Vale a pena assistir. No documentário a seguir o filósofo Roger Scruton - já postado nesse mesmo blog quando da questão "o que aconteceu com a razão?" - busca responder a questão: por que a beleza importa? Sim, ela importa. O filósofo defende com maestria sua posição, a qual compartilho, de que a arte contemporânea sofre de "relativice aguda": a arte não passa de um conceito, um ponto de vista. Mas como chegamos a esse estado de coisas? No documentário Scruton traça o histórico dessa condição passando pela arte sacra, a arte renascentista e a contestação da arte por si mesma no século XX, trazendo à tona sobretudo as reflexões de Duchamp sobre o lugar da arte na vida. Eu assisti e gostei muito. Espero que gostem também:
sexta-feira, 25 de maio de 2012
Por que beleza importa?
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Roger Scruton
Um FILo pelo Ouro:
Por que o teatro não pode parar? Como bem disse o poeta e crítico literário Ferreira Gullar, "a arte existe porque a vida não basta". E porque vida, festa, festa de dor e gozo, grito e silêncio no tempo: teatro.
O FILo vem recheado de ameixas, laranjas performáticas, palhaços, Shakespeare, gozo, dor, silêncios e gritos. E por falar em grito, aquele que motiva a presente edição do FILo é a reconstrução do Teatro Ouro Verde, cujas estruturas foram destruídas pelo incêndio. O FILo 2012 vem alimentar uma chama necessária, aquela que aquece a luta pela reconstrução do ouro londrinense, e esperamos que mais do que palavras, essa luta se faça com ação, porque viver é agir, e teatro é vida.
Seja bem vindo FILo 2012 por quem se faz presente, porque teatro é presença e troca, ação, co-ação, e nessa cooperação, quem quer o Ouro Verde em pó não há de nos coagir.
Com a palavra o diretor geral do festival, Luiz Bertipaglia:
FILO 2012 acontece sob o signo de uma grande ausência. No dia 12 de fevereiro, Londrina (e por que não o país?) assistiu atônita ao incêndio que pôs no chão o Teatro Ouro Verde - símbolo do patrimônio histórico e afetivo da cidade.
Jóia da arquitetura nacional, um autêntico Villanova Artigas. Principal palco de uma cidade que ainda não tem equipamentos culturais à altura da sua vocação e realidade. O Ouro Verde caído criou um vazio de angústia e inquietação.
Paralisou de imediato as pessoas. E logo colocou-as a pensar e agir. É preciso reconstruí-lo. E é preciso construir de vez o Teatro Municipal, que, afinal, preexiste ao Ouro Verde como necessidade e projeto.
Mas levou também à tomada de atitudes imediatas. Uma delas está presente na edição do FILO deste ano: a procura de alternativas para realizar um festival desta dimensão, um dos mais importantes do país. Mas, diga-se: uma atitude imediata, mas longe de qualquer improviso.
No ano em que o festival reverencia sua memória, uma tradição sua é mais uma vez exercitada: a de ocupar com criatividade os espaços da cidade. E assim vai ser em 2012. As artes cênicas vão se espalhar por ruas, praças, espaços adaptados e até por teatros convencionais (tão poucos, ainda). E com o brilho de sempre. Confira a programação.
O Ouro Verde é parte viva da memória do FILO. Assim como o sonho de um Teatro Municipal. Mas também o são a experiência e a capacidade de construir, em todos os sentidos, um novo festival a cada ano. Há 44 anos.
Conheça a programação do festival no site: http://www.filo.art.br/site/
Um bom FILO para todos nós!
Jóia da arquitetura nacional, um autêntico Villanova Artigas. Principal palco de uma cidade que ainda não tem equipamentos culturais à altura da sua vocação e realidade. O Ouro Verde caído criou um vazio de angústia e inquietação.
Paralisou de imediato as pessoas. E logo colocou-as a pensar e agir. É preciso reconstruí-lo. E é preciso construir de vez o Teatro Municipal, que, afinal, preexiste ao Ouro Verde como necessidade e projeto.
Mas levou também à tomada de atitudes imediatas. Uma delas está presente na edição do FILO deste ano: a procura de alternativas para realizar um festival desta dimensão, um dos mais importantes do país. Mas, diga-se: uma atitude imediata, mas longe de qualquer improviso.
No ano em que o festival reverencia sua memória, uma tradição sua é mais uma vez exercitada: a de ocupar com criatividade os espaços da cidade. E assim vai ser em 2012. As artes cênicas vão se espalhar por ruas, praças, espaços adaptados e até por teatros convencionais (tão poucos, ainda). E com o brilho de sempre. Confira a programação.
O Ouro Verde é parte viva da memória do FILO. Assim como o sonho de um Teatro Municipal. Mas também o são a experiência e a capacidade de construir, em todos os sentidos, um novo festival a cada ano. Há 44 anos.
Conheça a programação do festival no site: http://www.filo.art.br/site/
Um bom FILO para todos nós!
sábado, 5 de maio de 2012
Stanislávski e Grotowski: Sementes ao Tempo:
Enfim publico a monografia por mim redigida por ocasião do bacharelado em artes cênicas, pela Universidade Estadual de Londrina, curso que conclui em 2010. O trabalho de conclusão de curso teve como objetivo traçar os pontos de encontro entre as filosofias teatrais de dois dos maiores nomes do teatro do novecentos: o russo Konstantin Stanislávski (1863-1938) e o polonês Jerzy Grotowski (1933-1999). Desde então, tenho me dedicado a outras fontes, outros meios, caminhado para outros fins, mas a redação que aqui exporei constitui um momento importante de minha formação como artista e como ser humano, de modo que ao compartilhá-la convosco, compartilho mais um pouco de mim.
É um ponto de concórdia entre todos os estudiosos da história do teatro do século XX que Stanislávski e Grotowski constituem duas pedras basilares na formação do pensamento teatral do século passado e presente, e continuam a estimular aqueles que fazem o teatro, e que se fazem, a si mesmos, pelo fazer teatral. Espero que os leitores também possam apreciar a redação, por vezes concordando com minhas posições, por vezes discordando delas. Pretendo publicar o restante do texto nos dias seguintes. Por enquanto, vos deixo a introdução, onde aponto para o objetivo e estrutura do discurso:
1.Introdução:
Respectivamente: Konstantin Stanislávski (1863-1938) Jerzy Grotowski (1938-1999)
Konstantin Serguiêievich Stanislávski
-Alexeiev (1863-1938) é um dos nomes mais importantes da história do teatro no
século XX.Seu trabalho artístico-pedagógico, desenvolvido nos estúdios do Teatro
de Arte de Moscou, bem como suas reflexões pessoais sobre a arte de ator
registradas em sua obra literária constituem um complexo volume de questões a
reverberarem pelo século passado chegando até os dias de hoje.Dentre os
influenciados assumidos, encontramos o polonês Jerzy Grotowski (1933 – 1999),
que, anos depois da morte de Stanislávski, também se dedicaria ao estudo
teórico-prático do trabalho do ator com base em questões antes levantadas pelo
mestre russo.
Nas páginas seguintes buscaremos traçar
alguns pontos de encontro entre o trabalho de Stanislávski e o de Grotowski.A
fim de conceder maior objetividade ao texto, no que se refere a Grotowski,
encerraremos nosso estudo na década de sessenta.Mas é importante salientar que
a trajetória de Grotowski – tal qual a de Stanislávski – está longe de se
resumir às questões aqui tratadas, e se optamos por tal caminho, o fazemos em função
das limitações deste estudo.
O trabalho divide-se em três capítulos.No
primeiro, voltaremos nossa atenção ao conjunto de premissas éticas valorizadas
por Stanislávski junto ao Teatro de Arte de Moscou e apontaremos para sua presença na obra teórica
do pedagogo russo.Ainda no capítulo primeiro, passaremos a Grotowski na
tentativa de encontrar similitudes entre os princípios éticos manifestos na
obra stanislavskiana e aqueles defendidos posteriormente por Grotowski junto ao
Teatro Laboratório.Assim, espero, possamos notar como o pensamento
stanislavskiano aponta para a vida: a visão teatral indissocia-se de um projeto
de sociedade e este encontra no teatro uma possibilidade de materialização.
E se a ética constitui a base do trabalho
proposto por Stanislávski, este desenvolveu-se através de uma via prática em
busca da construção de um novo homem: o trabalho do ator é sobre si mesmo.Este
trabalho, realizado no dia-a-dia de estudos do professor Stanislávski junto aos
atores dos estúdios do Teatro de Arte de Moscou é aqui comentado a partir de
alguns dos textos por ele deixados, mas com a devida ressalva de que, se o
pensamento stanislavskiano não deve resumir-se ao teatro somente, sua prática
não cabe em nenhum discurso literário visto ter sido, antes, vida.Como no
capítulo anterior, neste, voltaremos em seguida à Grotowski a fim de apontar
para similaridades entre o trabalho prático desenvolvido pelo polonês e aquele
antes elaborado pelo russo, com a mesma ressalva válida no caso de
Stanislávski.
Para concluir, trataremos da unidade
corpo-mente, apresentada nas palavras grotowskianas pelo termo “corpo-vida”, ou ainda,
“corpo-memória”.O último capítulo tentará apontar para a indivisibilidade corpo-mente,
presente nas reflexões stanislavskianas, sobretudo, como princípio motor do
método das ações físicas.
2. O PALCO DA ÉTICA NA ÉTICA DO PALCO: O TEATRO COMO MICROCOSMOS DA SOCIEDADE
2. O PALCO DA ÉTICA NA ÉTICA DO PALCO: O TEATRO COMO MICROCOSMOS DA SOCIEDADE
Nossos postulados não são novos.
Jerzy Grotowski
Konstantin Serguiêievitch Stanislávski
-Alexeiev (1863-1938) é figura central na história do teatro no século XX.Seu
pensamento constitui forte influência no novecento teatral[1] e continua a estimular práticas teatrais na
contemporaneidade.Dentre aqueles que encararam o legado stanislavskiano como
premissa encontramos o nome de Jerzy Grotowski (1933-1999), que vai buscar em
Stanislávski – entre outras fontes diversas – um fomento para a construção de
sua própria personalidade artístico-pedagógica.Este capítulo tem por objetivo
apontar para as similaridades entre o pensamento de Stanislávski e o de
Grotowski no que se refere aos aspectos éticos presentes nas filosofias de
ambos.
Grotowski não esconde suas fontes.Ele assume
o impacto do pensamento stanislavskiano sobre a formação de seu próprio fazer e
pensar, mas sempre o coloca como uma espécie de desafio, um chamado à
construção de sua própria personalidade artística:
Criei-me com o método de Stanislávski; seu estudo persistente, sua renovação sistemática dos métodos de observação e seu relacionamento dialético com seu próprio trabalho anterior fizeram dele meu ideal pessoal.Stanislávski investigou os problemas metodológicos fundamentais.Nossas conclusões, contudo, diferem profundamente das suas; por vezes, atingimos conclusões opostas (GROTOWSKI,1976,p.2).
De fato o trabalho desenvolvido por Grotowski resgata muito
daquilo que, anos antes, fora defendido por Stanislávski.Quando nos atentamos
ao conjunto de premissas valorizadas por Stanislávski e Grotowski em respeito ao
trabalho artístico, podemos encontrar princípios éticos por ambos
compartilhados.
Stanislávski
conferiu essencial importância à ética e à disciplina de trabalho, não só como
quesitos fundamentais da organização da estrutura geral da empresa artística,
mas também como aspectos elementares no processo educacional do artista cênico,
considerando-as, desde os primeiros anos de seu labor, como a base sustentadora
de seu “sistema”[2].
De acordo com Stanislávski (1983,p.234)[3], “cada membro da corporação teatral” deveria sentir-se “como um
parafuso de uma máquina grande e complicada”.Stanislávski elabora uma imagem da
companhia teatral tal que, metaforizada na figura da máquina, encontra em cada
um de seus membros uma importante peça responsável por garantir a estabilidade
do todo.É em função desta estabilidade almejada que os atores são aconselhados
por Stanislávski a resguardar o teatro dos males que lhe seriam sedutores.O
trabalho teatral, dado seu caráter coletivo, exige, na perspectiva
stanislavskiana, a regulação do “próprio caráter”, de maneira a
“adaptá-lo à obra comum”, formando “um
caráter de corporação, por assim dizer” (STANISLAVSKI[4],1983,p.230)[5].
A pontualidade é outro importante quesito no conjunto de
premissas éticas defendidas por Stanislávski, consequência do assumido caráter
coletivo do trabalho teatral, porque “não se pode
chegar tarde a uma atividade que se realiza coletivamente e alterar a ordem
geral”(1983,p.230)[6].Stanislávski (1983,p.242)[7], forjado na figura do professor Tortsov, recomendará aos atores que
não cheguem na hora exata do ensaio, mas “meia hora ou um quarto de hora antes
do começo deste”.
O teatro é uma realidade em si mesma, e como
tal, possui sua própria natureza.É com base nessa ideia que Stanislávski
(1983,p.238)[8] critica os atores que “levam ao seu teatro todo tipo de misérias
cotidianas: comadrices, intrigas, falatórios, calúnias, invejas, um mesquinho
amor próprio”, o mestre russo afirma que, “pode se estar abatido em
casa, mas no teatro há que sorrir”, e acrescenta – retomando a importância do
aspecto coletivo no trabalho teatral – “que os mais firmes ajudem a consegui-lo”
(STANISLAVSKI,1983,p.231)[9].
