quarta-feira, 17 de março de 2010
Ói nóis aqui traveiz: crítica e uma breve entrevista
Em meio ao zum zum zum cotidiano da praça uma música vai ganhando força ao fundo.Somos saudados – e saudamos – a chegada de personagens do camdomblé que nos apresentam Marighela como Exu, orixá conhecido pelo seu espírito guerreiro.A abertura da roda dá espaço à capoeira.Somos então surpreendidos por mestre Pastinha e mestre Bimba, amigos de Marighela.O primeiro é conhecido por ter levado a capoeira D’Angola, de gênese africana, de volta a seu continente de origem.O segundo foi, como seu amigo Carlos, um revolucionário, na medida em que modernizou a capoeira inserindo elementos do caratê e demais artes marciais criando assim a chamada “capoeira regional”.Marighela é assim reafirmado como guerreiro nacional através da associação estabelecida com a dança marcial afro-brasileira.
E de novo lá vem Marighela, dessa vez de encontro a Virgulino, que pede espaço ao público para saudar seu parceiro trazendo consigo o violão e tendo um pandeirista a acompanhá-lo: é a vez do repente entrar, de repente, na história.Até Lenin e Stalin invadem a cena, o que pode ter causado estranhamento aos que ignoram as possiveis associações entre o pensamento político dos revolucionários russos e aquele do personagem central da trama.Até então, o que temos é um festival de citações imagético-sonoras que traz à roda os já citados numa celebração da alegria do povo brasileiro.
No entanto, como de costume, sempre aparece alguém pra acabar com a festa, e nesse caso é o golpe de estado que desempenha tal papel.Representado por um tanque de guerra preto que quase atropela os espectadores invadindo a cena, a ruptura com o tom festivo que até então pairava na praça é reforçada por uma gravação do pronunciamento do AI-5 emitida em um volume ensurdecedor pelo veículo dirigido por atores fantasiados de pássaros negros.
A partir dai não mais repente, não mais capoeira, não mais candomblé, não mais festejar.A encenação entra em um momento de tensão que manifesta-se pelo silêncio.É esse silêncio que, ao quebrar com a até então alegre musicalidade da peça, re-apresenta o estado de exceção que constituiu a ditadura brasileira.Os atores são arrastados junto ao público para um outro local da praça no qual uma atriz faz-se de criança empunhando um balão de gás hélio – propositalmente vermelho? – que é estourado pela tirania de um general militar.A imagem é óbvia: a inocência infantil sacrificada pelo algoz.Talvez fizessem melhor em amenizar tal obviedade que acaba por conceder ao todo um caráter meio apelativo.
A representação finda-se em meio a uma chuva de papeis que trazem em si grafados nomes de revoltosos mortos pelo regime militar.A menina que em cena anterior descrita no parágrafo precedente tivera seu lindo balãozinho estourado é enfim liberta e, por sua vez, liberta os balões que agora traz consigo.Como sementes de libertação os aeróstatos espalham-se pelo céu londrinense: a liberdade ganhou, e sua vitória é vitória não só de Marighela, mas de tantos outros anônimos que ao lado dele lutaram pela liberdade do povo brasileiro
Minha avaliação final é positiva. O grupo de teatro de rua “Ói nóis aqui traveiz” transformou o calçadão da cidade de Londrina em um palco aberto à celebração da diversidade cultural brasileira numa pintura carnavalesca de um personagem importante da nossa recente história. A moldura construida pela “tribo de atuadores” – como se autodenominam – desafia o ar rabungento comum às fotografias da época em busca de um quadro muticolorido, que contrasta com a imagem de Carlos como pregada pela ditadura e celebra o pluriculturalismo do povo brasileiro.
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