown, Twyla Tharp de um lado e de outro Robert Wilson, Wooster Group, Performance Group e outros, na conta geral da diacronia da performance (GOLDBERG, 2006 e 2004). O que se passava, porém, é que cada vez mais as formas teatrais e da dança3 se deixavam contaminar com aqueles elementos cotidianos que, aleatoriamente, citei a partir de Eleonora Fabião, da sua lista de quinze e que se constituíam em buscas radicais pelo movimento cotidiano, impiedosa dissolução do diálogo (mesmo aquele, totalmente descarnado em Beckett que é mencionado por Szondi), investimento em um desabrido non-sense, agudo desinvestimento do virtuosismo e desafiador apreço pelo idiossincrático e, no limite, até, a pura idiotia, ou em rituais sem Deus, como diria Renato Cohen, ações carregadas de profundos simbolismos em um extremo ou caricatas formas de autoridicularização e auto-depreciação quando não mesmo uma desconfiança da própria possibilidade do fazer artístico.
Naquele mesmo texto, na parte que dele mais me agrada, Eleonora Fabião descreve com palavras simples dezessete performances bem conhecidas, usando uma descrição direta: “a história do homem que empurrou um bloco de gelo pelas ruas da Cidade do México até seu derretimento completo” “a mulher que convidou os espectadores a usarem nela, enquanto se manteve passiva por seis horas, inúmeros objetos” e assim vai (FABIÃO, 2008: 235/36) São exemplos de ações comuns que não podem ser senão descritas mas cuja densidade vivida ultrapassa de longe a mesma descrição. Pois Hélio Oiticica diz, no texto já referido, que na Mangueira descobriu “a conexão entre o coletivo e a expressão individual – o passo mais importante para tal – ou seja, o desconhecimento de níveis abstratos, de 'camadas' sociais, para uma compreensão de uma totalidade.” (OITICICA, 1986:73).
2 Em texto recente, Frederico Oliveira Coelho sugere outra hipótese: “Se no primeiro momento oi seu corpo que absorveu sua intensidade, no momento do exílio, em que a Mangueira nada mais é que uma ausência, foi a capacidade de fabulação de Oiticica que a manteve viva.” COELHO, Frederico Oliveira “Hélio Oiticica – um escritor em seu labirinto” disponível em http. A tese do texto, porém, visa demonstrar o papel fundamental da escrita – performática, assinalaríamos – de Hélio em sua obra.
3 Há toda uma linha de autores que busca trabalhar uma noção de dramaturgia para a dança – mesmo contemporânea – baseada na noção de “composição de açoes” (ver, a esse respeito, HERCOLES, Rosa “Epistemologias em movimento” (original inédito).

* Lucio Agra - Natural de Recife, PE, cresceu em Petropolis, Rio de Janeiro, e há mais de 10 anos radicou-se em São Paulo. Fez teatro amador, graduou-se em Letras na UFRJ e concluiu seu Mestrado e Doutorado em Comunicação e Semiótica na PUC-SP, onde até hoje trabalha,como Professor Adjunto do Departamento de Linguagens do Corpo. Colaborou com Renato Cohen (1956-2003)desde 1997 tanto artisticamente quanto como membro da equipe de professores de performance da Graduação em Comunicação das Artes do Corpo. Como performer, desenvolveu pesquisa em torno aos trabalhos de Kurt Schwitters(1887-1948), apresentando sua "Ursonate" em 2000, 01, 02, 03, 07 e 08. Desenvolveu, em paralelo, um "mix" de performance, sound poetry e improviso musical livre com os grupos (demo)lição (Paris, Montevideo e São Paulo, 2007/08) e Orquestra Descarrego. Autor de Selva Bamba (poemas, 1994), História da Arte do séc. XX - Idéias e Movimentos (ensaio, 2006) e Monstrutivismo - reta e curva das vanguardas (no prelo). Prepara novo livro sobre a performance no contemporâneo

Cursos do LUME em Londrina:

 

A Divisão de Artes Cênicas da Casa de Cultura -UEL, promove workshops do LUME em Londrina

Confiram abaixo:

- O Palhaço e o Sentido Cômico (Ministrante: Ricardo Puccetti)

Para o LUME o palhaço não é um personagem, mas a dilatação da ingenuidade e do ridículo de cada um de nós, revelando a comicidade contida em cada indivíduo. Portanto, todo palhaço é pessoal e único.

Desta forma, através de uma metodologia desenvolvida pelo próprio LUME, este workshop possibilita que os aspirantes a palhaço entrem em contato com aspectos “ridículos e estúpidos” de sua pessoa, normalmente não expostos durante a vida cotidiana.

É um processo de iniciação que permite uma primeira vivência da utilização cômica do corpo, que é particular e diferente para cada um; a descoberta do ritmo (tempo) pessoal e um contato inicial com a lógica de cada palhaço, ou seja, sua maneira de ação e reação frente ao mundo que o cerca. No programa do curso constam ainda noções de treinamento técnico para o ator.

- Voz e Ação Vocal I (Ministrante: Carlos Simioni)

A oficina trabalha a voz como corpo. Primeiro desenvolve-se a estrutura física muscular da voz. Entende-se como estrutura corporal para a voz a ativação da musculatura, o controle dos impulsos oriundos do trabalho energético, a construção do corpo dilatado e sua presença cênica e a distribuição da energia para o espaço. A partir desta estrutura fixada, encontra-se a musculatura necessária para descobrir os ressonadores vocais, a vibração da voz, a voz e a dimensão física da voz dilatada de cada ator.