Stanislávski também nota que “as conversas e ruídos atrás dos
cenários geram desorganização e desmoralizam o espectador”
(STANISLAVSKI,1983,p.233)[10].Serguieiêvitch
considera este como elementar partícipe do evento teatral e espera dele um
compromisso par àquele reclamado ao coletivo artístico: faz-se necessário “que
o espectador”assim como “o ator e todo aquele que tenha relação com o teatro,
nele entrem com um peculiar sentido de veneração”.A “administração e seus
funcionários”, por sua vez, deveriam figurar como os “primeiros amigos da arte
e os ajudantes daqueles que se dedicaram ao seu sacerdócio[11]:os
artistas”(STANISLAVSKI,1983,p.260)[12].
Não haveria de existir, portanto, lugar no
teatro ao ator que se servisse da arte para aprazer seu ego diante da plateia;
Stanislávski (1983,p.239)[13] recomenda ao ator-estudante que ”ame a arte em si, e não a si mesmo
na arte”.Os intrigueiros e invejosos, bem como todo “aquele que não ama o
teatro em si, mas ao contrário, ama a si mesmo no teatro” deveriam “ser
implacavelmente expulsos do teatro”, porque “não há papéis pequenos, mas atores
pequenos” (1983,p.250)[14].
A disciplina deveria, de acordo com Stanislávski, iniciar-se
pelo autopoliciamento de cada membro do conjunto artístico, e, pela autoridade
moral legitimada pela postura do mesmo, estender-se em uma “progressão
aritmética, ou quiça geométrica”(STANISLAVSKI,1983,p.253)[15]
que contagiasse a todos do grupo.
O mestre russo
enxerga a ética e a disciplina como pilares que reciprocamente sustentavam-se
em função da correta atitude cênica em seus aspectos físicos e psíquicos,
afirmando ser a ética artística um importante responsável no estabelecimento do
“estado prévio à criação” (STANISLAVSKI,1983,p.236)[16].
Não é recomendado ao ator o cuidado com seu
aprimoramento artístico apenas nos limites encerrados pelo teatro.Stanislávski
afirma não enxergar com bons olhos os atores “que discutem
muito durante os ensaios em vez de tomar apontamentos e planejar seu trabalho
em casa”(STANISLAVSKI,1983,p.242)[17],
e recomenda tomar notas durante os ensaios para que estas possam servir de
guias aos atores, que deveriam continuar seu estudo em casa, levando o trabalho
do palco para o cotidiano.
Os anseios artísticos de Stanislávski dissimulam uma visão de
mundo que dialoga com todo o contexto sócio-político da Rússia de sua época e
encerram uma utopia social caracterizada pela comunhão e solidariedade, pela
humildade e pelo respeito mútuo:”Pensem mais nos outros e menos em si mesmos”,
recomenda Stanislávski (1983,p.238-239)[18],
porque “se noventa e nove pessoas cuidam da liberdade comum, por certo a minha,
o centésimo, viverei muito bem na terra”.De fato é esse o ideal
stanislavskiano, “alta cultura do espírito, alma universal, e
não apenas “dois metros quadrados para cada homem”, mas a terra inteira para
todos (STANISLAVSKI,1956,p.130).O teatro apresenta-se, no pensamento
stanislavskiano, como uma espécie de sociedade que representa a utopia motora
do trabalho artístico-pedagógico por ele desenvolvido.Fica disso tudo uma cruel questão que, impossível de ser
respondida, continuará a cultivar a curiosidade dos interessados em sua obra:o
que diria o mestre russo se pudesse, hoje, lançar um olhar retrospectivo sobre
os ideais que nas primeiras décadas do século defendeu com tanta veemência?
A atitude de Stanislávski é coerente frente
a crise ética que – na visão não só dele
como de outros teatrólogos da época – feria todo o teatro de então e estimulava
o espírito revolucionário que pairava não só no teatro como em toda a sociedade
russa.Observando a situação da arte teatral, Stanislávski compara o ator ao
operário, afirmando sofrer o primeiro da mesma exploração que aflingiria o
segundo.É contra tal exploração que Stanislávski protesta, concebendo o ator,
como não mais que um operário em função da arte:
“Da prática constante, e da capacitação do operário em função do
labor superespecializado se obtém maior rapidez no trabalho e um barateamento
da mão-de-obra empregada.Não é acaso isso o que se pratica nas empresas que não
perseguem objetivos artísticos, mas meramente materiais?Tais teatros existem
aos montes (STANISLAVSKI,1986,p.19)[19]”.
Enquanto Stanislávski – sob a máscara do
professor Tortsov – busca na companhia teatral uma espécie de microcosmos da ideal
sociedade por ele projetada, e descreve suas características em sua obra
teórica, esta, por sua vez, reflete a autobiografia do mestre russo, sua “vida
na arte”.O Teatro de Arte de Moscou se baseará em preceitos
éticos bem determinados que encontram par naqueles defendidos por Stanislávski
em seus escritos teóricos.
Em sua autobiografia Stanislávski (1956,p.100) lamenta que na
época da fundação do TAM – 1897 – o teatro se encontrasse “nas mãos de
empresários de café cantantes, ou de simples burocrátas”.Desde o começo a
empresa artística dirigida por Stanislávski em parceria com
Nemiróvitch-Dantchenko manifesta objetivo reformador que consoa com as
aspirações em voga no pensamento artístico de então:
O programa da nova empresa teatral era revolucionário.Repudiava a
antiga maneira de representar, e não só o artificialismo teatral, a falsidade
na emoção, na declamação, na mise-en-scène
e nos cenários, o cabotismo, o “estrelismo”, que prejudicam a harmonia do
conjunto, como a mediocridade do repertório (STANISLAVSKI,1956,p.109).
Os escritos deixados por Stanislávski
refletem as inquietações que motivaram seu trabalho prático e dialogam com todo
o contexto sócio-político e cultural da época.Poderíamos relacionar, por
exemplo, o apelo pela união do proletariado clamada pelos revolucionários russos
à importância do aspecto grupal do trabalho teatral, que será estimulado pelo
mestre russo no TAM, onde, afirma, era preciso “fazer trabalhar os artistas,
agregá-los por assim dizer num todo, reduzir a um denominador comum todos os
membros da companhia (STANISLAVSKI,1956,p.114).
Já no primeiro encontro entre Stanislávski e
Nemirovitch-Dantchenko – que ocorreu a 22 de junho de 1897 no restaurante
Slavianski Bazar[20] - firmaram-se, na forma de aforismos, premissas éticas que
conduziriam a nova empresa teatral fruto do trabalho de ambos, princípios estes
que viriam a ser defendidos pelo mestre russo também em seu trabalho teórico:
Não há papéis insignificantes, há atores insignificantes.
Serás hoje Hamlet, amanhã simples comparsa – mas nunca deixarás de servir a arte...
O ator, o pintor, o costureiro, visam todos o mesmo fim que o poeta.
Na criação dramática tudo que perturbe o trabalho é crime (STANISLAVSKI,1956,p.104).
Serás hoje Hamlet, amanhã simples comparsa – mas nunca deixarás de servir a arte...
O ator, o pintor, o costureiro, visam todos o mesmo fim que o poeta.
Na criação dramática tudo que perturbe o trabalho é crime (STANISLAVSKI,1956,p.104).
O compromisso social do ator apontado por
Stanislávski em seus escritos também transparece em suas reflexões pessoais
sobre a arte.De acordo com Stanislávski (STANISLAVSKI,1986,p.85)[21], ao ator, como ao resto dos cidadãos, caberia “conhecer as leis da
ética social e submeter-se à elas”.O desrespeito a tais leis éticas no coletivo
artístico constituiria extensão à um desrespeito de amplitude maior, social,
porque “em todo ato que viole os compromissos da instituição [teatral] frente a
sociedade, se esconde uma falta de respeito em relação a
esta”(STANISLAVSKI,1986,p.94,)[22].
Stanislávski empreende um trabalho que visa reformar o teatro
– elemento por ele considerado substancial na cultura de um povo – apontando
assim para uma reforma de caráter mais abrangente,social.É com tal objetivo que
ele requererá ao grupo artístico um código ético que dialogue com aquele da sociedade
na qual repousa, porque as bases do primeiro “são as mesmas da ética social mas
elas deverão adaptar-se as condições de nossa arte”, e “estas condições são
diversas e complexas”(STANISLAVSKI,1986,p.85)[23].
No que diz respeito à relação dos atores com
o público, Stanislávski não incentiva os artistas a tomarem da platéia como um mero
instrumento a favor de sua vaidade.No Teatro de Arte de Moscou, chega-se ao
ponto de extinguir os aplausos e agradecimentos “não só durante as
representações como nos finais dos atos e até no fim do espetáculo”
(STANISLAVSKI,1956,p.114).O público, por sua vez, é convocado ao respeito de
regras pares àquelas exigidas ao conjunto artístico, como, por exemplo, a
pontualidade.No Teatro de Arte de Moscou:
(...) foi expressamente proibido, tanto aos empregados como aos
espectadores, circularem pela sala
depois de erguer-se o pano.O público relutou em aceitar a interdição.Houve
reclamações e até escândalos.Mas um dia,
finalmente, avistei na rua um grupo de retardatários, correndo para
chegar à hora exata.Por que seria? Porque sabiam que os nossos artistas já não
obedeciam ao público, já não se curvavam às suas exigências.E o espectador,
percebendo que não podia mais dar ordens no teatro, acabara conformado com o
novo regulamento (STANISLAVSKI,1956,p.114).
Para o Konstantin Serguiêievitch a
disciplina não detrime, mas, ao contrário, cultiva a liberdade
criativa.Stanislávski (1986,p.121)[24] julga um “erro pensar que a liberdade do artista radica-se em fazer
tudo o que lhe venha na cabeça”.Serguieiêvitch defende ser a ética e a
disciplina fundamentais proporcionadores do ideal estado de ânimo para a cena.
Cabe, agora, remetermo-nos ao pensamento de
Jerzy Grotowski, a fim de encontrar similaridades entre os princípios éticos manifestos
por Stanislávski e aqueles defendidos por Grotowski.Quando o fazemos, podemos
perceber vários pontos em comum entre as filosofias de ambos.Ética e disciplina
de trabalho foram importantes quesitos também no elenco de fundamentos do
Teatro Laboratório.Para Grotowski não é o disciplinado, mas “o trabalho
feito pela metade, superficialmente, que é psiquicamente doloroso e desfaz o
equilíbrio” (GROTOWSKI,1976,p.31).
Como
Stanislávski, Grotowski também enxerga o teatro como “uma criação coletiva, na
qual somos controlados por diversas pessoas e um trabalho de diversas horas nos
é imposto” (GROTOWSKI,1976,p.190).Ao assumir o teatro enquanto trabalho
coletivo uma questão que já estava presente entre as inquietações
stanislavskianas nos é colocada: como deveriam
se portar cada ator do grupo diante dos conflitos internos que poderiam surgir
na relação entre os integrantes da companhia? Grotowski admite a
inevitabilidade de conflitos internos dentro do conjunto artístico, mas previne
aos atores para que não permitam que tais querelas pessoais prejudiquem o
trabalho do conjunto:
Os conflitos privados, disputas, afetos, animosidades são inevitáveis
em qualquer agrupamento humano.É nosso dever para com a criação não deixar que
deforme e envileçam o nosso processo de trabalho.Somos obrigados a abrir-nos
até para com um inimigo (GROTOWSKI,1976,p.202).
Quanto a pontualidade, Grotowski
(1976,p.169), afirma que “o ator deve ter tempo para desfazer-se de todos os
problemas do cotidiano”, e, devido a isso, dispensa, no Teatro laboratório, “um
período de silêncio que dura trinta minutos, durante os quais o ator prepara
suas roupas, e talvez refaça algumas cenas”, o que lembra Stanislávski quando
recomenda aos atores para que cheguem com uma antecedência de quinze a trinta
minutos antes do início dos ensaios a fim de prepararem-se para o trabalho.
Podemos pressumir disto que não haveria, no
Teatro Laboratório – como não houve no Teatro de Arte de Moscou – lugar ao ator que se servisse da arte para simplesmente
satisfazer seu ego diante da plateia.Grotowski afirma sua visão sobre essa
questão de maneira categórica quando, na tentativa de evitar qualquer equívoco
de interpretação de suas propostas, afirma:”Deixemos bem claro que não
estou dizendo que se deva fazer amor com a plateia – isso nos condicionaria a
uma espécie de artigo de consumo”(GROTOWSKI,1976,p.42).Para Grotowski, o ator
que satisfizesse seu ego através da submissão ao caráter pressupostamente
voyeurista do público comum, coisificar-se-ia, atitude que
critica expressamente ao se dizer impressionado com a “a mesquinharia de seu [dos atores] trabalho:
a barganha feita por um corpo explorado pelos seus protetores – diretor,
produtor – criando em retribuição uma atmosfera de intriga e revolta” (GROTOWSKI,1976,p.19).
A atitude esperada dos atores estende-se, como no caso de
Stanislávski, também ao público.Este é, tanto para Stanislávski quanto para
Grotowski, um elemento essencial da representação teatral.Não é de surpreender
que Grotowski – que chegou a definir o
teatro como como “o que ocorre entre o espectador e o ator
(GROTOWSKI,1976,p.18) – tenha buscado
não só por um ator, mas também por um espectador ideal.Este, é o oposto daquele
que satisfazer-se-ia com sua “mesquinha estabilidade espiritual”.Ao invés
disso, dedicar-se-ia a “um processo interminável de autodesenvolvimento”, a uma
“procura da verdade de si mesmo e da sua missão na vida”
(GROTOWSKI,1976,p.26).Tal é o compromisso ao qual são evocados o ator e o
espectador no “teatro pobre”.
