Antonin Marie-Joseph Artaud, nasceu na cidade de Marselha, na França, em 4 de setembro de 1896. Primogênito dos nove filhos de Antoine Roi Artaud e Euprhasia Nalpas, desde cedo se deparou com a morte, perdendo quase todos os seus irmãos, dos quais apenas dois restaram. A dor física permanece uma constante ao longo de sua vida, e vai influenciar diretamente suas idéias. Aos 5 anos, sofre de meningite, o que o leva a distúrbio nervoso por toda a vida.
Entre 1914 -1917, presta o serviço militar e tem suas primeiras estadias em sanatórios, onde começa a alimentar o ódio por psiquiatras.Afirma algo que pode abrir precedentes para o posterior resgate de seus escritos pelo filósofo francês Gilles Deleuze em parceria com Felix Guatarri – numa outra oportunidade pretendo voltar a essa questão.Por hora, reflitam sobre o que diz Artaud:
“Não existe um psiquiatra, na verdade, que não seja um erotômano. E não creio que a regra da erotomania inveterada dos psiquiatras possa sofrer alguma exceção.”
Entre 1918 e 1919, é internado na clínica Le Chanet, na Suíça, onde aos cuidados do Doutor Dardel, começa a se tratar do uso de drogas.Em 1920, muda-se para Paris, confiado pelo Dr. Edouard Toulose. O período compreendido entre esta data, e o ano de 1937, foi de intensa produção artística para Artaud, curto espaço de tempo em que ele pôde se ausentar dos manicômios.
Assim que chegou em Paris, Artaud foi bem recebido pelos homens de teatro da época. Bem sucedido em uma prova com Gérmier, este logo o recomendou a Dullin. Assim, entre 1922 e 1923, Artaud trabalhou no Atelier de Dullin, e entre 1923 e 1924, com Pitoëff, na Comédie des Champs-Elysées.
Em 1924, perde seu pai, abandona a carreira de ator de teatro, e se adere ao surrealismo, movimento artístico que enfatiza a importância do inconsciente na atividade criativa tendo englobado música, a poesia, a pintura, a fotografia, o cinema, a escultura e o intervencionismo, nunca chegando, porém, a se tornar um estilo bem definido.
Em 1925, contrário a adesão do movimento surrealista no programa socialista, Artaud deixa o grupo, mas uma característica surrealista o acompanha pela vida, o fato de não conceber nenhuma obra separada da vida (ARTAUD, 1995, pág. 208).Ainda entre 1922-1933, participa de diversos filmes mudos e falados, dos quais O Martírio de Joana D’Arc, de 1928, talvez seja o mais famoso.
Mas Artaud não se contentou em atuar em filmes, ele também escreveu diversos roteiros para cinema, muito embora apenas A Concha e o Clérico, de 1927, tenha sido filmado, sob direção de Germaine Dulac.
No cinema Artaud consegue notoriedade no começo de sua carreira em papéis como Marat, de Napoleão, de Gance (1925-1927), e do frade Massieu, em O Martírio de Joana D’Arc (1928), sob direção de Dreyer, mas depois de um período de bonança, em que trabalhou com importantes nomes, como Raymond Bernard e G.W.Pabst , vai conseguindo papéis cada vez mais pequenos, até se desencantar com o cinema em 1932, ainda aceitando papéis, apenas para viver, e fazer sua última aparição em um filme em 1935, Koeningsmark, de Maurice Tourneur, no qual interpreta o bibliotecário Cyrus Beck.
Em 1931, descobre o Teatro de Bali, e fica impressionado com “esse espetáculo que nos assalta com uma superabundância de impressões cada uma mais rica que a outra”.Do teatro de Bali, Artaud se influencia pela idéia do uso de efeitos metodicamente calculados e que eliminam qualquer recurso à improvisação espontânea, idéia esta que ele passa então a defender e perseguir como um dos objetivos do teatro que idealiza.
