sábado, 31 de março de 2012

A ditadura da "verdade" e a "verdade" da ditadura:


"Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim" - Millor Fernandes

O Brasil vive um momento histórico: a Comissão da Verdade, enfim. O objetivo é o de desvendar crimes cometidos durante o período de exceção, que perdurou em nosso país por vinte anos. Senso comum, trata-se de uma espécie de uma "treva de vinte anos" que obstacularizou a liberdade de expressão da classe guerreira, bravos heróis libertários à favor da revolução. Caso você, caro leitor, seja como eu um estudante dedicado, saberá que a história, enquanto relato, traz a perspectiva do historiador, daquele que traça o passado à luz de sua cosmovisão e, assim, elabora um retrato do pretérito para os leitores de hoje. 

A estátua que podemos ver à frente do Supremo Tribunal Federal, na capital brasileira, representa uma mulher de olhos vendados, símbolo da igualdade dos homens perante a lei, não obstante saibamos que, na prática, por conta do caráter "partidário" da perspectiva histórica defendida, nada tem de igual, senão que só faz notar as distinções. A tal da comissão da "verdade", terá por objetivo, pois, confirmar a verdade daqueles que já compraram a educação. Seus princípios são os seguintes:

1º) O termo "direita", quando empregado depois da preposição de, para notar posição política, é sinônimo de atraso, inferioridade, vilania, algo que, a princípio, deveria causar vergonha. É com base nesse princípio que diz-se de quem é contra o aborto, por exemplo, que é desumano, mesquinho, hipócrita, moralista "de direita", etc.

2º) Os guerrilheiros que lutaram contra o regime militar no Brasil estão para os membros da classe militar tal como Deus está para o diabo: os primeiros são os bonzinhos, os segundos, miseráveis demônios desumanos. Qualquer tentativa de balanceamento, de determinação de relatividades e contestação dessa versão deve ser imediatamente rejeitada como criação de uma mente "de direita" e, portanto, não-digna de consideração.

A palavra "verdade" tem, portanto, um significado determinado unilateralmente: é a verdade de quem soube driblar o sistema, utilizá-lo como trampolim e, hoje, é alçado à categoria de herói nacional. Para isso a literatura, o cinema, e outras formas de arte bem trabalharam, nada de novo: arte e educação são dois pilares que sustentam a construção da subjetividade dos indivíduos, e como esses não tem tempo para se debruçarem com maior atenção sobre os fatos, analisar várias versões sobre um mesmo ocorrido, e considerarem todas afim de investigar em maior profundidade o problema da "verdade" histórica, o presente texto por certo se reduzirá a um amontoado de rabiscos sem importância. 

A comissão da verdade é uma oportunidade que não pode ser desperdiçada: é hora de abrirem os arquivos da ditadura, e compor uma comissão equilibrada e intelectualmente honesta, a fim de que cada um possa, como que numa confissão, não temer seu passado e revelar seus crimes. Isso vale para ambos: militares e ex-guerrilheiros. Se a comissão da verdade empurrar uma versão da história como verdade inequívoca e registrá-la nos livros, o processo de maquiavélica maquiagem dos fatos continuará a fazer com que a verdade dos fatos seja só, somente e tão-somente aquela estabelecida pelo partido A.


Sou uma vítima desse processo, eu que li Marx ainda com 15 anos de idade e pude, posteriormente, conhecer outros pensadores que se pautaram por Marx para, tendo-o como estímulo, tecer suas considerações sobre a história. Marx defende que a história é determinada pelo conflito entre a classe dominante e a classe oprimida. Em seu contexto histórico, a burguesia e o proletariado ocupam respectivamente essas posições e a justiça plena viria a materializar-se com a união do proletariado contra o julgo da burguesia. Com efeito, as palavras "burguesia", "trabalhador", "operário", "classe", e termos afins, passaram a designar os coitados dos oprimidos, à favor dos quais deveria a luta revolucionária desenvolver-se para a libertação do sistema opressor: o capitalismo vira o problema, e, com efeito, tudo se reduz a uma questão de política e economia. O problema é que mesmo a revolução se transforma num problema econômico...

À uma questão de política e economia transformam-se, nesse jogo, a educação e a imprensa, e com a crise da ética - essa coisa tão "relativa" - o que determina se isso ou aquilo deve ou não ir ao ar, se esse livro didático deve ou não ser distribuído, e se essa lei deve ou não ser aprovada, é o poder econômico que comprou o poder político. Triste fim do afã revolucionário: ver os ideias serem usados como manobra de guerra cultural para fazer das mais execráveis ideias valores ilustres: essa transformação se dá através da educação e pela mentira propagada como verdade da vez, mas tudo bem, porque se tudo é mesmo relativo, tanto faz quanto fez...