O
conjunto de normas regrativas que se impuseram no Teatro de Arte de Moscou com
disciplina quase militar e que, em grande parte, também conduziram o Teatro Laboratório,
constitui motor de um ideal educacional que se coaduna a anseios
político-sociais que apontam para além das fronteiras teatrais e mantêm – não
poderia ser diferente – um contínuo
diálogo com o contexto histórico.
Seria um equívoco tomar do código ético imposto aos atores
dos estúdios ou daquele mantido no Teatro Laboratório como uma espécie de conjunto
de cláusulas-pétreas inflexíveis a serem impostas à qualquer um, em qualquer
época e lugar.Tal interpretação das valores manifestos por ambos os nomes aqui
estudados pecaria pela mesma inflexibilidade que conduz à leitura dos escritos
sobre o trabalho do ator como se receitas invariáveis fossem – e até mesmo na
culinária ou farmácia pode estar escondido, no erro da fórmula, o segredo do
novo prato ou remédio.
Mas a total relativização de todos os princípios éticos
poderia trazer em si o risco da completa diluição do trabalho artístico.Ética e
estética compreendem-se mutuamente, manifestando-se de maneira evidente, ou, no
mínimo, presumível, em cada atitude que, em seu conjunto, conviemos chamar de
vida, sendo, pois, um tema sempre atual e em constante desenvolvimento no
desenrolar da história.
MOORE ,Sonia.The Stanislavski system:the professional
training of an actor.New York :Penguin
books,1984.2nd edition.Tradução nossa.
3.Um caminho negativo em busca de uma
segunda natureza
Podemos dizer, com Eugenio Barba, que “as palavras estáveis
possuem a fragilidade de sua estabilidade”.Esse paradoxo imanente às palavras
evidencia-se ainda mais quando tentamos traçar em letra um discurso tal que dê
conta da complexidade de um legado construído em vida, e que, por isso mesmo,se
manteve em constante movimento:”apenas a ação é viva mas só a palavra
permanece”(BARBA,1994,p.193-194).
Stanislávski sempre se mostrou um homem dedicado ao trabalho
prático:”Meu livro não tem pretensão de ser científico”
(STANISLAVSKI,2008,p.XXIV)[1],
afirma no início do prefácio à sua obra teórica.O caráter pragmático do mestre
russo é por vezes gritante:”sou um homem prático, e posso
ajudá-lo a compreender, sentir, a natureza da verdade artística,não pelas
palavras, mas pela ação” (STANISLAVSKI,2008,p.192)[2].
Mas o Stanislávski prático fora um homem em
perene busca pela palavra. Sua autobiografia é apontada, pelo próprio
Stanislávski, como “uma espécie de prefácio a uma outra obra”, onde, confessa,
desejaria consignar os resultados de suas pesquisas sobre “os métodos de
criação do ator e a aprendizagem de sua arte” (STANISLAVSKI,1956,s/p).A
recorrência à palavra dá se por conta do desejo de legar ao porvir um
testemunho que pudesse servir como estímulo aos artistas do futuro.
Por outro lado, Stanislávski receava, na
recorrência à palavra escrita, o risco da fossilização.De acordo com Franco
Ruffini, o mestre russo temia que seus escritos pudessem assumir a imagem de “uma
série de resultados sem pesquisa, como uma espécie de ‘receita de cozinha’.O
pesquisador italiano afirma que o problema de Stanislávski, enquanto escritor,
foi o de “sistematizar seu conhecimento sem fazer desta sistematização um
sistema”(RUFFINI,2003,p.15)[3].
Talvez seria mais cauteloso assumir o legado
literário deixado por Stanislávski como um conjunto de princípios lançados ao
tempo, uma voz do passado a ecoar no presente na forma de uma pergunta a espera
de respostas pessoais.Essa é, aliás, a atitude incentivada pelo próprio
Stanislávski:
Eu escrevo tudo isso com o objetivo de prevenir, na medida do
desenvolvimento de minhas ideias, todo tipo de notas ao pé da letra sobre as
interpretações de nossos geniais predecessores à cuja autoridade tanto gostam
de remitirem-se os artistas medíocres.Para dar a si mesmo mais peso gritam:
“Mochalov[4]
mesmo
fazia isso!”.(...).A resposta surge por si só: Justamente por ele você não deve
fazer o mesmo (STANISLAVSKI,1986,p.26)[5].
O mestre russo lançou sua voz ao
futuro: esperava uma resposta daqueles que depois viriam, porque “o esforço dos
inovadores só será compreendido quando outros mais tarde se aproveitarem das
suas descobertas”(STANISLAVSKI,1956,p.170).Grotowski manifesta sua estima pelo
mestre russo, mas não o assume como um modelo esperando por cópia, prefere
encará-lo como uma espécie de pergunta em busca de resposta, porque, para ele,
o “sistema”:
Não pode existir de outra maneira senão como um chamado, um
desafio.E não se pode, jamais, prever qual será a resposta de algum outro
(...).Se a resposta é a mesma, então é quase seguro que esta resposta é falsa
(GROTOWSKI in CEBALLOS,1993,p.19)[6].
Como Stanislávski, Grotowski também empreenderá uma pesquisa
de caráter prático.Para Grotowski (1976,p.13) “a palavra pesquisa não deveria
lembrar sempre pesquisa científica” ela “significa que abordamos nossa
profissão mais ou menos como o entalhador medieval, que procurava recriar no
seu pedaço de madeira uma forma já existente”.
O mestre polonês foi muito cauteloso com a escolha dos termos
que empregou.Como comenta Ludwik Flaszen, conselheiro literário do Teatro
Laboratório, Grotowski procurava “o método que não fosse o método” (in FLASZEN
& POLLASTRELLI,2007,p.19).De acordo com Marco de Marinis:
A escrita era para ele [Grotowski] um instrumento gerador de
equívocos e de incompreensão que, inevitavelmente, tracionava a experiência
prática, uma experiência que não se pode conhecer desde o ponto de vista exterior,
mas somente vivê-la diretamente (MARINIS,2004,p.16)[7].
É com veemência que Grotowski nos previne contra a tendência
de se tomar de seus escritos como manuais incontestes que trariam a resposta
final para todos os problemas; preferindo propô-los, antes, como uma espécie de
pergunta:
Tem se formulado perguntas a propósito de meu livro [Em busca de
um teatro pobre], e eu quero sublinhar, uma vez mais, uma coisa.Esse livro não
é um manual.Eu não creio que nesse domínio ao qual temos entregado nossa vida,
os manuais sejam possíveis.(...).Quiçá, para alguns, possa funcionar como um
desafio ou como uma interrogação, e então pode ajudá-los a buscar a sua própria
e verdadeira resposta.Nesse caso está bem.Mas se lhe toma como uma espécie de
base para um sistema teatral, sou contra.E nesse caso lamento que o livro
exista (GROTOWSKI apud SEOANE in BRAMBILLA,2005,p.28)[8].
É considerando a prevenção ora apresentada que recorro às
palavras: busco traçar possíveis similitudes entre o trabalho desenvolvido por
Stanislávski e aquele de Grotowski junto aos atores do Teatro Laboratório,
tendo como fonte de pesquisa, textos literários.
Desde sua gênese o Teatro de Arte de Moscou
consoou com o espírito reformista que se fazia presente no universo artístico
da época.Tanto o mestre russo quanto seu companheiro, Nemirovitch-Dantchenko,
que com Stanislávski fundou a companhia artística, viam “com pessimismo
o teatro desse fim de século, em que as tradições do passado, degenerando em
rotina,se reduziam a mera habilidade técnica” (STANISLAVSKI,1956,p.100).Stanislávski constata haver “uma larga bateria de truques, com
ostensiva capacidade de expressar todos os sentimentos que você pode encontrar
no curso de sua carreira”, mas percebe nesses somente, e tão somente, uma
“imitação, uma aparência para seus supostos resultados exteriores” (2008,p.28)[9].O mestre russo nota que
O corpo do ator, habituado às banalidades da vida cotidiana,
sentindo-se naturalmente tolhido diante dos sentimentos elevados de ordem
geral, que tem de interpretar, recorre naturalmente às costumeiras chapas fora
de moda: ergue os braços, estende as mãos, atira-se no chão, caminha com
solenidade teatral (STANISLAVSKI,1956,p.156).
Todos esses gestos ilustrativos são encarados
por Stanislávski como clichês: gestos e poses estereotipados, “truques
técnicos” aos quais recorriam atores indolentes na tentativa de travestir sua
incapacidade artística.De acordo com Stanislávski (1986,p.120)[10],
“os clichês, o convencional, são cadeias que escravizam os atores cortando-lhes
a liberdade”.
Como conceder ao ator o domínio sobre seu
fazer de modo a livrá-lo da falsidade na emoção e da escravidão do convencional
que corrompia o teatro no início do século XX? – estas, dentre outras, são
questões motoras do trabalho pedagógico que viria a ser desenvolvido por
Konstantin Serguiêievitch.
Seu trabalho alimentou-se pelo desejo de proporcionar ao ator
“um estado físico e moral que favorecesse a criação – isto é um estado
criador oposto ao estado cênico”
(STANISLAVSKI,1956,p.165,grifo do autor).A partir da análise de sua própria
auto-biografia artística, Stanislávski passa então, a partir de 1906, a desenvolver seu
“sistema”, que teria por objetivo auxiliar o ator-estudante no desenvolvimento
de sua criatividade artística.O “sistema” deveria ajudar o ator a vencer as
amarras da esteriotipia gestual, do banal e do cotidiano, desenvolvendo o
pretendido “estado criador”, condição tal, que concedesse ao ator a capacidade
de criar em consonância com a natureza em si, porque esta é, de acordo com
Stanislávski, simples e bela tal qual deveria ser a natureza teatral que com
primeira se harmonizasse.
Cabe notar que Stanislávski nunca desprezou o teatral e a
estilização.De acordo com o mestre russo, “a vida real, o
sentimento verdadeiro não matizado em cena com uma dada porcentagem de
teatralidade, são demasiado prosaicos e cinzas”(STANISLAVSKI,1986,p.199).O teatro é, para Stanislávski, uma realidade outra, dotada de
características particulares, e, portanto,
teríamos de nos refazer completamente, corpo e alma, da cabeça
ao pé e adaptarmo-nos às demandas de nossa arte, ou melhor, às demandas da natureza”.Porque
a arte está em harmonia com ela.A vida e os maus hábitos que tem sido nela
incutidos maculam a nossa natureza.Deficiências que passam despercebidas na
vida real se tornam óbvias sob as luzes do palco e evidenciam-se aos olhos da
plateia como feridas abertas (STANISLAVSKI,2008,p.132)[11].
A vida cotidiana constitui, para Stanislávski, um processo
educacional que macularia o ator, incutindo-lhe vícios que o impediriam de
expressar a beleza natural latente em si.O “trabalho do ator sobre si mesmo”,
deveria perpetrar a construção de uma condição outra, que, em harmonia com a
natureza, constituiria o estado criador do ator, e esta condição deveria registrar-se
de tal modo no indivíduo artista a ponto de tornar-se “uma parte de sua carne,
de seu sangue e de seu coração” , porque só quando o “sistema” se transformasse assim numa parte
indissociável da identidade do ator, sua segunda natureza, poderia este “começar,
inconscientemente, a fruir de seus benefícios” (STANISLAVSKI,2008,p.XXV)[12].
Por compreender a vida em si
como processo educacional, o mestre russo aconselha que a luta contra os maus
hábitos cotidianos deveria dar-se a “todo o tempo, durante todo o dia, no
transcurso de toda a vida do artista”, enquanto o assimilado não se convertesse
“em uma segunda natureza” (STANISLAVSKI,1983,p.425)[13],
porque, de acordo com Stanislávski,“só o hábito permite assimilar as nossas
descobertas, incorporá-las ao organismo” (STANISLAVSKI,1956,p.171).Da condição
criativa o ator só poderia usufruir quando esta se tornasse sua segunda
natureza, ou seja, quando se transformasse, enfim, pelo estudo prático diário
pautado nos elementos do “sistema”, numa parte de sua carne e de seu sangue,
aspecto indissociável de sua individualidade.Tal estudo é, em suma, um trabalho
de caráter auto-analítico que objetiva a construção contínua de si mesmo guiada
pelos princípios do sistema, que, por sua vez, baseiam-se nas leis orgânicas da
ação.Alguns desses princípios serão aludidos a seguir.
Dentre os elementos constitutivos do “sistema” encontramos a
“liberdade muscular”.Stanislávski constata que o ator, em uma situação
espetacular, tende a tensionar em demasia determinadas regiões do corpo, e que
esta tensão desnecessária poderia constituir um entrave no processo criativo,
podendo “paralisar toda a nossa capacidade de ação”, e aconselha uma constante
luta contra esse defeito (2008,p.120 -121)[14].Caberia
ao ator-estudante trabalhar diariamente, e “não só em aula”, mas “em todos os
momentos de sua existência” a fim de “tornar o controle muscular parte de seu
ser, transformá-lo numa segunda natureza” (STANISLAVSKI,2008,p.123)[15].