Ambos os cursos acontecerão entre 23 e 28 de agosto no período da tarde, na Divisão de Artes Cênicas - Casa de Cultura-UEL.

Interessados devem mandar um e-mail com uma carta de interesse para contatos@lumeteatro.com.br de 01/06 até 20/06

A seleção dentre 20/06 a 25/06

Valor de cada curso: R$480 (podendo dividir em até 3 parcelas de R$160)

Data de pagamento pagamentos: 1° Parcela - 05/07;

                   2° Parcela - 05/08;

                   3° Parcela -  no primeiro dia do curso

O N°da conta onde se deve depositar as parcelas será enviado para os selecionados a partir do dia 25/06

Esperamos nos reencontrar em breve!

Abraços

Equipe do LUME Teatro

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Jim Duran em apresentação única no Belas Artes:

pra teste 2

O poeta beat tupaense – se é que é possível conferir alguma origem a esse cara – Jim Duran, apresetar-se-à no próximo dia 11, a partir das 19h, na livraria Belas Artes, em Tupã – SP.

Duran já passou diversas vezes pelo teatro e cinema, mas seu maior tesão são as letras.Aliás, tesão é uma palavra que cai bem.Amante de um bom whisky, o poeta não se engana em sua loucura, esta é bem consciente.Lembro-me de noites regadas a um bom violão, algumas doses e poemas que varavam a madrugada tupaense em anos idos.

Hoje Duran está se graduando no curso de letras da FAP e recentemente se apresentou na virada cultural.É amigo de Bukowski, Baudelaire, Morrison, Raul e outros tantos que esse cara já transou ao longo da carreira…

E por falar em carreira, tome você a sua, mas seja lá qual for, desvia o rumo aparentemente certo da rotina e vá lá prestigiar o Jim.Eu recomendo.

Ah, e àqueles que preferem o romantismo barato, um aviso: isso não é amor, é blues.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

É possível falar em uma dramaturgia da performance ? (Parte III)


Por Lúcio Agras*
3. E o drama?
Ora bem, e como então o Dicionário do Teatro vai tratar o Drama? Os tradutores apressamse a advertir para a diferença entre as acepções “brasileira” e “americana” do termo; a primeira, opõe este à comédia, enquanto a segunda remete ao psicológico. Na prateleira das locadoras, por exemplo, esta imagem do senso comum vem mixada de modo a localizar o “drama” como gênero sério, com narrativa de princípio-meio-fim – nessa ordem – e que, portanto, é mais exigente com o espectador do que o filme de ação ou a comédia, o terror ou o menos prestigiado western, o infantil ou o pornô, todos devotados ao entretenimento. Na locadora, o drama é nobre e acima dele somente, no caso de alguns selecionados estabelecimentos, as incríveis rubricas de “arte” ou “cinema europeu”. Segundo ainda Pavis, o drama é burguês para os franceses do século dezoito e romântico e lírico para os do dezenove. Do drama como gênero redentor, no romantismo, já se falou aqui mas além disso há a presença inaudita da artificialidade lírica do drama simbolista (Mallarmé ou Maeterlinck), muitas vezes, nesse caso, produzindo textos difíceis de obedecer àquele preceito de teatralidade antes aludido.(PAVIS, 1999:109). Da mesma forma que Pavis, Lehman se interessa pela emergência destes gêneros estranhos em fins do século dezenove e início do vinte. O melodrama do século dezoito ou o litúrgico medieval renderam formas que os reelaboram séculos mais tarde, o que faz com que Lehman afirme, recorrendo a observações antes lançadas por seu mestre Szondi:
“É elucidativo o comentário do autor sobre a prática cênica simbolista no exemplo do drama lírico A guardiã de Régnier. O poema era lido por atores que se encontravam no fosso da orquestra, invisíveis para o público, enquanto a ação se desenvolvia no palco em pantomima, por trás de uma cortina de tule. Por um lado se tratava da idéia ousada e natural de 'cindir movimento e fala' e mediante essa 'dissociação de acontecimento cênico e palavra' tomar distância da tradicional 'concepção das dramatis personae como figuras definidas, fechadas em si mesmas'. Por outro lado, essa decomposição do modelo dramático só poderia se justificar completamente se houvesse uma consequente renúncia de uma ilusão de uma realidade reproduzida, o que só ocorreria mais tarde, na forma teatral pós-dramática.” (LEHMAN, 2007:99)
Estas observações se encontram no início de uma passagem do livro em que se anuncia “uma breve retrospectiva das vanguardas históricas”, parte da pré-história do fenômeno que o livro busca diagnosticar, o pós-dramático. Os demais capítulos ou traçam um panorama do que seria passível da denominação ou enfocam aspectos constituintes (texto, espaço, corpo, tempo, mídias) além do próprio drama. Não deixa de chamar a atenção que no meio de tais categorias, abra-se um espaço para uma outra linguagem (não a dança, ou o circo, ou a mímica), a performance. Minha sensação – que apresentei em uma aula para a qual fui convidado a falar, já há algum tempo mas que permanece viva – é a de que um nexo mais do que evidente liga essa teatralidade contraditoriamente não teatral, o abandono da racionalidade dramática (baseada num especial tom narrativo que se compadria com o romance e a novela) e a performance. Em outros termos, e ecoando a máxima de Ezra Pound de que a poesia está mais próxima das artes plásticas e da música que da literatura, tenho a sensação de que o drama é prosa e a performance transa com a poesia.
Admito que o caminho que estou escolhendo é bem tortuoso e que pode não avançar tanto em relação ao que os mestres desta pesquisa, aqui citados, já apresentaram. Devo, sim, admitir que Szondi já demonstra o quanto o destroçamento do dramático se dá no Teatro Moderno, de Maeterlink a Piscator, o quanto Pavis admite que há um progressivo abandono do papel categórico da urdidura dramática, sucessivamente narrativa (clássica), brechtiana (na qual o modelo ideológico buscava o exame da “articulação do mundo e da cena, da ideologia e da estética”) e pósbrechtiana (anos 90) (PAVIS, 1999:113/14), muito embora me pareça que ainda hoje, para muitos, dramaturgia possa significar, assim o define o mesmo autor, “o conjunto das escolhas estéticas e ideológicas que a equipe de realização, desde o encenador até o ator, foi levada a fazer” (idem).
Mas foi uma passagem precisa dos comentários iniciais de Lehman sobre as vanguardas que me suscitou uma inquietação cujo eco pretendo referenciar. Pois diz ainda este, no trecho que já mencionei acima, e, por sua vez, também citando Szondi, quando apresenta a justificativa do fracasso do drama lírico simbolista baseada na contradição entre recursos ilusionistas “que davam uma aura de mistério às vozes” e o antiilusionismo do conflito entre imagens e texto:
“Ao olhar para o passado sob a perspectiva do atual 'teatro high-tech', pode-se cogitar se a
curta existência do drama lírico não estaria também associada ao fato de que não estavam
disponíveis as condições técnicas para conferir suficiente densidade à poesia cênica, de modo
que a palavra poética e a realidade cênica não se tornasse tão irremediavelmente conflitantes
entre si” (LEHMAN, 2007:99)
Ao que parece, isto explica, em grande medida, o que irá se desenvolver em poéticas teatrais-performáticas como as de Robert Wilson, Laurie Anderson e equivalentes, todos habitantes da fronteira cênica que mistura multimídia, performance e tecnologia (penso também no caso de Lepage) mas que geralmente não abdicam do palco tradicional.
Lucio Agra - Natural de Recife, PE, cresceu em Petropolis, Rio de Janeiro, e há mais de 10 anos radicou-se em São Paulo. Fez teatro amador, graduou-se em Letras na UFRJ e concluiu seu Mestrado e Doutorado em Comunicação e Semiótica na PUC-SP, onde até hoje trabalha,como Professor Adjunto do Departamento de Linguagens do Corpo. Colaborou com Renato Cohen (1956-2003)desde 1997 tanto artisticamente quanto como membro da equipe de professores de performance da Graduação em Comunicação das Artes do Corpo. Como performer, desenvolveu pesquisa em torno aos trabalhos de Kurt Schwitters(1887-1948), apresentando sua "Ursonate" em 2000, 01, 02, 03, 07 e 08. Desenvolveu, em paralelo, um "mix" de performance, sound poetry e improviso musical livre com os grupos (demo)lição (Paris, Montevideo e São Paulo, 2007/08) e Orquestra Descarrego. Autor de Selva Bamba (poemas, 1994), História da Arte do séc. XX - Idéias e Movimentos (ensaio, 2006) e Monstrutivismo - reta e curva das vanguardas (no prelo). Prepara novo livro sobre a performance no contemporâneo