Abaixo, alguns depoimentos e opiniões sobre o período de ditadura que contrastam com o que é de praxe, a face da história para a qual não havia me voltado até bem pouco tempo atrás:

Em primeiro lugar, um breve documentário sobre o período: Reparação:


A seguir, outros vídeos com depoimentos de importantes nomes da época sobre o regime militar e a atuação dos guerrilheiros revolucionários:








Assista também:
 








Um depoimento de um ex-guerrilheiro sobre o processo de julgamento de um inimigo da causa e seu consequente assassinato: decidiu-se que o cidadão não fazia parte da causa e, como inimigo, devia morrer. É morto com um tiro de fuzil.O cara poderia, pelo menos chorar um pouco, e a música de fundo até ajudaria a causar um efeito dramático. A calma com a qual relata os fatos é tocante...



O período visto sob o ponto de vista de  Bolsonaro e Chiarelli. Espero que não tape os ouvidos para a voz desses dois expoentes por se trara de reles homens "de direita":


E os dólares de Brizola? Será que essa história será apurada pela comissão "da verdade" ?











E por fim o depoimento da jornalista Miriam Macedo, que corajosa confessa em seu blog num post de 5 de julho de 2011 a verdade: ela mentiu:

Eu, de minha parte, vou dar uma contribuição à Comissão da Verdade, e contar tudo: eu era uma subversivazinha medíocre e, tão logo fui aliciada, já caí(jargão entre militantes para quem foi preso), com as mãos cheias de material comprometedor.       

       Despreparada e festiva, eu não tivera nem o cuidado de esconder os exemplares  d'A Classe Operária, o jornal da organização clandestina a que eu pertencia (a AP-ML, ala vermelha maoísta do PC do B, a mesma que fazia a Guerrilha do Araguaia, no Pará). 

      Os jornais estavam enfiados no meio dos meus livros numa estante, daquelas improvisadas, de tijolos e tábuas, que existiam em todas as repúblicas de estudantes, em Brasília naquele ano de 1973. 

       Já relatei o que eu fazia como militante*. Quase nada. A minha verdadeira ação revolucionária foi outra, esta sim, competente, profícua, sistemática: MENTI DESCARADAMENTE DURANTE QUASE 40 ANOS!* (O primeiro texto fala em 30 anos. Eu fui fazer as contas, são quase 40 anos, desde que comecei a mentir sobre os 'maus tratos'. Façam as contas, fui presa em 20 de junho de 73. Em 2013, terão se passado 40 anos.)

       Repeti e escrevi a mentira de que eu tinha tomado choques elétricos (por pudor, limitei-me a dizer que foram poucos, é verdade), que me deram socos e empurrões, interrogaram-me com luzes fortes, que me ameaçaram de estupro quando voltava à noite dos interrogatórios no DOI-CODI para o PIC e que eu passava noites ouvindo "gritos assombrosos" de outros presos sendo torturados (aconteceu uma única vez, por pouquíssimos segundos: ouvi gritos e alguém me disse que era minha irmã sendo torturada. Os gritos cessaram - achei, depois, que fosse gravação - e minha irmã, que também tinha sido presa, não teve um único fio de cabelo tocado). 

      Eu também menti dizendo que meus algozes, diversas vezes, se divertiam jogando-me escada abaixo, e, quando eu achava que ia rolar pelos degraus, alguém me amparava (inventei um 'trauma de escadas", imagina). A verdade: certa vez, ao descer as escadas até a garagem no subsolo do Ministério do Exército, na Esplanada dos Ministérios, onde éramos interrogados, alguém me desequilibrou e outro me segurou, antes que eu caísse. 

      Quanto aos 'socos e empurrões' de que eu dizia ter sido alvo durante os dias de prisão, não houve violência que chegasse a machucar; nada mais que um gesto irritado de qualquer dos inquisidores; afinal, eu os levava à loucura, com meu enrolation. Eu sou rápida no raciocínio, sei manipular as palavras, domino a arte de florear o discurso. Um deles repetia sempre: "Você é muito inteligente. Já contou o pré-primário. Agora, senta e escreve o resto". 

      Quem, durante todos estes anos, tenha me ouvido relatar aqueles 10 dias em que estive presa, tinha o dever de carimbar a minha testa com a marca de "vítima da repressão". A impressão, pelo relato, é de que aquilo deve ter sido um calvário tão doloroso que valeria umanota preta hoje, os beneficiados com as indenizações da Comissão da Anistia sabem do que eu estou falando. Havia, sim, ameaças, gritos, interrogatórios intermináveis e, principalmente, muito medo (meu, claro).