A liberdade muscular deveria possibilitar o livre fluxo energético
através da rede muscular, porque “o que é a tensão, o espasmo, senão a energia[16]
motriz que ficou bloqueada” ? – pergunta Stanislávski (1983,p.45)[17].O
mestre russo idealiza ao ator a desenvoltura corporal do gato, cuja “confiança
combinada com leveza, agilidade e liberdade muscular” determinam a “excepcional
flexibilidade de movimentos pela qual os felinos são famosos”
(STANSLAVSKI,2008,p.133)[18].
O desenvolvimento da liberdade muscular deveria dar-se de
modo a torná-lo capaz de exprimir movimentos precisos e plásticos, que
transparecessem sua singular personalidade artística.De acordo
com Stanislávski, “a plástica simples e natural” deveria tornar-se “uma vez e
para sempre uma característica natural do ator, sua segunda natureza”, de modo
a expressar “total e belamente o espírito criativo do ator” (STANISLAVSKI,1986,p.182) [19].
O mestre russo propõe também a prática de distintas formas de
caminhar.Tal é necessário, já que, para Stanislávski, “todos
caminhamos de um modo incorreto, enquanto que a caminhada em cena deve ser tal
qual a criou a natureza, de acordo com todas as suas leis”
(STANISLAVSKI,1983,p.50)[20].Konstantin
Serguiêievitch esmiuça o ato de caminhar e reflete sobre sua
complexidade comentando sobre o papel desempenhado pelos pés, pernas e quadril
no decorrer dos passos, e propõe três tipos distintos de caminhadas baseadas em
diferentes maneiras de uso dos pés e dedos:
No primeiro o calcanhar inicia o passo.No segundo se avança apoiando a
planta inteira.No terceiro, conhecido como a marcha de Isadora Duncan[21], avança-se
apoiando primeiro os dedos, logo o movimento translada-se pela planta até o
calcanhar, para voltar em sentido inverso, e, depois, mais em direção para cima
pela perna (STANISLAVSKI1983,p.54)[22].
Stanislávski também recorreu a exercícios acrobáticos para o
treinamento atoral, mas, é digno de nota, não utilizou tais exercícios com o
intuito de formar atores acrobatas que teriam como objetivo último a exibição
de virtuosismos técnicos válidos por si só.O mestre russo recomenda o uso de acrobacias
para o desenvolvimento do estado de prontidão, necessário ao ator
principalmente nos momentos mais intensos de sua atuação, porque “aquele que
duvida no momento de um salto mortal, seguramente receberá um enorme galo ou
romperá a cabeça”.O mestre russo afirma que “estes instantes requerem decisão”,
e acrescenta: “A acrobacia ajuda a desenvolvê-la, e a decisão é muito
necessária nos momentos culminantes da criação” (STANISLAVSKI,1983,p.421)[23].
Stanislávski
pretendera “assentar em bases sólidas a técnica teatral e as faculdades
inventivas do ator” (STANISLAVSKI,1956,p.159), e dedicou-se à pesquisa dos
meios práticos através dos quais o ator pudesse medrar sua capacidade
criativa.Grotowski, por sua vez, afirmará
o interesse de “redescobrir os elementos da arte do ator” (GROTOWSKI,1976,170),
e, como Stanislávski, construiu seu trabalho pedagógico através de uma pesquisa
de caráter pragmático.O mestre polonês afirma admirar o russo, dentre outros
fatores, “pelo seu esforço em pensar sobre a base do que é prático e concreto (GROTOWSKI in CEBALLOS,1993,p.20)[24].
Grotowski estudou interpretação teatral na Polônia, e, depois
de formado, transferiu-se para Moscou, onde, como bolsista, estudou direção
teatral com Iuri Zavadski[25].Em
1959, de volta ao seu país natal, Grotowski aceita o convite de Ludwik Flaszen
– então um já respeitado teórico e crítico literário – para dirigir o Teatro
das Treze Filas, que assim ficou sendo chamado devido ao fato de dispor de
apenas treze filas de cadeiras para o público.Eugenio Barba –
que, principalmente no começo de seu trabalho, manteve intenso contato Grotowski,
a quem considera seu mestre – relata que “Flaszen tinha tido alguns encontros
com Grotowski para discutir o programa artístico do futuro teatro deles, que
deveria basear-se na “teatralidade” e na autonomia da literatura dramática” (BARBA,2006,p.20).
Como Stanislávski, Grotowski sempre
valorizou a teatralidade, a estilização e a alegoria.O mestre polonês afirma
que “a única arma do teatro é a teatralidade” (GROTOWSKI in FLASZEN &
POLLASTRELLI,2007,p.49), mas, assim como para Stanislávski, não bastava para
Grotowski o teatral por si só, a forma pela forma, era preciso que esta
transparecesse o conteúdo latente, era preciso, podemos afirmar, que o físico
revelasse o metafísico em si manifesto.
Grotowski (1976,p.20) afirma que “um ator, com uma quantidade considerável de
experiência, pode construir o que nós chamamos de seu próprio “arsenal” – isto
é, um acúmulo de métodos, artifícios e truques”, mas percebe que “esse “arsenal”
ou estoque pode não ser mais que uma coleção de clichês”, os quais o mestre
polonês não vê com bons olhos.A técnica pretendida por Grotowski não constituir-se-ia
pelo acúmulo de habilidades variadas, pois, para o ator, “não é necessário o
aprendizado de coisas novas, mas a eliminação de hábitos antigos” (GROTOWSKI,
1976,p.80).
Ocorre que, de
acordo com Grotowski (1976,p.197), “a civilização moderna se caracteriza”
dentre outras peculiaridades,”pelo desejo de esconder nossas motivações
pessoais, e por uma adoção da variedade de máscaras da vida”.O trabalho do ator
constituiria, na visão grotowskiana, uma espécie de arqueologia pessoal em
direção ao contato com conteúdos arquetípicos que, reprimidos pelas “máscaras
cotidianas”, permaneceriam no indivíduo como forças primitivas em estado de
latência.Caberia ao ator libertar seu corpo – leia-se: libertar-se – “de toda
resistência a qualquer impulso psíquico”, e
“se quisermos um grupo de teatro cujo alimento seja esse tipo de
trabalho, então temos de seguir um método especial de treinamento e de
pesquisa” (GROTOWSKI,1976,p.19).
O método de trabalho desenvolvido no Teatr Laboratorium apresenta-se, nas
palavras grotowskianas, como “uma via
negativa, não uma coleção
de técnicas, e sim erradicação de bloqueios (GROTOWSKI, 1976,p.3).Caberia ao
ator conhecer seu próprio corpo – leia-se: conhecer-se – de maneira a descobrir
seus obstáculos pessoais,compreendendo-os como limites provisórios, barreiras
em busca de suplantação.Grotowski recomenda ao ator que não procure “métodos
pré-fabricados para cada ocasião”, pois tal caminho “só conduzirá a
esteriótipos”, mas sim que aprenda, ele mesmo, “suas limitações pessoais, seus
obstáculos e a maneira de superá-los” (GROTOWSKI,1976,p.171).Ludwik Flaszen
descreve a via negativa como um processo que visa eliminar, do trabalho do
ator,
“gestos aprendidos, “meios de expressão” belos e prontos, modos
de atuar inventados de cabeça (...) um training
específico, individualizado”, que visa “eliminar os esteriótipos dos
comportamentos e da reação” (in FLASZEN & POLLASTRELLI,2007,p.30).
Os
objetivos afirmados por Grotowski e confirmados por seu parceiro, Flaszen, ao
referir-se a “via negativa”, assemelham-se, pois, àqueles que motivaram as
pesquisas desenvolvidas por Stanislávski junto aos atores dos estúdios.O ator idealizado por Stanislávski
deveria lutar contra a prisão do cliché, a superficialidade do esteriótipo, o
idealizado por Grotowski, por sua vez, deveria dedicar-se a um processo
educacional que apresenta-se como uma “via negativa” em busca da quebra com
esteriótipos gestuais, uma negação da superficial plasticidade esteriotípica em busca de uma teatralidade
viva.
Quando nos voltamos ao conjunto de exercícios trabalhados por
Grotowski junto aos atores do Teatro Laboratório, novamente descobrimos
similaridades entre esses e alguns daqueles antes propostos por
Stanislávski.Dentre os vários exercícios propostos por Grotowski aos atores,
encontramos o estudo de distintas formas de caminhar.O mestre
polonês sugere o estudo de diferentes tipos de passos, determinados, por
exemplo, por “diferentes dinamismos físicos (fleumático, belicoso, nervoso,
sonolento, etc)”,ou, ainda, como “paródia dos passos das outras pessoas”, mas,
nesse caso, acrescenta que o essencial é “aprender os motivos, e não o
resultado final, o jeito de andar” (GROTOWSKI,1976,p.96-97).
Grotowski também aplicou acrobacias em seu trabalho junto aos
atores do teatro laboratório.A importância da capacidade decisiva e sua relação
com os exercícios acrobáticos afirmada pelo mestre russo é reafirmada por
Grotowski – em palavras quase idênticas às usadas por Stanislávski anos antes
– quando o diretor polonês diz que “nos
saltos mortais, o ator que hesita, que não assume riscos, também hesitará no
momento culminante de seu papel”(GROTOWSKI in WOLFORD &
SCHECHNER,2001,p.46,Trad.Nossa)[26].
A influência do ioga – que já
transparecia nas reflexões stanialsvskianas sobre a liberdade muscular – também
aparecerá, de maneira bem mais marcante, no trabalho desenvolvido por Grotowski.Stanislávski
também mantivera contato com a filosofia hindu, mas não se sabe ao certo se
aplicou ou não exercícios de ioga aos atores-estudantes[27].A influência da filosofia oriental é bem mais evidente em
Grotowski, que chegou a aplicar exercícios extraídos do hata-ioga aos atores do
Teatro Laboratório a fim de desenvolver-lhes a capacidade de concentração, mas
percebeu, depois de certo tempo, que tais práticas conduziam a uma
“concentração introvertida”, uma espécie de “repouso
absoluto que elimina todas as ações” (GROTOWSKI,1976,p.195).
A partir do trabalho sobre exercícios do ioga, Grotowski
resgata a importância da liberdade muscular no trabalho do ator, admite
concordância com o antes defendido por Stanislávski, e destaca o risco de
relaxamento excessivo, o que, de acordo com o pedagogo polonês,poderia ser tão
prejudicial quanto a tensão exacerbada:
Stanislávski foi o primeiro a observar que quase todo ator,
quando está nervoso,tem um certo ponto no corpo que se torna o centro da
tensão, da contração.(...)No plano profissional essa hipótese está
evidentemente correta.Pode ser ampliada com a seguinte observação:existem
também alguns atores que tem um centro de relaxamento.Se estão num estado
psíquico artificial, provocado pelo nervosismo ou por uma espécie de histeria
profissional, relaxam demais certas partes do corpo e se tornam frouxos como
farrapos (GROTOWSKI in FLASZEN & POLLASTRELLI,2007,p.166)[28].
A importância concedida à
plasticidade dos movimentos é outra questão a apresentar-se no trabalho de
ambos.Como Stanislávski, Grotowski também trabalhará junto aos atores do Teatro
laboratório sobre os chamados “exercícios plásticos”.Foi “depois de ter
aplicado diferentes tipos de exercícios plásticos extraídos de sistemas bem
conhecidos (Delsarte[29], Dalcroze[30] e
outros)”, que o mestre polonês passou a considerar esses exercícios como “um
conjunctio oppositorum entre estrutura e espontaneidade (GROTOWSKI in FLASZEN
& POLLASTRELLI,2006,p.171)[31].
A
busca por uma “precisão espontânea” é um ideal paradoxal a mover o trabalho de
Grotowski junto aos atores do teatro laboratório.Ocorre que, de acordo com
Grotowski (in FLASZEN & POLLASTRELLI,2007,p.202), é só “quando são mantidas simultaneamente a
espontaneidade e a precisão”, que “agem ao mesmo tempo a consciência (isto é, a
precisão), e o inconsciente (isto é, a adaptação espontânea)”.A partitura
deveria ser o bem arquiteturado edifício que servisse de invólucro para a
expressão da singularidade do ser humano ator no momento de sua apresentação,
aliando assim seu aspecto consciente e inconsciente num todo indivisível.”Como
podemos conservar os elementos objetivos e ainda continuar além, em direção a
um trabalho puramente subjetivo ?”.Grotowski (1976,p.196) afirma ser essa a
“contradição do representar” e a “essência do treinamento”.
Assim é que Grotowski (in CEBALLOS,1993,p.23)[32]
comenta que, “quando naquilo que faziam durante o espetáculo”, os atores
“perdiam a precisão, era necessário buscá-la nos exercícios”, mas não aquela
precisão petrificada – superficial e estereotípica – e sim aquela na qual
poderíamos vislumbrar “uma espécie de intersecção entre o que estava ainda no
fluxo das reações pessoais e o que se encaminhava em direção à precisão”.
A divisibilidade entre corpo e mente é, na visão
grotowskiana, uma mera quimera.O mestre polonês enxerga a complexidade
corpo-mente em sua totalidade, é a carne, para Gotowski, o campo de registro
dos dramas vitais inscritos na história da humanidade, é, para ele, no corpo que
poderíamos escrever o indizível, um “corpo-vida”:
Nos denominados exercícios “plásticos” o nível de detalhes é
preciso.Por meio deles o corpo-memória se manifesta.O corpo-memória: a totalidade
de nosso ser é memória.Mas quando dizemos “a totalidade de nosso ser”,
começamos a imergir, não na potencialidade, mas nas recordações, nas regiões da
nostalgia.Eis porque talvez seja mais exato dizer corpo-vida (GROTOWSKI in
FLASZEN & POLLASTRELLI,2007,p.147).