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Atividades formativas do FILo 2010

Abertas as inscrições para as atividades formativas do FILo em http://www.filo.art.br/atividades

 

A bomba atômica não destruiu apenas Iroshima e Nagazaki, ou mesmo o Japão, ou as vidas de uma multidão ainda anônima à maioria de nós, sua tatuagem na história é mais profunda e, talvez – sublinhemos esse talvez - indigesta.

Slavoz Ziziek disse certa vez numa palestra disponível no youtube – mas me falha à memória o link – que podemos conceber o homem pós-moderno como alguém que experiencia um estado pós-traumático.Ele usou como imagem metafórica para representar essa condição, a de uma crianca recém estuprada que permanece condenada a uma espécie de fim que se prolonga no tempo.

 

Se assumirmos essa condição, fica uma questão: como representar o nada, ou melhor, como representar o fim da representação ? Não meus amigos, um suicídio não é uma boa ideia – ao menos não é original – já o fizeram antes: tudo novo, nada novo.

Quando as palavras não mais dizem e o silêncio não mais grita, resta-nos assistir o ecoar de um fim que não conclui-se? Estaríamos vivendo em uma era apocalíptica, pós-apocalíptica, ou … sei lá, inventem um  nome ! Mas seria possível inventar um ? Será que todos os nomes já não foram criados ? Pouco importa.