Em 1937 Artaud é internado no sanatório Le Havre-Rodez, onde passa os 9 anos seguintes e escreve, em 1946, as Cartas de Rodez, endereçadas ao Dr. Feriére, pioneiro na terapia com eletrochoques. Nestas cartas, Artaud pedia ao médico que parasse de lhe aplicar eletrochoques, ou mesmo que lhe deixasse tomar banho. O mesmo médico que o encorajou a escrever e pintar também lhe aplicou eletrochoques ao ponto de em uma das sessões do “tratamento”, lhe causar uma lesão nas vértebras.Foi em Rodez que Artaud escreveu os textos que vieram, em 1945, a compor o livro “Viagem ao País dos Tarahumaras”.
Artaud escrevia cartas a conhecidos e desconhecidos, pessoas importantes ou não, sempre falando de maneira poética, profunda, como pretexto para revelar a tragédia humana que se manifesta na dor de viver, dor esta que Artaud experimentou na carne ao longo de sua existência, e que nos convida a também experimentá-la, tendo como instrumento para que se chegue a tal experiência na encenação teatral.
Em 1947, já livre do sanatório de Rodez, escreve seus últimos textos, entre eles, Van Gogh, O suicidado da Sociedade, onde expressa a sua grande estima pelo pintor, a revolta contra os psiquiatras, e de onde, de certa forma, podemos estabelecer uma comparação entre o artista francês do século XIX e o próprio Artaud .
“E isto que me toca mais em Van Gogh, o maior pintor de todos os pintores (...) conseguiu apaixonar a natureza e os objetos de tal forma que qualquer conto fabuloso de Edgard Poe, Hermam Melville, Nathanaël Hawthorne, Gérard de Nerval, Achim d’Arnim ou Hoffman não supera, no plano psicológico e dramático, suas telas de quatro cêntimos (...)”.
A aproximação de Artaud à pintura é clara. Ele mesmo, além de poeta, dramaturgo e ator, era também desenhista, e demonstrou, em outros escritos, apreciação também pela arte de El Greco, Jerônimo Bosch, Lucas de Leyde e Goya. No fim da vida, Artaud volta a desenhar com mais freqüência, sendo um de seus desenhos mais conhecidos, o seu auto-retrato.
Alain Virmaux nos lembra, em Artaud e o Teatro, de que para Artaud, o teatro continuará parecer inseparável da pintura.
Ainda em 1947, realiza uma conferência no Vieux-Colombier, e em 1948, tem a emissão de sua peça radiofônica, Para Acabar com o Julgamento de Deus, interditada. Em fevereiro deste mesmo ano, declara a intenção de se dedicar, a partir de então, exclusivamente ao teatro, mas a 4 de março deste mesmo ano, seu jardineiro o encontra morto, aos pés de sua cama numa clínica de Irvy, um bairro de Paris.Um fato curioso: ele morreu segurando um sapato.
No vídeo que abre este post vocês terão a oportunidade de ouvir um trecho de "Para acabar com o julgamento de Deus" na voz de outro gênio inconteste, Demétrio Stratos.Bem, mas para não me prolongar demais, partindo para o velho Nietzsche, para Deleuze ou para Demétrio, termino por aqui.
Para aqueles que quiserem buscar mais informações, recomendo a leitura de:
ARTAUD, Antonin: O Teatro e Seu Duplo. São Paulo.Martins Fontes.3a Edição 2006.Trad.Teixeira Coelho.
ARTAUD,Antonin:Linguagem e Vida. São Paulo. Perspectiva.1995. Trad.Silvia Fernandes, J.Guinsburg, Regina Correa Rocha e Maria Lúcia Pereira.
DELEUZE,Giles & GUATARRI,Felix.O anti-édipo:capitalismo e esquizofrenia.Rio de Janeiro:Imago,1976.
ESSLIN,Martin.Artaud.São Paulo:USP/Cultrix,1978.
FELÍCIO, Vera Lúcia: A Procura da Lucidez em Artaud.São Paulo.Perspectiva.FAPESP,1996
VIRMAUX,Alain: Artaud e o Teatro.São Paulo.Perspectiva.1990.Trad.Carlos Eugênio Marcondes de Moura.
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