As inquietações que moveram o trabalho desenvolvido por
Grotowski constituem par àquelas que, antes, levaram Stanislávski a dedicar-se
sobre o estudo prático do fazer artístico.Grotowski, que nunca escondeu seu
respeito por Stanislávski, tomou dos escritos deixados pelo russo, dentre
outras fontes diversas, como um fomento para a construção de seu próprio trabalho,
e também motivou seus leitores a tomarem a mesma atitude com relação às suas
palavras.Para além das similaridades entre os princípios artísticos e as
propostas de trabalho de ambos, existe o desejo de buscar no teatro um meio
através do qual pudessem conhecer a si mesmos no contato com outras pessoas.
O trabalho artístico é tido por ambos como uma arqueologia
pessoal, uma contínua construção de si mesmo pela relação com os demais, seja com
aqueles com os quais compartilhamos do agora, seja com aqueles que se fazem
presentes no hoje como afirmação de um passado que merece ser respeitado, já
que, no amanhã, é à memória que todos nós nos resumiremos.
4.A UNIDADE CORPO-MENTE NAS PESQUISAS DE STANISLÁVSKI E GROTOWSKI:
(...) o que representa a pintura para Cézanne ou para Van Gogh é
essa textura, esse tecido de sensações, mesclado com nossa memória corporal,
que busca palavras para dizê-lo.O gênio de Grotowski é ter articulado um método
para conseguir isso.Mas pôde fazê-lo porque escutou bem a seus ancestrais e
porque roubou bem de seus professores e compreendeu bem o que buscava.
Serge Ouaknine.
Quando deles falamos, usamos comumente o plural.São
dois:corpo e mente: como se duas seções alienáveis uma da outra fossem.Esta
simples letra, a conjunção e, sustenta, no universo aparentemente estável das
palavras, a separação da complexidade ser humano em dois âmbitos que, bem
sabemos, são, em última instância, inseparáveis: “o corpo” e o “eu”.Grotowski:
A existência de vocês é constantemente dividida entre “mim” e o
“meu corpo” – como duas coisas diversas. (...) Não estar divididos:é não somente a semente da criatividade do
ator, mas é também a semente da vida, da possível inteireza (in FLASZEN &
POLLASTRELLI,2007,p.175).
Não obstante é sempre
assim:quando ao corpo nos referimos é sempre a ele, como se ao outro fosse. É
assim que, como nota o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr.:
Em várias situações podemos, ainda, continuar usando nosso
vocabulário velho e carcomido, dualista, que faz tomar o corpo não como um
“eu”, mas como um elemento que o “eu” carrega e ordena, ou deve aprender a
ordenar.De fato, muito do que fazemos, hoje, ainda facilita a manutenção do
vocabulário dualista. (...).Ninguém pensa em quebrar, ao menos no âmbito do
vocabulário que usamos, a prática de falar em “corpo e mente”, “corpo e alma”,
“cérebro e mente”, e coisas assim (GHIRALDELLI,2007,p.18).
É a tal ousadia que Grotowski se permite: o ataque contra o
paradigma dualista “corpo e mente” – e encontra para isso uma estratégia
vocabular[1].O
termo “corpo-vida” é quase que auto-explicativo: para Grotowski o corpo é vida,
de modo que, de acordo com o pensamento grotowskiano, seria mais correto
referir-se à ele na primeira pessoa.Fosse o caso, poderíamos recorrer ao hífen:
corpo-eu, tal qual ocorre em corpo-memória: para Grotowski “O corpo não tem memória, ele é memória” (in FLASZEN &
POLLASTRELLI,2007,p.173).
Mais a frente voltaremos a essa questão.Então, discorremos um
pouco mais sobre a indissociabilidade entre corpo e mente discriminada nas
palavras deixadas por Grotowski.Antes,voltemos a Stanislavski.
Como estamos tratando de assuntos relacionados à memória, é
justo debruçar sobre uma questão que muito interessou o mestre russo:a memória
emotiva[2].Ocorre
que Stanislávski, influenciado pelas teorias psicológicas de Ribot[3],
fascina-se pela capacidade de registro das emoções na memória.Como
consequência, ocorre a Stanislávski a possibilidade do uso de tais sentimentos
inscritos na memória emotiva do ator como subsídio para seu trabalho.
Não encontramos no capítulo de sua obra teórica referente a
esse assunto uma definição precisa e definitiva do termo.Stanislávski prefere
tomar de um exemplo extraído de Ribot para explicar suas ideias.A citação é
extensa, mas vale a pena resgatá-la a fim de, logo depois, reforçar alguns
pontos já salientados por Stanislávski:
Você entenderá a partir deste exemplo que provém de Ribot: Dois
viajantes foram atingidos por uma maré.Eles escaparam e depois recontaram suas
impressões.Um deles se lembrou de cada uma de suas ações, como, onde, por que
ele tinha ido até lá, como ele caiu, como posicionou seu pé, onde ele pulou.O
outro não se lembrou de quase nada de tudo aquilo, mas só lembrou-se dos
sentimentos que tinha vivido do começo ao final da experiência, primeiro
agitação, depois alerta, esperança, dúvida e, finalmente, um estado de
pânico.Se hoje, ao simplesmente pensar sobre o exercício, todos os sentimentos
que você experimentou na primeira vez retornassem como aconteceu com o segundo
viajante, se os tivesse vivido e começasse a reanimá-los de forma produtiva e
proposital, e tudo isso tivesse acontecido espontaneamente, sem o esforço da
vontade, eu diria que você teve uma memória emotiva de primeira classe, muito
desenvolvida.Mas infelizmente, este é um fenômeno muito raro
(STANISLAVSKI,2008,p.198)[4].
É notório que, ao tratar dos sentimentos registrados na
memória emotiva, Stanislávski não se refere a “sentimentos em geral”.Na
verdade, o mestre russo demonstra verdadeira ogeriza por esse termo.Para ele, a
expressão “em geral”, quando usada para julgar a atuação de um ator é um
insulto, pois “a arte ama a ordem e a harmonia, mas “em geral” significa
desordem e caos”(STANISLAVSKI,2008,p.56)[5].O
ator necessitaria, por conseguinte, da capacidade de resgatar um sentimento
precisamente registrado, de reanimar uma lembrança exata registrada em sua
memória emotiva de maneira a retomá-la de forma “produtiva e proposital”.Uma
tarefa difícil? Como vimos,o próprio Stanislávski admite, no final da citação aqui
referida, a raridade de tal fenômeno.
Assim, já ressalta Stanislávski, no capítulo referente à
memória emotiva, como o caráter vacilante de tal subsídio poderia constituir
entrave frente a necessidade do resgate proposital e produtivo do conteúdo registrado
na memória das emoções.Assumindo, portanto, o problema inerente à “memória
emotiva”, Stanislávski sugere ao ator que busque estratégias que possam agir
como “iscas”, atraindo o conteúdo emotivo registrado pela memória do ator:
Você deve lidar com a Memória Emotiva e os sentimentos nela
contidos da mesma forma que um caçador trata uma ave selvagem (...) “se o
pássaro não voa até ele não há como persegui-la em meio a um denso bosque
verde.Não há nada a fazer a não ser atraí-la para fora da selva com a ajuda de
um especial assovio, que chamamos de “isca” (STANISLAVSKI,2008,p.225)[6].
Sendo assim, fica a pergunta: quais seriam as possíveis
“iscas” às quais poderia recorrer o ator na tentativa de atrair o conteúdo registrado
em sua memória? Movidos por essa questão, desviemos nossa atenção, por um breve
momento, para um elemento do “sistema” particularmente caro ao mestre russo:o
tempo-ritmo.
As pesquisas de Stanislávski sobre o tempo-ritmo no trabalho
do ator remontam à experiência que tivera junto aos atores do estúdio do Teatro
Bolshoi entre 1918 e 1922.Lá, Stanislávski desenvolve uma série de exercícios
com o objetivo de desenvolver o senso rítmico do ator, importante quesito no
conjunto de habilidades que caracterizavam o artista idealizado pelo mestre
russo, que assim define, respectivamente, tempo e ritmo:
O tempo é a rapidez
com a qual se alternam períodos iguais, de uma medida qualquer, que por
convenção são tomados como unidades.Ritmo
é a relação dos períodos efetivos (de movimento, som) que dizem respeito
aos períodos estabelecidos por convenção como unidades em um tempo e medida
determinado (STANISLAVSKI,1983,p.137)[7].
Partindo da definição de tempo e ritmo proposta por
Stanislávski para um exemplo explicativo, poderíamos tomar o período de um minuto
como medida de unidade, e dividí-lo em segundos, centésimos de segundo,
milésimos de segundo, e assim por diante, tal qual ocorre com a divisão rítmica
de uma melodia musical.O ritmo seria, nesse caso, o complexo formado pela
relação entre estas distintas unidades de tempo numa determinada peça musical.A
diferença é que, enquanto a matéria-prima do compositor musical é o som, o ator
tem a si mesmo como materia-prima de sua composição.
No capítulo de sua obra teórica dedicado ao estudo do
tempo-ritmo no trabalho do ator, Stanislávski aponta para uma série de
exercícios realizados com o auxílio de metrônomos[8].Konstantin
Serguiêievitch utiliza do instrumento como regulador do exato tempo-ritmo da
ação, de maneira a marcar o preciso tempo-ritmo dos exercícios propostos, que
consistiam na execução de ações diversas em distintas velocidades.
Mas o uso do metrônomo não era, salientemos, um recurso ao
qual o ator deveria recorrer imprescindivelmente.A recorrência ao intrumento de
marcação rítmica deveria servir como auxiliar no desenvolvimento do senso
rítmico do ator até o ponto em que este, conquistando a compreensão prática das
distintas variações ritmicas possíveis, poderia renunciar “a esse método tosco”
e substituí-lo “pela mais refinada conta mental” (STANISLAVSKI, 1983,p.155)[9].
É a partir do trabalho prático desenvolvido com os atores do
estúdio do Bolshoi que Stanislávski descobre a capacidade de despertar o
conteúdo psíquico do trabalho do ator por meio do tempo-ritmo.Assim, vem
Stanislávski a alertar que
Se o tempo-ritmo é tomado adequadamente, o sentimento e a
vivência correta criam-se, naturalmente, por si mesmos; mas se o escolhemos
equivocadamente, de igual modo surgirão, em distintos momentos do papel,
sentimentos e vivências incorretos que não podem ser corrigidos se não
modifica-se esse tempo-rtimo (STANISLAVSKI,1983,p.143)[10].
Ainda
no capítulo de sua obra teórica referente ao “tempo-ritmo”, Stanislávski assume
a possibilidade de uma via de mão dupla, sustentada pela recíproca estimulação
dos aspectos físicos [externos] e psíquicos [internos] envolvidos na ação,
tendo o tempo-ritmo como elo de ligação:
Se o ator sente intuitiva e corretamente o que diz e faz em
cena, o tempo-ritmo adequado se
manifesta espontaneamente, distribuindo as passagens frágeis e débeis da
linguagem, e os pontos de coincidência.Se isso não ocorre, só nos resta
despertar o tempo-ritmo pela via
técnica, ou seja, como de costume, ir do externo ao interno
(STANISLAVSKI,1983,p.148)[11].
Stanislávski admite, então, que “o tempo-ritmo da ação pode sugerir de modo intuitivo, direto,
imediato, não só os sentimentos correspondentes”, como também exercer
influência “com maior força ainda sobre a memória emotiva e sobre a imaginação
nas ações musicais” (STANISLAVSKI,1983,p.150) [12].
Assim, o trabalho de Stanislávski como educador artístico no
estúdio Bolshoi vem a afirmar algo que o mestre russo já constatava anos antes,
quando sugeria, a título de pergunta, no texto de sua obra teórica referente à
memória emotiva:
Você se lembra das ações físicas, sua lógica e sequência,
verdade e fé na sua autenticidade? Isso também é um importante estímulo para os
sentimentos (STANISLAVSKI,2008,p.224)[13].
Ocorre que, ao contrário do que algumas leituras de sua obra
podem sugerir, o mestre russo nunca desprezou o aspecto físico do trabalho do
ator.A importância concedida ao desenvolvimento do aparato físico através dos
exercícios aos quais nos referimos no capítulo anterior já apontam para a
importância conferida pelo mestre russo ao corpo do ator, mas é sempre
importante frisar esse ponto.
O
mestre russo afirma ser o objetivo do ator “a criação da vida do espírito
humano de um personagem e a comunicação dessa vida no palco de forma artística”
(STANISLAVSKI,2008,p.19)[14].Criação
esta que deveria dar-se de maneira a englobar seus aspectos físicos e
psíquicos, porque, sublinha Stanislávski mais a frente, “o ator não deve
somente experienciar seu papel interiormente, ele deve incorporar essa
experiência interna fisicamente (STANISLAVSKI,2008,p.20)[15].Não
obstante ainda nos vemos presos ao “vocabulário velho e carcomido,
dualista” criticado pelo filósofo citado nas primeiras linhas deste capítulo,
mas se assim é, não o é por culpa de Stanislávski.
Ao
seguirmos o traçado histórico do pensamento stanislavskiano, podemos perceber a
crescente atenção ao aspecto físico da atuação – sem detrimento, é importante
ressaltar, de seu aspecto psíquico – o que desencadearia, no fim de sua
carreira, no método das ações físicas[16],
que o mestre russo assume como a síntese de suas pesquisas sobre a natureza
criativa do ator.