A palavra, o gesto, o som, apontam para o além da palavra, do gesto, do som.À verdade oponho uma outra palavra, utopia: sinônimos.De qualquer forma, tanto faz.As palavras, os gestos, os sons, não cabem em si,apontam para o além, e sempre além …

… e, no entanto, Hamlet continua a ler: palavras, palavras, palavras, palavras …

É possível falar em uma dramaturgia da performance ? (Parte II)

2. a invenção da dramaturgia
Escolhi responder a pergunta ao final de minha fala pois penso ter que tecer algumas considerações antes, e mesmo que os mantenha em suspenso, na expectativa de uma solução, espero que venham a entender melhor as justificativas para o que se dirá e mesmo para a estratégia em si.
De imediato talvez seja possível dizer que a dramaturgia é uma invenção da arte teatral. A recentíssima visita de Hans-Thies Lehman, no contexto da 5a Reunião Científica da ABRACE, em São Paulo, veio a reforçar essa que me parece, com meu olhar de fora, uma afirmação verdadeira. Não faltaram momentos na fala do pesquisador alemão que enfatizassem o arco histórico que marca, segundo sua perspectiva, a era do teatro dramático (do século XVI ao XIX), perspectiva que, como se sabe, Lehman herdou de seu mestre Peter Szondi, cuja monumental obra historiográfica ele confrontou com seu Teatro pós-dramático (LEHMAN, 2008) Szondi assevera, no início do capítulo
Os comentários sobre a invenção são feitos pelo próprio Hélio no filme HO de Ivan Cardoso (1979), realizado um ano antes da morte do artista. “Experimentar o experimental” é, além de uma expressão comum nele, o título de um conjuntos de proposições esboçadas em um texto-manifesto.
“O drama”: “O drama da época moderna surgiu no Renacimento” (SZONDI, 2001:29).
Lehman em sua palestra assinalou, a certa altura, a distinção entre teatro e teatro dramático, e mesmo entre a tragédia grega e o teatro. Ao abandonar o drama, o teatro contemporâneo torna-se “performático” (como quer Josette Féral em alternativa à percepção de Lehman (FÉRAL, 2008) o que leva aquele a afirmar que o que se encerra, o vanishing point do teatro é o dramático. Diante dessa perspectiva se colocam duas alternativas para a performance: ou ela é o que de fato venceu ou ela deixa de fazer sentido como alternativa, sugada para dentro de um novo tipo de teatro. Esta reflexão, devo dizer, me assustou bastante, mas como o que a suscitou é muito recente, prefiro deixá-la de lado por enquanto para enfatizar a premissa que a orienta. Esta, por sua vez, consiste na constatação de que a performance poderia ser vista como o lado de fora do teatro dramático e que portanto há total incompatibilidade entre dramático e performático.
Entretanto é evidente que estamos falando de abstrações: qual teatro, qual performance, qual drama? E, mesmo antes, talvez seja conveniente advertir para a diferença entre dramático e dramaturgia. Aqui busco auxílio de uma visão canônica, por assim dizer. Ela me oferece um olhar “com escala”. Por isso recorro a algumas das definições de Pavis, cujo afã dicionarizante conduz a possibilidades interessantes de pensamento a partir de suas afirmações. Por exemplo, Pavis define “teatral” como “que se adapta bem às exigências do jogo cênico”. (PAVIS, 1999:371, segundo sentido). Por esse ponto-de-vista, a distância é brutal. A inadaptabilidade seria precisamente um traço distintivo para a performance. Somente se considerar o terceiro sentido (pejorativo), a performance pode se imaginar próxima desta noção de “teatral”.
Nas páginas seguintes, não obstante, Pavis lexicaliza a noção de “teatralidade” e vê a possibilidade de que se oponha ao “texto dramático lido ou concebido sem a representação mental de uma encenação” A teatralidade, nesse caso, “é o teatro menos o texto” como Pavis afirma, a partir de Barthes. Assim texto e texto dramático passam a ocupar o mesmo espaço, quase como se este fosse uma espécie de mal necessário à ação que se bastaria por sua materialidade. E isto torna o problema mais interessante e complexo na medida em que sabemos que a busca dessa materialidade se organiza especialmente em experiências como as de Grotowski ou Kantor e que para o primeiro (bem como para o segundo) o performer pode ser mais do que a mera alternativa de denominação da figura do ator. E portanto, desse modo o que vai progressivamente derrogando a forma do teatro dramático é o abandono inclemente do texto ou a sua colocação em outra esfera de presença no palco.
Isto não parece divergir essencialmente das idéias de Lehman. Nas minhas notas de sua conferência registrei algumas coisas nesse sentido. Primeiro, uma afirmação: “Um pensamento se altera em cena. O pensamento, no teatro, sempre se tranforma em jogo”; e, mais adiante, considera – embora eu talvez modifique um pouco os termos que usou – que uma pseudofilosofia ou pseudopoesia podem ficar muito boas no palco (um pouco o que costuma se passar na canção popular; dizia Décio Pignatari a propósito das letras de Torquato Neto que eram fracas quando lidas e fortes quando cantadas). O que vale é a teatralidade, portanto. O que confere sentido. Seria esse gesto de desnudamento dramático uma espécie de aceno ao mínimo essencial do teatro, sua medula? Mas eu disse que esse princípio econômico é próximo à performance.
Há aqui uma co-respondência entre planos diversos que se intercomunicam: texto, drama, pensamento. Este último, na tradição ocidental “do Renascimento à Arte Moderna” (arco proposto por Lehmann na Palestra, seguindo Szondi) se consubstanciou na palavra e produziu a narrativa, além da filosofia. O gênero dramático – visto no Romantismo como síntese de ultrapassagem – é um dos fios condutores deste poder verbal. O texto, retorcido, vilipendiado, relativizado e mesmo abandonado na tradição dramática moderna e na pós-dramática é ainda assim, para Szondi, uma espécie de reserva de manutenção do drama que entra em conflito com o teatro puro, ato ou ação cênica.