Neste
ponto são reveladoras as lembranças de Vassily Toporkov (1889-1970) registradas
na obra Stanislávski Dirige[17],
onde o ator escreve sobre suas experiências ao lado do mestre russo na última
fase de sua vida.Conta o ator russo como certa vez, durante os ensaios de
Tartufo, de Moliére, última peça na qual o mestre russo trabalhou, Stanislávski
teria afirmado categoricamente:”Não falem sobre sentimentos que não podem ser
fixados.A única coisa que se pode recordar e fixar é a ação física”
(STANISLAVSKI apud TOPORKOV,1961,p.175)[18].
O
caráter taxativo da afirmação à qual acabamos de nos referir faz necessário o
sublinhamento de que a mudança de postura manifesta pelo mestre russo,
recusando-se na ocasião comentada a discutir sobre o conteúdo emocional da cena,
não constitui despreocupação com este.O que ocorre é que, neste ponto, a ação
física é vista, definitivamente, como a melhor maneira de chegar a tal conteúdo
emocional buscado de maneira tão determinada pelo mestre russo:
Também seria errôneo considerar a ação física só como um
movimento plástico que expressa a ação.É uma ação autêntica, logicamente
fundada, que persegue uma finalidade concreta e que, no momento de sua
execução, se converte em uma ação psicofísica (TOPORKOV,1961,p.175)[19].
Assim,
Stanislávski defende a estreita ligação entre os aspectos físicos e psíquicos
presentes na ação quando afirma que “não há ação física sem desejo,
aspiração e objetivo, sem sua justificação interior pelo sentimento”(STANISLAVSKI,1983,p.412)[20],
assegurando assim a indissociabilidade corpo-mente que anos depois
re-afirmar-se-ia de maneira patente no pensamento grotowskiano.
Ainda fazendo uso das palavras de Toporkov:
Graças ao método das ações físicas o ator cobra fé no que está
corporificado na esfera dos sentimentos autênticos e de emoções profundas,
chegando pelo caminho mais curto à criação da imagem cênica (1961,p.177)[21].
O “caminho mais curto” ao qual o ator aqui se refere é aquele
da ação física à emoção, garantindo assim a indissociabilidade dos aspectos
físicos e psíquicos da complexidade ser humano.Cabe lembrar que o itinerário
aqui sugerido já era apontado quando, em seu texto sobre a memória emotiva, Stanislávski (2008,p.209)[22]
afirmava como “princípio motor de nossa escola de atuação”, a máxima: “o
subconsciente através do consciente”: o subconsciente atingido através da ação
física precisa e consciente.
Voltemos, agora, ao polonês.Grotowski defende a idéia de que
corpo é vida, um acento agudo que faz toda a diferença:
É necessário dar-se conta de que o corpo é a nossa vida.No nosso corpo, inteiro, são incritas todas as nossas
experiências (...) O corpo-vida é algo de tangível (GROTOWSKI in FLASZEN &
POLLASTRELLI,2007,p.205).
Ao discorrer sobre a indivisibilidade corpo-vida, Grotowski
comenta que, durante o trabalho prático,
(...) certos detalhes dos movimentos da mão e dos dedos irão se
transformar, mantendo a precisão dos detalhes, em uma volta ao passado, a uma
experiência na qual tocamos alguém, talvez um amante, a uma experiência
importante que existiu ou que poderia ter existido.Eis como o
corpo-memória/corpo-vida se revela (GROTOWSKI in FLASZEN &
POLLASTRELLI,2007,p.173).
Notemos, pois, que a ideia acima expressa já se apresentava
nas reflexões stanislavskianas sobre a memória emotiva: a capacidade de
ativá-la através de uma via corporal.Referindo-se à Stanislávski, Grotowski
chama-nos a atenção para o fato de que o mestre russo, quando “trabalhava sobre
as ações físicas, superou e ainda também prolongou, sua velha ideia da “memória
emotiva” (GROTOWSKI in CEBALLOS,1993,p.24)[23]. Seria Grotowski, anos depois de Stanislávski, que,
continuando as pesquisas stanislavskianas sobre os processos criativos do ator,
desenvolveria ulteriores considerações sobre
estes e conceberia o termo corpo-vida como referente à unidade corpo-mente.
Uma importante ideia a se manter presente no pensamento
stanislavskiano desde a época da escrita do texto sobre a memória emotiva até
aquela do método das ações físicas, já nos últimos anos de sua carreira, diz
respeito a uma outra indissociabilidade: ator-personagem.No texto sobre a
memória emotiva:
Nós podemos entender, sentir um papel, colocarmo-nos no seu
lugar e começar a se comportar como o personagem se comportaria.Isso evoca
experiências que são similares às do papel em nós.Mas estes sentimentos não
pertencem ao personagem escrito pelo autor, mas ao próprio ator
(STANISLAVSKI,2008,p.209)[24].
Grotowski viria a desenvolver tal
pensamento, considerando que “não há personagens, há um rol, um campo, um
desafio.E a resposta é a própria vida do “ator” (GROTOWSKI in
CEBALLOS,1993,p.45)[25].Aproveitando
da citação ora apresentada no desenrolar das
discussões sobre o papel da memória no trabalho do ator aqui apresentadas, cabe
comentar a experiência de Grotowski ao lado de Rizard Cieslak por ocasião da
montagem de O príncipe Constante,
segundo Calderón de La Barca ,
como encenada pelo Teatro Laboratório entre 1965 e 1968.Podemos considerar esta
como um caso exemplar da ideia de corpo-vida defendida por Grotowski.
Como nota Tatiana Motta Lima quanto ao processo de construção
da partitura de ações físicas do ator, Grotowski trabalhou sobre lembranças de
uma experiência amorosa que remontava à adolescência de Cieslak.Assim, ele
(...) começou a rememorar fisicamente aquele encontro amoroso.
Quando digo fisicamente, estou me referindo às “ações físicas” ou
“psicofísicas” de Staniskavski, que serão retomadas por Grotowski, onde o corpo
tem um estatuto não puramente físico: é o “corpo-memória” ou o “corpo-vida” do
qual fala Grotowski (LIMA,1998,p.81).
De acordo com Ferdinando Taviani (apud DALFORNO,2002,p.19)
Grotowski teria contado numerosas vezes que as ações que constituiam a
partitura de Cieslak em “O príncipe Constante” teriam emergido “até a
objetividade a partir da memória emotiva do ator”.O estudioso se refere a tal
experiência como “um meticuloso trabalho de recoleta física e paciente
reconstrução”.Sendo assim, o trabalho desenvolvido por Grotowski vem a retomar
as pesquisas stanislavskianas sobre a memória emotiva a
partir de um prisma que considera toda a trajetória do mestre russo, partindo,
portanto, da unidade corpo-mente como princípio motor do trabalho.
O processo de construção da partitura de ações físicas
aparece, tanto em Stanislávski quanto em Grotowski, como um trabalho detalhado,
preciso, mas sempre renovado pelo aqui e agora da experiência da atuação que
deveria, como sugere metaforicamente Stanislávski, alimentar-se de um fogo
inspirador cujo combustível fosse as experiências autobiográficas do ator:
Não imagine que você pode retornar às memórias de ontem,
contente-se com as de hoje.Aprenda a aceitar as memórias que tomam vida de
forma renovada.Então seu coração responderá com renovada energia à qualquer
coisa que não mais te excita numa peça que você já representou diversas
vezes.Você se incendiará e então, talvez, a inspiração aparecerá
(STANISLAVSKI,2008,p.207)[26].
Pois é a esse mesmo elemento natural, o fogo, que recorreria
Rizard Cieslak ao tratar de sua representação de “O Príncipe Constante”.Na
ocasião, o ator metaforiza sua partitura na imagem de um copo de vidro dentro
do qual, latente, deveria guardar-se uma vela:
A partitura é como um copo dentro do qual uma vela está
queimando (...).A chama é o que ilumina a partitura, é o que o espectador vê
através da partitura.A partitura continua a mesma, mas tudo é diferente porque
eu sou diferente(CIESLAK apud RUFFINI in WOLFORD & SCHECHNER,2001,p.203)[27].
Sendo
assim, resta-nos tomar do discurso ora traçado como legitimizador da afirmação
que serve de epígrafe a esse capítulo.Como afirmou Serge Ouaknine (in
BRAMBILLA,2005,p.53)[28],
se o gênio de Grotowski foi ter encontrado meios de articular “esse tecido de
sensações, mesclado com nossa memória corporal”, e de ter encontrado meios de
dizê-lo, foi “porque
escutou bem a seus ancestrais e porque roubou bem de seus professores e
compreendeu bem o que buscava”.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS:SEMENTES AO TEMPO:
A paixão amorosa, hoje em dia, é
vista unicamente sob a dimensão erótica.Por isso é quase impossível compreender
o termo “Mestre” em toda a sua densidade.E torna-se difícil ir além do óbvio,
de conceitos como influência, métodos, fidelidade ou infidelidade.Como se o
mestre não fosse aquele que se revela para desaparecer.Como se a sua ação
consistisse em ensinar e seduzir.E não fosse, em vez disso, uma fatigante
premissa para a descoberta da própria solidão, criativa e sem luto.
Eugenio Barba
Ao longo do presente trabalho, pude flagrar alguns momentos
de encontro entre Grotowski e Stanislávski.Além destes restam ainda alguns
outros que exponho nos parágrafos seguintes:
Entre 1913 e 1914 Stanislávski se perguntava:
Por acaso o cinematógrafo de Pathé eclipsou
Sófocles,Shakespeare,Goethe,Byron,Gogol,Ostroviski,Tchekhov e a todos os
grandes artistas da cena teatral? (STANISLAVSKI,1986,p.134)[29].
A pergunta foi
lançada numa época em que o cinema assistia a sua afirmação como obra de arte.O
teatro sofreu – e ainda sofre – o impacto.Mais e mais pessoas se interessavam
pela sétima arte.O fascínio que exercia o quadro luminoso ofuscava a luz dos
quadros teatrais.A pergunta lançada por Stanislávski encontraria em Grotowski
uma resposta inequívoca: “Existe apenas um elemento que o cinema e a televisão
não pode tirar do teatro: a proximidade do organismo vivo” (GROTOWSKI, 1976,
p.27).
E se é esse o
elemento essencial do teatro – podemos dizer com Grotowski: o encontro – então é
nele que devemos investir, na relação viva, que se renova a cada agora, no aqui
do encontro entre ator e espectador:
Pela eliminação gradual de tudo que se mostrou supérfluo, percebemos
que o teatro pode existir sem maquilagem, sem figurino especial e sem
cenografia, sem um espaço isolado para a representação (palco), sem efeitos
sonoros e luminosos, etc.Só não pode existir sem o relacionamento
ator-espectador, de comunhão perceptiva, direta, viva (GROTOWSKI,1976,p.5).
Eis ai a tese do “teatro pobre”: a centralização do ator em
seu encontro com o espectador como o elemento essencial da arte teatral.São
essas verdades simples, que evidenciam-se no trabalho prático, e, sob a leitura
de estudiosos dedicados, transformam-se em conceitos operativos devidamente
registrados, catalogados, rotulados, e, por fim, dicionarizados:
Teatro pobre: Fr.:théâtre pauvre; Ingl.:poor theatre; Al.:armes
Theater;Esp.:Teatro pobre.
Termo forjado por GROTOWSKI (1971) para qualificar seu estilo de encenação baseado numa extrema economia de recursos cênicos (cenários, acessórios, figurinos) e preenchendo esse vazio por uma grande intensidade na atuação e por um aprofundamento na relação ator/espectador (PAVIS,2007,p.393).
Termo forjado por GROTOWSKI (1971) para qualificar seu estilo de encenação baseado numa extrema economia de recursos cênicos (cenários, acessórios, figurinos) e preenchendo esse vazio por uma grande intensidade na atuação e por um aprofundamento na relação ator/espectador (PAVIS,2007,p.393).
Mas o “teatro pobre”, antes de virar conceito, já era
fato:era premissa, antes que definição.Stanislávski, no último capítulo de sua
autobiografia:
Pesquisando os mais diversos recursos e correntes do realismo,
do naturalismo, do futurismo, da estatuária, da arquitetura, da estilização por
meio de cortinas, paraventos, telas transparentes e efeitos de luz, chego a
conclusão de que nenhum desses meios fornece ao ator o fundo que sua arte
reclama.Depois de experimentar toda espécie de cenários, acabando por verificar
quanto são mesquinhas as suas possibilidades, posso repetir que tais
possibilidades estão, hoje em dia, completamente esgotadas.Quem manda no palco
é o ator (STANISLAVSKI,1956,p.201).
Stanislávski também já constatava, ainda em sua
autobiografia, que
(...) quanto mais o ator se preocupa com o espectador, mais
exigente este se torna, e refestelado na sua poltrona, exige que o divirtam sem
tratar de auxiliar sua criação em coisa alguma.Mas, quando o ator se
despreocupa do auditório, este vai lhe ao encontro, sobretudo durante as cenas
mais importantes, e que só num palco poderão ser vistas
(STANISLAVSKI,1956,p.166).
Quando Grotowski aconselha não ceder ao caráter sedutor da
plateia, novamente faz repetir, com suas próprias palavras, aquilo que o mestre
russo já notava em sua época:
(...) quero dizer a vocês que não conseguirão grandes alturas se
se orientarem para o público.Não estou falando de um contato direto, mas de um
tipo de servidão, do desejo de ser aclamado, de ganhar aplausos e palavras de
louvor (GROTOWSKI,1976,p.183).