Em Szondi, o que chamamos de “texto” se estrutura sobretudo em torno de uma certa noção fixa de diálogo. Isso é a essência do drama. É a crise dessa noção que faz a trinca da modalidade criativa gerada pelo teatro dramático. Por sua vez esta crise resulta de outra, mais profunda e filosófica, que diz respeito à relação cada vez mais problemática entre forma e conteúdo. José Antônio Pasta Júnior, prefaciador da edição brasileira do livro de Szondi sobre o Drama Moderno observa: “...o procedimento de Szondi será o de examinar sistematicamente a contradição crescente, nas peças, entre a forma do drama, presente nelas como modelo não diretamente questionado, e os novos conteúdos que elas tratam de assimilar” (PASTA JR. in SZONDI, 2001:14) Isto se passa na dramaturgia de fins do século dezenove quando “uma forma estabelecida e não questionada é posta em questão pelos conteúdos que trata de assimilar, mas que já são incompatíveis com seus pressupostos.” (Idem, pg. 12) As alternativas ao impasse, ainda segundo Pasta Jr., oferecem tentativas de
“solucionar a crise do drama assumindo como elementos temáticos e formais, tão
plenamente quanto possível, os elementos contraditórios em cuja emersão ela se manifesta
e, assim procurando recuperar para o teatro uma integridade estética à altura dos impasses
que ele defronta” (Idem pg. 17)
Acho muito sintomático a relação que Szondi sugere dos que se esforçam por atingir esse nível inclua alguns dos encenadores que acabam por figurar nas antologias de precursores da performance, como é o caso de Erwin Piscator. Seja pelo uso do cinema em suas montagens, seja pelo que Szondi chama de “tempo da 'revista'” (do teatro de variedades, ou do music-hall) usam-se sequências que têm que ver muito mais com um tempo fragmentado – por vezes enérgico – que aparece em todo o universo do consumo e que, ainda assim, também é reciclado e reinstituído como narrativa linear no cinema blockbuster, algo que o estudo de Szondi não estava apto a alcançar.
O diálogo, para Szondi, é o senhor absoluto do drama e, portanto, “ele não conhece senão o que brilha nessa esfera” (SZONDI, 2001:30). A partir desse princípio norteador, o que se dá no século dezenove são tentativas de ultrapassar a clausura estética clássica que conseguem, de acordo ainda com o estudioso alemão, manter próximo o processo dramático. Em Tchekhov de As 3 irmãs, por exemplo, os diálogos não deixam de existir mas constituem-se em monólogos que se somam às situações por eles construídas. Já em Maeterlinck aprofundam-se recursos de concepção de cena e narrativa que produzem o estranho fenômeno do drama estático – retomado por Lehman – no qual os diálogos não contribuem para o progresso da ação. Os comentários sobre Os cegos, por onde o épico se insinua a cada instante, fazem lembrar a camarilha de juízes de A barraca de feira do russo Alexander Blok. O experimento de 1890 de Maeterlink vai ecoar no de quase dez anos depois, onde mais uma vez criaturas que parecem bidimensionais, meras figuras de papelão, mantém-se em cena a trocar palavras cujo sentido se esgota. O que em Maeterlink ainda se justifica narrativamente (os cegos não vêem que seu guia morreu e não podem se mover) agora, em tom de paródia e avacalhação, aponta para a estaticidade de uma crítica morta. Prossegue essa tradição pelo início do século no teatro de vanguarda russo, no qual personagens se convertem em personas – no sentido que as qualificou Renato Cohen – estereótipos conscientes de sua artificialidade. Esta, por sua vez, é traço comum assinalado pelos historiadores da performance, e converte-se em forma a ser empregada consciente de seu deslocamento, neste novo campo artístico.
De qualquer maneira, a tríade que Szondi argumenta ser parte fundamental do dramático (fato, presente e intersubjetivo), se esboroa progressivamente e é desse ponto que Lehman parte para discutir e apontar, em definitivo, o esgotamento dessa modalidade.
Produzi, de propósito, a confusão acima para agora dizer que o tema principal da palestra de Lehman não era o pós-dramático e sim a emergência renovada do texto teórico, científico ou filosófico na cena. No palco, passam a ser protagonistas pessoas comuns, não-atores ou performers que lêem textos absolutamente inadequados para a teatralidade, capítulos do Capital de Marx, fragmentos de perquirições resultantes de minuciosas pesquisas sócio-antropológicas. A cena de um debate, a reunião de idéias materializadas em uma cena impossível passam a ser o trabalho do teatro. Não a sua representação, sua presentificação sem mediações.
Performance? Ocorrem-me alguns exemplos – que podem se estender por muitos – desse tipo de ação na performance, de John Cage a Laurie Anderson, de Wooster Group a Joe Gould, das conferências sobre o nada às demonstrações patéticas de Mike Smith, passando pelas palestras fake de Amos Letteier. Ora, embora não dissesse crer num pós-pós-dramático, mesmo não acreditando também que o ciclo do drama possa sobreviver (esse ciclo teria a ver, como vimos, com o que se passou na Europa entre o Renascimento e o séc. XX), Lehman sugeriu que pensássemos que a artisticidade do teatro pode agora incorporar dados de cotidianidade que borram as margens entre a exposição científica e a cena teatral. De um modo ou de outro, no Brasil com artistas como Guto Lacaz ou fora daqui nos grupos que citou (Rimini Protocol, Theater of Oklahoma, Reiner Goebbels) há o que chamou de certa “tensão entre o profissional e o amadorístico ou diletante” que parece dar outro sentido às noções clássicas de teatral e teatralidade, tais como as vimos.

É possível falar em uma dramaturgia da performance ? (Parte II)

2. a invenção da dramaturgia
Escolhi responder a pergunta ao final de minha fala pois penso ter que tecer algumas considerações antes, e mesmo que os mantenha em suspenso, na expectativa de uma solução, espero que venham a entender melhor as justificativas para o que se dirá e mesmo para a estratégia em si.
De imediato talvez seja possível dizer que a dramaturgia é uma invenção da arte teatral. A recentíssima visita de Hans-Thies Lehman, no contexto da 5a Reunião Científica da ABRACE, em São Paulo, veio a reforçar essa que me parece, com meu olhar de fora, uma afirmação verdadeira. Não faltaram momentos na fala do pesquisador alemão que enfatizassem o arco histórico que marca, segundo sua perspectiva, a era do teatro dramático (do século XVI ao XIX), perspectiva que, como se sabe, Lehman herdou de seu mestre Peter Szondi, cuja monumental obra historiográfica ele confrontou com seu Teatro pós-dramático (LEHMAN, 2008) Szondi assevera, no início do capítulo
Os comentários sobre a invenção são feitos pelo próprio Hélio no filme HO de Ivan Cardoso (1979), realizado um ano antes da morte do artista. “Experimentar o experimental” é, além de uma expressão comum nele, o título de um conjuntos de proposições esboçadas em um texto-manifesto.
“O drama”: “O drama da época moderna surgiu no Renacimento” (SZONDI, 2001:29).
Lehman em sua palestra assinalou, a certa altura, a distinção entre teatro e teatro dramático, e mesmo entre a tragédia grega e o teatro. Ao abandonar o drama, o teatro contemporâneo torna-se “performático” (como quer Josette Féral em alternativa à percepção de Lehman (FÉRAL, 2008) o que leva aquele a afirmar que o que se encerra, o vanishing point do teatro é o dramático. Diante dessa perspectiva se colocam duas alternativas para a performance: ou ela é o que de fato venceu ou ela deixa de fazer sentido como alternativa, sugada para dentro de um novo tipo de teatro. Esta reflexão, devo dizer, me assustou bastante, mas como o que a suscitou é muito recente, prefiro deixá-la de lado por enquanto para enfatizar a premissa que a orienta. Esta, por sua vez, consiste na constatação de que a performance poderia ser vista como o lado de fora do teatro dramático e que portanto há total incompatibilidade entre dramático e performático.
Entretanto é evidente que estamos falando de abstrações: qual teatro, qual performance, qual drama? E, mesmo antes, talvez seja conveniente advertir para a diferença entre dramático e dramaturgia. Aqui busco auxílio de uma visão canônica, por assim dizer. Ela me oferece um olhar “com escala”. Por isso recorro a algumas das definições de Pavis, cujo afã dicionarizante conduz a possibilidades interessantes de pensamento a partir de suas afirmações. Por exemplo, Pavis define “teatral” como “que se adapta bem às exigências do jogo cênico”. (PAVIS, 1999:371, segundo sentido). Por esse ponto-de-vista, a distância é brutal. A inadaptabilidade seria precisamente um traço distintivo para a performance. Somente se considerar o terceiro sentido (pejorativo), a performance pode se imaginar próxima desta noção de “teatral”.
Nas páginas seguintes, não obstante, Pavis lexicaliza a noção de “teatralidade” e vê a possibilidade de que se oponha ao “texto dramático lido ou concebido sem a representação mental de uma encenação” A teatralidade, nesse caso, “é o teatro menos o texto” como Pavis afirma, a partir de Barthes. Assim texto e texto dramático passam a ocupar o mesmo espaço, quase como se este fosse uma espécie de mal necessário à ação que se bastaria por sua materialidade. E isto torna o problema mais interessante e complexo na medida em que sabemos que a busca dessa materialidade se organiza especialmente em experiências como as de Grotowski ou Kantor e que para o primeiro (bem como para o segundo) o performer pode ser mais do que a mera alternativa de denominação da figura do ator. E portanto, desse modo o que vai progressivamente derrogando a forma do teatro dramático é o abandono inclemente do texto ou a sua colocação em outra esfera de presença no palco.
Isto não parece divergir essencialmente das idéias de Lehman. Nas minhas notas de sua conferência registrei algumas coisas nesse sentido. Primeiro, uma afirmação: “Um pensamento se altera em cena. O pensamento, no teatro, sempre se tranforma em jogo”; e, mais adiante, considera – embora eu talvez modifique um pouco os termos que usou – que uma pseudofilosofia ou pseudopoesia podem ficar muito boas no palco (um pouco o que costuma se passar na canção popular; dizia Décio Pignatari a propósito das letras de Torquato Neto que eram fracas quando lidas e fortes quando cantadas). O que vale é a teatralidade, portanto. O que confere sentido. Seria esse gesto de desnudamento dramático uma espécie de aceno ao mínimo essencial do teatro, sua medula? Mas eu disse que esse princípio econômico é próximo à performance.
Há aqui uma co-respondência entre planos diversos que se intercomunicam: texto, drama, pensamento. Este último, na tradição ocidental “do Renascimento à Arte Moderna” (arco proposto por Lehmann na Palestra, seguindo Szondi) se consubstanciou na palavra e produziu a narrativa, além da filosofia. O gênero dramático – visto no Romantismo como síntese de ultrapassagem – é um dos fios condutores deste poder verbal. O texto, retorcido, vilipendiado, relativizado e mesmo abandonado na tradição dramática moderna e na pós-dramática é ainda assim, para Szondi, uma espécie de reserva de manutenção do drama que entra em conflito com o teatro puro, ato ou ação cênica.