Franco Ruffini coloca Grotowski dentro de um seleto grupo de
“contemporâneos do futuro” de Stanislavski, constituido por “aqueles que esperaram no depois, para
moverem-se e andarem avante com ele” (RUFFINI,2003,p.58)[30].“Contemporâneos
do futuro” de Stanislavski são aqueles que esperaram no depois para conceder
resposta pessoal às perguntas lançadas pelo mestre russo.De acordo com Grotowski,
Stanislávski assumiu um
compromisso com seus dicípulos.Foi o primeiro grande criador de um método de
representar no teatro, e todos nós, que estamos envolvidos com os problemas
teatrais, não podemos fazer nada além de dar respostas pessoais aos problemas
que ele levantou(GROTOWSKI,1971,p.68).
Respostas pessoais: que cada um, de acordo com sua
individualidade, conceda, cada qual da sua maneira, uma resposta
particular.Grotowski prefere encarar Stanislavski, antes, como um desafio, uma
motivação à busca incessante por autoconhecimento, que se dá não só no âmbito
teatral.
Tendo neste texto apontado confluências entre reflexões
stanislavskianas e grotowskianas sobre a arte teatral, principalmente no que
tange o trabalho do ator, resta indicar as diferenças entre o fazer-pensar de
ambos.Esta tarefa renderia um outro trabalho, tão ou mais complexo do que este,
para o qual o primeiro pode vir a se tornar um complemento.Neste caso,
poderíamos encontrar distinções, principalmente, no âmbito da estética teatral.Como
afirmou o próprio Grotowski:
É assim: considero que o método de Stanislavski tenha sido um
dos maiores estímulos para o teatro europeu, em particular na formação do ator;
ao mesmo tempo me sinto distante de sua estética.A estética de Stanislavski era
o produto de seu tempo, de seu país e de sua pessoa (GROTOWSKI in
CEBALLOS,1993,p.18)[31].
Fosse o caso de nos debruçarmos sobre tal problema, novamente
esbarraríamos nas mesmas dificuldade que estimularam a presente pesquisa.A fim
de investigar o pensamento stanislavskiano sob esse ponto de vista, deveríamos
nos lançar numa minuciosa investigação histórica com o objetivo de determinar
as características essenciais que configuraram a personalidade estética das
montagens dirigidas por Stanislávski, e o mesmo trabalho deveria ser feito em
relação a Grotowski, para que pudessemos, então, estabelecer um diálogo entre
as propostas de ambos no que concerne a estética.
O pensamento stanislavskiano reverbera-se através do século
passado manifestando influência não só nas reflexões e atitudes grotowskianas
como na de outras personalidades teatrais.Eugenio Barba confessa pensar
constantemente em Stanislavski, “como homem de teatro e como indivíduo que
soube, até o fim, conservar a dignidade em relação à sua época e à sua
profissão”, e chega a afirmar que “os homens do teatro ocidental não decenderam
do macaco, mas de Stanislavski”(BARBA,1991,p.90-91).O diretor do Odin Teatret
também encerra Grotowski no rol dos grandes mestres teatrais do século XX.Assumindo
para com este uma relação de discípulo, busca sua resposta pessoal aos
estímulos de seu mestre:
Reconheço em Jerzy Grotowski o meu Mestre.E, no entanto, não me
sinto nem um aluno nem um seguidor.Suas perguntas tornaram-se as minhas.Minhas
respostas são cada vez mais diferentes das suas (BARBA,2006,p.190).
Também Peter Brook, célebre diretor
teatral inglês inglês, chegou a afirmar que
(...) ninguém mais no mundo, ao que eu saiba, ninguém desde
Stanislávski, investigou a natureza da representação teatral, seu fenômeno, seu
significado, a natureza e a ciência de seus processos mental-físico-emocionais
tão profunda e completamente quanto Grotowski (BROOK in GROTOWSKI,1976,.IX).
Há alguns dias,
lendo as primeiras páginas de sua recém lançada autobiografia, Eugenio Barba me
surpreendeu novamente por ter escrito ser o teatro “um ofício de solidão que
cria vínculos” (BARBA,2010,p.16).Suas palavras me remeteram à epígrafe do
presente texto, que se propõe como “considerações finais” a meu trabalho de
conclusão de curso.Refiz mentalmente toda a minha estrada até aqui.Pensei em
Stanislávski, Grotowski, Brook, Meyerhold, e também em todos os meus
companheiros de estrada.Meus pensamentos vagaram, e no exato momento em que
redigo essas letras, vagam, pelas imagens daqueles que descobri como mestres,
aqueles que me motivam à “descoberta de minha própria solidão, criativa e sem
luto”.Mas deparo-me com um problema inescapável: a experiência viva não cabe em
palavras.
É à mesma ideia que remetem tanto Grotowski quanto
Stanislávski, e também os a pouco citados Peter Brook e Eugenio Barba, dentre
muitos outros que aqui não aparecem explicitamente, mas que assombram implícitos
as palavras que costuram o presente texto, que, espero, possa também instalar
perguntas aos seus prováveis leitores.É que, como salientou Peter Brook, “tudo o que a palavra impressa pode nos
contar é o que foi escrito no papel, mas não como o foi uma vez trazido à vida”
(BROOK,1969,p.12)[32].Esse
problema não relega ao historiador ou crítico teatral um papel insignificante, muito
pelo contrário, faz desse o responsável pelo registro da memória em palavra,
porque, como afirmou Barba em citação que há pouco recorri e aqui retomo,”apenas
a ação é viva mas só a palavra permanece”(BARBA,1994,p.193-194).
É
assim que, não tendo tido a oportunidade de conviver, nem com Stanislávski nem
com Grotowski, só me restou sondar aquilo que um dia foi através das palavras
escritas, que nada mais são do que rastros do passado.As linhas deste texto
nada mais fazem senão traçarem rastros de outros rastros, investigarem o
caminho percorrido por personalidades singulares que por aqui passaram, e seu
valor reside na capacidade de sucitar perguntas que iluminem o fazer-pensar
artístico de outros.
Não é à toa, pois, que decidi titular este trabalho
utilizando a palavra semente.De fato, é assim que o espero: como germe de algo
que possa fecundar.Acabado o texto, resta a resposta de seus leitores, porque
um escrito não vale por si, mas por aquilo que faz nascer no encontro com o
outro.
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[1]
E consideremos neste ponto a importância daqueles que traduziram as palavras do
polonês, francês e inglês – línguas nas quais Grotowski se expressava com
fluência – para o português.
[2]
Transformado pela interpretação strasberguiana em uma espécie de sacerdote da
técnica psicológica, Stanislávski ainda é tratado pelo senso comum como o
inefável defensor do psicologismo realista no teatro.Mas não é Stanislávski, e
sim as leituras feitas de sua obra, as protagonistas desta história. Sobre essa
questão em particuar é recomendada a leitura de Toporkov (1961), Strasberg
(1990) e Ruffini (2004).
[3]
Referente a Théodule Ribot (1839 – 1916), psicólogo francês cujo trabalho
Stanislávski teria encontrado por volta de 1908.
[4]
‘You’ll understand it from this example which
Ribot provides:
‘Two travellers were cut off on a cliff by the tide.
They escaped and afterwards recounted their impressions. One of them remembered
every single one of his actions, how, where, why he had gone there, where he
came down, how he placed his feet, where he jumped. The other remembered almost
nothing of all that but only remembered the feelings he lived through, first
excitement, then wariness, alarm, hope, doubt and, finally, a state of panic.
‘These feelings had been retained in his
Emotion Memory.‘If today, by simply thinking about the exercise, all the
feelings you had experienced the first time returned as with the second
traveller, if you had lived them and started afresh in a way which was
genuine, productive an purposeful, if all this had happened spontaneously, with
no effort of will, I’d say you had a first class, quite excepcional Emotion
Memory.’But, unfortunately, that’s a very rare phenomenon.
[5] ‘How terrible the expression “in
general” is! (…)‘When the expression “in general” is used to judge an actor’s
performance (…) such a judgement is an insult to the performer.
[6] You must handle Emotion Memory and
the feelings it contains in the same way a hunter handles wildfowl (…) ‘If the
bird won’t fly to him, there’s no way of tracking it down in a dense green
thicket.There’s nothing for it but to entice it out of the woods with the help
of special whistles, which we call
“decoys”.
[7]
El Tiempo es la rapidez con que se alternan períodos iguales, de una medida
qualquiera, que por convención se toman como unidades.Ritmo és la relación
quantitativa de los períodos efectivos (de movimiento, sonido) respecto de los
períodos estabelecidos por convención como unidades en un tiempo y medida
determinada.
[8] O metrônomo é um instrumento inventado no
século XIX pelo relojoeiro holandês Dietrich Nikolaus Winkel e aperfeiçoado por Johann Napenuk Maelzel, utilizado para indicar a exata marcação
rítmica de uma determinada peça musical (CARDOSO & MASCARENHAS,1996,p.116).
[9]
(...) a ese metodo tosco (...) pela más refinada cuenta mental.
[10]
Si el tempo-ritmo se toma adecuadamente, el sentimiento y la vivencia correctos
se crean naturalmente, por sí mismos; pero si lo elegimos equivocadamente, de
igual modo surgirán, en distintos momentos del papel, sentimientos y vivencias
incorrectos que no se pueden corregir si no se modifica ese tempo-ritmo.
[11]
Si el actor siente intuitiva y correctamente lo que dice y hace en la escena,
el tempo-ritmo adecuado se manifesta espontáneamente, distribuyendo los pasajes
fuertes y débiles del lenguaje, y los puntos de coincidencia.Si esto no ocurre,
sólo nos queda despertar el tempo-ritmo por la via técnica, o sea, como de
costumbre, ir de lo externo a lo interno.
[12]
(…) el tempo-ritmo de la acción puede sugerir de modo intuitivo, directo,
inmediato, no sólo los sentimientos correspondientes(...)con mayor fuerza aun
sobre la memoria emotiva y sobre la imaginación sobre las acciones musicales.
[13] Do you remember the physical actions, their
logic and sequence, truth and belief in their authenticity? That is also an
important stimulus to feeling.
[14]
(...) the creation of the life of the human spirit in a role and the
communication of that life onstage in an artistic form.
[15]
(...) the actor must not only experience the role inwardly, he must embody that
inner experience physically
[16]
Não tendo encontrado uma definição exata para o conceito de ação física em
Stanislávski, recorremos àquela proposta pela professora Dra. Nair D’Agostini
(apud FORNO,2002,p.41), a saber: um processo psicofísico de luta contra as
circunstâncias dadas para alcançar um determinado objetivo, que se dá no tempo
e no espaço de uma forma teatral qualquer”.Nair estudou na Rússia com Gueorgui
Tovstonógov (1913-1988) e Arkadii Katsman (1921-1989) chegando a tal definição
como síntese de informações que obteve durante seus anos de estudo.Sendo assim,
tomemos como referente, a partir daqui, a definição ora apresentada.
[17]
Cuja leitura é sugerida por Jerzy Grotowski (in FLASZEN &
POLLASTRELLI,2007,p.229): “Tomemos o livro de Toporkov, com o título de
Stanislávski nos ensaios.É um livro importante.
[18] No hablen de
sentimientos que no se puede fijar.Lo único que se puede recordar y fijar es la
acción física.
[19]
También seria erroneo considerar la acción física solo como un movimiento
plástico que expresa la acción.No; es una acción auténtica, logicamente
fundada, que persigue una concreta finalidad y que, en el momento de su
ejecución, se convierte en una acción psicofísica.
[20]
(...) no hay acción fisica sin deseo, aspiración y objetivo, sin justificacción
interior por el sentimiento
[21]
Gracias al método de las acciones físicas el actor cobra fe en lo que está
encarnado, penetra en la esfera de sentimientos auténticos y de emociones
profundas, chegando por el camino mas corto a la creación de la imagen
escénica.
[22] ‘We must remember the basic principle of our
school of acting: “the subconscious through the conscious”.
[23]
Cuando Stanislávski trabajaba sobre las acciones físicas superó, aunque también
prolongo, su vieja Idea de la “memória emotiva”.
[24] We can understand, feel a role, put
ourselves in its place and start behaving as the character would.That evokes
experiences which are similar to the role in us. But these feelings belong not
to the character the author has written, but to the actor himself.
[25]
no hay personajes, hay un rol, un campo, un desafio.Y la respuesta em la
própria vida del “actor”.
[26] Don’t imagine you can return to
yesterday’s memory, be content with today’s. Learn to accept memories that have
come to life afresh. Then your heart will respond with renewed energy to
anything that no longer excites you in a play that you’ve played too often. You
will take fire and then, perhaps, inspiration will appear.
[27] The score is like a glass
inside which a candle is burning.(…).The flame is my inner process each
night.The flame is what illuminates the score,what the spectator see trhough
the score (…).The score remains the same, but everything is different because I
am different.
[28]
(...) ese tejido de sensaciones mesclado con nuestra memoria corporal (...)
porque escuchó bien a sus ancestros, y porqué robó bien a sus maestros, y
comprendió bién lo que buscaba.
[29]
?Acaso el cinematógrafo de Pathé* ha eclipsado a Sófocles,
Shakespeare,Goethe,Byron,Gogol, Ostrovski,Chéjov y a todos los grandes artistas
de la escena? *Charles Pathé (1863-1957), importante produtor de cinema
francês.
[30]
(...)quelli che l’hanno aspettato dopo, per moversi e andare avanti con lui.