Em Szondi, o que chamamos de “texto” se estrutura sobretudo em torno de uma certa noção fixa de diálogo. Isso é a essência do drama. É a crise dessa noção que faz a trinca da modalidade criativa gerada pelo teatro dramático. Por sua vez esta crise resulta de outra, mais profunda e filosófica, que diz respeito à relação cada vez mais problemática entre forma e conteúdo. José Antônio Pasta Júnior, prefaciador da edição brasileira do livro de Szondi sobre o Drama Moderno observa: “...o procedimento de Szondi será o de examinar sistematicamente a contradição crescente, nas peças, entre a forma do drama, presente nelas como modelo não diretamente questionado, e os novos conteúdos que elas tratam de assimilar” (PASTA JR. in SZONDI, 2001:14) Isto se passa na dramaturgia de fins do século dezenove quando “uma forma estabelecida e não questionada é posta em questão pelos conteúdos que trata de assimilar, mas que já são incompatíveis com seus pressupostos.” (Idem, pg. 12) As alternativas ao impasse, ainda segundo Pasta Jr., oferecem tentativas de
“solucionar a crise do drama assumindo como elementos temáticos e formais, tão
plenamente quanto possível, os elementos contraditórios em cuja emersão ela se manifesta
e, assim procurando recuperar para o teatro uma integridade estética à altura dos impasses
que ele defronta” (Idem pg. 17)
Acho muito sintomático a relação que Szondi sugere dos que se esforçam por atingir esse nível inclua alguns dos encenadores que acabam por figurar nas antologias de precursores da performance, como é o caso de Erwin Piscator. Seja pelo uso do cinema em suas montagens, seja pelo que Szondi chama de “tempo da 'revista'” (do teatro de variedades, ou do music-hall) usam-se sequências que têm que ver muito mais com um tempo fragmentado – por vezes enérgico – que aparece em todo o universo do consumo e que, ainda assim, também é reciclado e reinstituído como narrativa linear no cinema blockbuster, algo que o estudo de Szondi não estava apto a alcançar.
O diálogo, para Szondi, é o senhor absoluto do drama e, portanto, “ele não conhece senão o que brilha nessa esfera” (SZONDI, 2001:30). A partir desse princípio norteador, o que se dá no século dezenove são tentativas de ultrapassar a clausura estética clássica que conseguem, de acordo ainda com o estudioso alemão, manter próximo o processo dramático. Em Tchekhov de As 3 irmãs, por exemplo, os diálogos não deixam de existir mas constituem-se em monólogos que se somam às situações por eles construídas. Já em Maeterlinck aprofundam-se recursos de concepção de cena e narrativa que produzem o estranho fenômeno do drama estático – retomado por Lehman – no qual os diálogos não contribuem para o progresso da ação. Os comentários sobre Os cegos, por onde o épico se insinua a cada instante, fazem lembrar a camarilha de juízes de A barraca de feira do russo Alexander Blok. O experimento de 1890 de Maeterlink vai ecoar no de quase dez anos depois, onde mais uma vez criaturas que parecem bidimensionais, meras figuras de papelão, mantém-se em cena a trocar palavras cujo sentido se esgota. O que em Maeterlink ainda se justifica narrativamente (os cegos não vêem que seu guia morreu e não podem se mover) agora, em tom de paródia e avacalhação, aponta para a estaticidade de uma crítica morta. Prossegue essa tradição pelo início do século no teatro de vanguarda russo, no qual personagens se convertem em personas – no sentido que as qualificou Renato Cohen – estereótipos conscientes de sua artificialidade. Esta, por sua vez, é traço comum assinalado pelos historiadores da performance, e converte-se em forma a ser empregada consciente de seu deslocamento, neste novo campo artístico.
De qualquer maneira, a tríade que Szondi argumenta ser parte fundamental do dramático (fato, presente e intersubjetivo), se esboroa progressivamente e é desse ponto que Lehman parte para discutir e apontar, em definitivo, o esgotamento dessa modalidade.
Produzi, de propósito, a confusão acima para agora dizer que o tema principal da palestra de Lehman não era o pós-dramático e sim a emergência renovada do texto teórico, científico ou filosófico na cena. No palco, passam a ser protagonistas pessoas comuns, não-atores ou performers que lêem textos absolutamente inadequados para a teatralidade, capítulos do Capital de Marx, fragmentos de perquirições resultantes de minuciosas pesquisas sócio-antropológicas. A cena de um debate, a reunião de idéias materializadas em uma cena impossível passam a ser o trabalho do teatro. Não a sua representação, sua presentificação sem mediações.
Performance? Ocorrem-me alguns exemplos – que podem se estender por muitos – desse tipo de ação na performance, de John Cage a Laurie Anderson, de Wooster Group a Joe Gould, das conferências sobre o nada às demonstrações patéticas de Mike Smith, passando pelas palestras fake de Amos Letteier. Ora, embora não dissesse crer num pós-pós-dramático, mesmo não acreditando também que o ciclo do drama possa sobreviver (esse ciclo teria a ver, como vimos, com o que se passou na Europa entre o Renascimento e o séc. XX), Lehman sugeriu que pensássemos que a artisticidade do teatro pode agora incorporar dados de cotidianidade que borram as margens entre a exposição científica e a cena teatral. De um modo ou de outro, no Brasil com artistas como Guto Lacaz ou fora daqui nos grupos que citou (Rimini Protocol, Theater of Oklahoma, Reiner Goebbels) há o que chamou de certa “tensão entre o profissional e o amadorístico ou diletante” que parece dar outro sentido às noções clássicas de teatral e teatralidade, tais como as vimos.

terça-feira, 1 de junho de 2010

É possível falar de uma dramaturgia da performance?

Exporei aqui, na íntegra, texto do professor do departamento de linguagens do corpo da PUC-SP, Lúcio Agra, que trata das relações entre performance e dramaturgia.O texto é transcrição da palestra proferida por Agra no segundo colóquio de dramaturgia promovido pela Universidade estadual de Londrina em 2009.
Mas publicarei o texto aos poucos, em doses homeopáticas, já que trata-se de um texto meio extenso, a fim de que nossos leitores possam lê-lo com mais calma.

Introdução: quem fala, o que fala?
Ao tentar buscar uma forma de agradecer ao amabilíssimo convite para vir aqui conversar com vocês, pensei que uma das maneiras possíveis de expressar a minha gratidão seria a sinceridade. A resposta à pergunta-título deste texto deverá ser, portanto, ao fim, a mais franca possível.
Para tanto, acho que é imprescindível assinalar a minha proveniência que, como vai se ver, determina uma relação muito especial com a questão que move este colóquio. Eu falo do lugar – quase sempre esta palavra, nesse caso, tem de vir com muitas aspas – do não-lugar, da “ilocalidade” que se chama performance. Essa posição pressupõe uma dualidade permanente entre a natural estaticidade de um território e a movência que, entretanto, o alimenta. Sendo uma posição, a performance é também e simultaneamente uma dinâmica. Dois amigos meus, pesquisadores, professores e performers, têm usado expressões para designá-la tais como “matéria cinza” ou “nuvem quântica”. Eu tenho gostado de falar de “fronteira móvel” ou “zona de turbulência”. É dessa área que vem minha voz e nela, ainda por cima, digladiam-se visões do próprio entorno como a performance enquanto gênero das artes visuais, a performance-arte, a arte da performance, a body art, o happening, a performance social ou antropológica, o estudo da performance, os estudos da performance, a performance escritural, linguística, a performance teatral, a performatividade, o teatro performativo, os performativos, a live art, a arte de ação, as visões expandidas de performance, seus sentidos apropriados e instrumentais. É, felizmente para nós hoje, um campo de indecisões, indefinições, um campo transtornado, contraditório, cambiante, exatamente como toda a ciência e muito da arte ocidental não desejaram ser, até bem pouco tempo.
Estou numa situação de fala, portanto, que dimensiona bastante tudo o que vou afirmar daqui por diante.
Se a resposta da pergunta for sim, como poderíamos descrever seus princípios e procedimentos? Alguém já pensou, certamente, nesse momento, que se tratando de performance e da produção de metalinguagem a seu respeito, as duas respostas – sim e não – são aceitáveis até a mútua tolerância. É possível. Permitam-me, porém fazer uso de duas palavras da frase anterior, constrastando-as e, assim, avançando um pouco mais. A primeira é criação e a segunda produção. E isso, nos dois casos, pelo mesmo motivo: a performance não é uma prática artística que se dá muito bem nem com uma nem com outra.
A idéia da criação ex nihilo e, malgrado as tendências que pendem para o uso intensivo de rituais e mitologias, o sentido de criação demiúrgica, foi definitivamente desterrado da arte contemporânea. E isto mesmo antes que esta se sistematizasse. Bastaria um nome para confirmá-lo: Marcel Duchamp. Para esse impasse eu sugiro a possibilidade de uso da palavra “invenção” que, como afirmou certa vez Hélio Oiticica, “é imune à diluição. Se eu soubesse o que seriam essas coisas elas não seriam mais invenção. Se elas são invenção elas, a existência delas é que possibilita a concreção da invenção.” Não sendo uma produção de algo que resulta de uma receita ou conjunto de preceitos, a invenção toma a questão da criação pelo seu aspecto imanente, no gesto de – palavras também de Oiticica – “experimentar o experimental”.1
Já o problema com a palavra produção é que ela expressa uma ação com alvo definido, um produto, o que resulta daquele estado. E produto é particípio, é decorrido, enquanto na performance o “enquanto”, o processual é que funcionaria como imagem mais adequada ao que se passa.

*Lucio Agra - Natural de Recife, PE, cresceu em Petropolis, Rio de Janeiro, e há mais de 10 anos radicou-se em São Paulo. Fez teatro amador, graduou-se em Letras na UFRJ e concluiu seu Mestrado e Doutorado em Comunicação e Semiótica na PUC-SP, onde até hoje trabalha,como Professor Adjunto do Departamento de Linguagens do Corpo. Colaborou com Renato Cohen (1956-2003)desde 1997 tanto artisticamente quanto como membro da equipe de professores de performance da Graduação em Comunicação das Artes do Corpo. Como performer, desenvolveu pesquisa em torno aos trabalhos de Kurt Schwitters(1887-1948), apresentando sua "Ursonate" em 2000, 01, 02, 03, 07 e 08. Desenvolveu, em paralelo, um "mix" de performance, sound poetry e improviso musical livre com os grupos (demo)lição (Paris, Montevideo e São Paulo, 2007/08) e Orquestra Descarrego. Autor de Selva Bamba (poemas, 1994), História da Arte do séc. XX - Idéias e Movimentos (ensaio, 2006) e Monstrutivismo - reta e curva das vanguardas (no prelo). Prepara novo livro sobre a performance no contemporâneo.