[31]
Es asi: creo que el método de Stanislavski haya sido uno de los más grandes
estímulos para el teatro europeo, em particular en la formación Del actor; al
mismo tiempo me siento lejano de su estética.La estética de Stanislavski era el
producto de su tiempo, su país y de su persona.
[32] all the printed word can tell us is what was
written on paper, not how it was once brought to life.
[1] My book has no pretensions to
be scientific.
[2] I am a practitioner and I can help
you to understand, that is fell, the nature of artistic truth, but not in
words, in action.
[3]
Come sistematizzare la sua conoscenza senza farne un sistema: fu questo il
problema di Stanislavskij scrittore.
[4] Paulo Motchalov (1800 – 1848) não
tinha escola nenhuma.Fiando-se unicamente no instinto, no sentimento, esse
artista, por vezes genial, era muito desigual.O epitáfio desse inspirado
intérprete do repetório clássico é o seguinte: Aqui jaz o “louco”, amigo de
Shakespeare (STANISLAVSKI,1956,p.59).
[5] Yo
escribo todo esto con el fin de previnir, en la medida del desarrollo de mis
ideas, todo tipo de notas al pie acerca de la interpretación de nuestros
geniales predecessores a cuya autoridad tanto gustan remitirse los artistas
mediocres.Para darse a si mismo mayor peso gritan: “Mochalov mismo hacía ésto!”
(...) La respuesta surge por si sola: “!Justamente por ello usted no debe hacer
lo mismo!”.
[6]
(...) el método – en el sentido del
sistema – no existe.No puede existir de outra manera que como desafio llamado.Y
no se puede jamas prever exactamente cual será la respuesta de algún otro.
(...).Si la respuesta es la misma, entonces es casi seguro que esta respuesta
es falsa.
[7]
La escritura era para él [Grotowski] un instrumento generador de equívocos y de
incompreensión que, inevitablemente, tracionava la experiencia prática, una
experiencia que no se puede conocer desde el exterior, sino que solo se puede
vivirse directamente.
[8]
Se han formulado preguntas a propósito de mi libro, y yo quiero subrayar, uma
vez mas, una cosa.Ese libro no es um manual.Yo no creo que en ese domínio, al
que hemos entregado nuestra vida, los manuales sean possibiles.(...).Quizá, para
algunos, pueda funcionar como un desafío o como una interrogación, y entonces
puede ayudarlos a buscar su propia y verdadera respuesta.En ese caso está bien.
Pero si se lo toma como una espécie de base para un sistema teatral, estoy en
contra. Y en ese caso, lamento que el libro
exista.
[9] (…)a large, ready-made battery of tricks, which ostensibly
convey by outward means all the possible feelings you can encounter in the
course of your career (…) imitation, a resemblance to its supposed outer
results.
[10]
Los clisés, lo convencional, son cadenas que esclavizan a los actores,
quitandoles la libertad.
[11] We would have
to remake ourselves completely, body and soul, from head to foot and adapt to
the demands of our art, or rather, to the demands of nature.For art is in
harmony with her. Life and the bad habits that have been grafted onto her mar
our nature. Shortcomings which slip by unnoticed in life became obvious in the
glare of the footlights and stick out like a sore thumb to an audience
[12] (…) part of your flesh and blood and heart can you
begin, unconsciously, to derive real benefit from it.
[13] (…) durante todo el día, en
el transcurso de toda la vida del
artista (...) en una segunda naturaleza.
[15] (…) not only in class (…) at every
moment of your existence (…) make muscular control part of your physical being,
make it second nature.
[16]
É interessante notar que Stanislávski
teria substituido o termo “prana”, emprestado do yoga indiano, por “energia”,
por considerar que o segundo vocábulo seria melhor compreendido pelos prováveis
leitores de sua obra.Ainda que o mestre russo tenha entrado em contato com a
filosofia hindu, não se sabe ao certo se chegou a aplicar os exercícios do yoga
aos atores-estudantes dos estúdios.Sobre essa questão ver nota de rodapé em
Stanislávski (1983,p.386).
[17]
?Y que otra cosa es la tensión muscular, o el espasmo, sino energía motriz que
ha quedado bloqueada?
[18] Confidence combined with lightness, agility
and freedom of the muscles creates the quite exceptional flexibility of movement for which
felines are justly famous
[19]
(…) la plástica simple e natural deberá ser de una vez y para siempre una
característica natural del actor, su segunda naturaleza (...) reflejar toral e
bellamente el espíritu creativo del actor.
[20]
(…) todos caminamos de un modo incorrecto, mientras que la marcha en la escena
debe ser tal como la ha creado la naturaleza, de acordo con todas sus leyes.
[21]
Isadora Duncan (1877 – 1927) foi uma bailarina norte americana que manteve
franco contato com Stanislávski.Em carta a ela endereçada, datada de 29 de
janeiro de 1908, o mestre russo se refere a Duncan como uma “grande e
extraordinária artista”, e confessa o
objetivo de buscar na sua arte aquilo que Duncan conseguira criar criar com
sua dança, “essa beleza simples como a
natureza”(STANISLAVSKI,1986,p.297).
[22]
En el primero el talon inicia el paso.En el Segundo se avanza apoyando la
planta entera.En el tercero, conocido como la marcha a la Isadora Duncan , se
avanza apoyando primero los dedos, luego el movimiento se va transladando por
la planta hasta el talon, para volver en el sentido inverso por la planta a los
dedos y, después, más hacia arriba por la pierna.
[23]El
que duda en el momento de un “salto mortal”, seguramente recibirá un enorme
chichón o se rompera la cabeza.Esos instantes requieren decision.La acrobacia
ayuda a desarollarla, y la decisión es muy en los minutos culminantes de la
creación.
[24]
(...) por su esforzo en pensar sobre la base de lo que es pratico y concreto.
[25]
Iuri Zavadski, ator e diretor russo, atuou em Princesa Turandot sob direção de
Evgueni Vakthangov – que, por sua vez, manteve uma estreita relação com
Stanislávski – e também trabalhou ao lado do próprio Stanislávski.De acordo com
Barba (2006,p.14), Zavadiski “era um professor irritável e severo, particularmente em relação aos poloneses, mas
tinha simpatia por Grotóvski*”.*Mantenho aqui a grafia empregada por Patrícia
Furtado de Mendonça – tradutora da obra citada – ainda que esta não condiga com
as regras vigentes para a grafia de nomes poloneses em língua portuguesa, tendo
sido criticada pelo autor da obra referenciada:Ver Barba (B) (2006).
[26] In the sommersaults, the actor Who
hesitates, who will not take risks, will also hesitate in the culminating
moment of his role.
[27]
Todavia, sabe-se que Leopold Surlejitski, parceiro de Stanislávski já citado no
presente trabalho, utilizou-se do ioga.De acordo com Camilo Scandolara
(2006,p.79), Surlejitski encontrou no yoga um meio de “demonstrar a relação
entre o controle da respiração e tensão do corpo”.
[28] Não obstante, um estudo mais aprofundado
das propostas stanislavskianas revelam que a busca por uma tensão equilibrada –
que não peque nem pelo excesso nem pela carência – já estava presente nas
reflexões do mestre russo.Referindo-se a tensão muscular, Stanislávski nota que
“tensões aparecem aqui e lá a todo tempo”, e que, portanto, “não podemos
erradicar este mal de uma vez por todas, mas devemos lutar contra ele”
(STANISLAVSKI,2008,p.121, tradução nossa).
[29]
Françoise Delsarte (1811-1871) empreendeu ao longo de sua vida uma aprofundada
pesquisa sobre a expressão das emoções humanas.Seu trabalho exerceu forte
influência não só no teatro,
mas também na música e nas artes plásticas.O
leitor é incentivado à leitura de Bonfitto (2002) bem como de Aslan (2007) a
fim de obter maiores informações sobre sua biografia e pensamento.
[30]
Émile Jaques Dalcroze (1865 – 1950), um
dos principais nomes da pedagogia musical do século XX, aparece como referência
no trabalho de Stanislávski e de Grotowski.Seu método de ensino, a rítmica – ou
método Dalcroze – é uma espécie de solfejo corporal que visa desenvolver o
ouvido interior pela via corporal, a partir do reconhecimento do corpo como
conector entre os sons e o pensamento.Sobre Dalcroze ver Bonfitto (2002).
[31]
Dalcroze também é apontado como referência em Grotowski (1976,p.92).
[32]
Cuando en aquello que haciam durante el espetaculo, perdíamos la precisión, era
necessario buscarla en los ejercicios (…) una especie de intersección entre lo
que estaba aún en el flujo de las reaciones personales y de lo que ya se
dirigía hacia la precisión.
[1]
Termo empregado por Marco de Marinis para designar um conjunto de experiências teatrais
que inicia-se com Antoine e termina com a morte de Julian Beck, e que preza
pela valorização do teatro enquanto laboratório de vida, lugar de valorização
de princípios éticos protegidos das tendências do teatro comercial.De acordo
com o autor, “o novescentos teatral tende a desenvolver sólidas ambições
pedagógico-ético-político-espirituais, chegando a fazer do ator e do grupo
criativo os modelos ideais respectivamente para o homem e para a comunidade do
futuro (MARINIS apud SCANDOLARA,2006,p.180).
[2]
Por “sistema” podemos compreender um conjunto de elementos que são requisitos
básicos a serem dominados pelo ator (DALFORNO,2002,p.13).Estes elementos – que
formam um todo indivizível e independem de questões estéticas – são inerentes à
ação humana cotidiana e aparecem de maneira amplificada na ação cênica.Os
elementos do “sistema” foram trabalhados pelo mestre russo junto aos atores dos
estúdios do Teatro de Arte de Moscou através de exercícios dentre os quais
alguns serão apontados no capítulo seguinte.Opto por encerrar o termo entre
aspas em concordância com a Franco Rufini (apud SCANDOLARA,2006,p.3):”para
evitar leituras manualísticas Stanislávski colocava aspas na palavra
sistema.Façamos o mesmo”.
[3]
Cada miembro de la corporación teatral debe sentirse siempre un “tornillo” de
una máquina grande y complicada.
[4]
Não obstante as regras de acentuação para nomes russos grafados em língua portuguesa
determinem o uso de acento agudo em Stanislávski, manteremos a grafia empregada
nas referências citadas de acordo com as fontes pesquisadas – como é o caso do
inglês e do espanhol, língua nas quais o nome de Stanislávski não é acentuado –
salvo em caso de tradução.É também digno de nota que, em muitos casos, o nome
russo aparece sem acento mesmo na língua portuguesa, desrespeitando, pois, as
normas vigentes.
[5]
(...) proprio carater, adaptarlo a la obra común, formarse un carater de
corporación, por así decir.
[6]
“no se puede llegar tarde a una actividad que se realiza coletivamente.
[7]
(...) hay que llegar a tiempo al teatro, media hora o un cuarto de hora antes
del comienzo [del ensayo] (...).
[8]
(…) llevan a su teatro todo genero de miserias cotidianas: comadrerías,
intrigas, habladurías, calumnias, envidias, un mesquinho amor proprio.
[9]
Se puede estar abatido en casa, pero en el teatro hay que sonreír.Que los más
firmes ayuden a conseguir-lo.
[10]
El ruido y las conversaciones que hay detras del scenario crean una
desorganización, y desmoralizan el espectador.
[11]
A metáfora do ator-sacerdote é patente no pensamento de Leopold Sulerjitski
(1872-1916), que atuou ao lado do mestre russo nos estúdios do Teatro de Arte
de Moscou e sobre ele exerceu forte influência.A citação stanislavskiana à qual
este comentário está agregado pode ser tida como indício dessa influência.O
leitor é convidado à leitura de Scandolara (2006) a fim de se aprofundar nesse
assunto.
[12]
Es preciso que el espectador, el actor, y todo aquél que tenga relación con el
teatro, entren en él con un peculiar sentido de veneración.(...).La
administración y sus funcionários deben ser los primeros amigos del arte y los
ayudantes de los que se han dedicado a su sacerdocio:los artista.
[13]
Amar el arte en sí, y no amarse a sí mismo en el arte.
[14]
No hay partes pequeñas, sino actores pequeños.
[15]
(…) aritmetica, o quizás geométrica.
[16]
(…) estado previo a la creación.
[17]
(...) no creo en los actores que charlan mucho en los ensayos, en vez de tomar
apuentes y planificar su trabajo en casa.
[18]
Piensen más en los otros y menos en si mismos (...) Si noventa y nueve personas
cuidan de la libertad común, es decir también de la mía,yo, el centésimo,
viveré muy bien en la tierra.
[19]
De la práctica constante, de la capacitación del operario hacia su labor
superespecializado se obtiene una mayor rapidez en el trabajo y un barateamento
de la mano de de obra empleada.No es acaso eso lo que se practica en las
empresas teatrales que no persigen objectivos artisticos sino materiales?Tales
teatros existen a montones.
[20]
De acordo com Cristiane Layher Takeda (2002,p.60), a tradução do nome do
restaurante para o português seria “Mercado Eslavo”.É também Takeda que indica
a data do encontro entre Stanislávski e Dantchenko.
[21]
(...) conocer las leyes de la etica social e subordinarse a las mismas.
[22]
(...) en todo acto que viole los compromisos de la instituición frente a la
sociedad, se esconde una falta de respeto hacia ésta.
[23]
(...) son las mismas de la ética social pero ellas deberán adaptarse a las
condiciones de nuestro arte.Estas condiciones son diversas y complejas.
[24]
Es un error pensar que la libertad del artista radica en que pueda hacer todo
lo que venga en gana.
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