       Torturada?! Eu?! Ma va! As palmadas que dei em meus filhos podem ser consideradas 'tortura inumana' se comparadas ao que (não) sofri nas mãos dos agentes do DOI-CODI. 

Que teve gente que padeceu, é claro que teve.  Mas alguém acha que todos nós que saíamos da cadeia contando que tínhamos sido 'barbaramente torturados' falávamos a verdade? 

      Não, não é verdade. A maioria destas 'barbaridades e torturas' era pura mentira! Por Deus, nós sabemos disto! Ninguém apresentava a marca de um beliscão no corpo. Éramos 'barbaramente torturados' e ninguém tinha uma única mancha roxa para mostrar! Sei, técnica de torturadores. Não, técnica de 'torturado', ou seja, mentira. Mário Lago, comunista até a morte, ensinava: "quando sair da cadeia, diga que foi torturado. Sempre." 

     Na verdade, a pior coisa que podia nos acontecer naqueles "anos de chumbo" era não ser preso(sic). Como assim todo mundo ia preso e nós não? Ser preso dava currículo, demonstrava que éramos da pesada, revolucionários perigosos, ameaça ao regime, comunistas de verdade! Sair dizendo que tínhamos apanhado, então! Mártires, heróis, cabras bons.

       Vaidade e mau-caratismo puros, só isto. Nós saíamos com a aura de hérois e a ditadura com a marca da violência e arbítrio. Era mentira? Era, mas, para um revolucionário comunista, a verdade é um conceito burguês, Lênin já tinha nos ensinado o que fazer. 

       E o que era melhor: dizer que tínhamos sido torturados escondia as patifarias e 'amarelões' que nos acometiam quando ficávamos cara a cara com os "ômi". Com esta raia miúda que nós éramos, não precisava bater. Era só ameaçar, a gente abria o bico rapidinho. 

      Quando um dia, durante um interrogatório, perguntaram-me  se eu queria conhecer a 'marieta', pensei que fosse uma torturadora braba. Mas era choque elétrico (parece que 'marieta' era uma corruptela de 'maritaca', nome que se dava à maquininha usada para dar choque elétrico). Eu não a quis conhecer. Abri o bico, de novo. 
      Relembrar estes fatos está sendo frutífero. Criei coragem e comecei a ler um livro que tenho desde 2009 (é mais um que eu ainda não tinha lido): "A Verdade Sufocada - A história que a esquerda não quer que o Brasil conheça", escrito pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Editora Ser, publicado em 2007. Serão quase 600 páginas de 'verdade sufocada"? Vou conferir.

Fonte do texto de Miriam Macedo: http://blogdemirianmacedo.blogspot.com.br/2011/06/verdade-eu-menti_05.html, visitado em 31 de março de 2011.

À propósito, consegui resgatar uma foto da manchete de capa do jornal O Globo, de 2 de abril de 1964:

Fonte: http://acertodecontas.blog.br/politica/editorial-do-jornal-o-globo-de-2-de-abril-de-1964-celebrando-o-golpe-militar/, visitado em 2 de abril de 2012.

O título não deixa espaço para dúvidas: ressurge a democracia. Como poderiam reagir - e reagirão - os opositores ao regime militar? Simples: nesses casos em que um órgão de imprensa está envolvido, contestar sua honestidade é de praxe. Basta dizer que "O Globo" é um jornal de direita e que, portanto, representa uma "ideologia" que não merece respeito, e pronto!

E por falar em rede Globo, uma reportagem da época em que o então general Newton Cruz agride um jornalista da referida emissora em rede nacional de Tv:



Anos depois o mesmo general concederia essa entrevista onde, entre outros assuntos, fala sobre o caso da agressão à imprensa:





Algumas das frases da entrevista:

"Não se esqueça que essa gente fala sobre tortura como se nunca tivesse torturado ninguém. Você acha que pegar um embaixador, um homem acostumado a ser reverenciado, botar num carro a coronhadas, matar seu segurança, e depois ficar num quartinho de dois por dois e ameaçá-lo não é tortura?" - Sobre o caso que serviu de base para o filme "O que é isso companheiro".

"Aqueles que estão hoje no poder deveriam nos agradecer de joelhos".

"Eu não tenho a menor dúvida de que o Herzog foi um suicida" - Eu, nem tanto general...

Num dado momento da entrevista, Leônidas afirma que "hoje em dia todo mundo diz que foi torturado pra ganhar bolsa-ditadura". Com base no caso da jornalista Miriam Macedo, podemos bem acreditar nisso... E como o ex-militar nota em sua entrevista, o relato sobre o passado se converte na verdade mesma sobre o passado.

Outro nome muito citado quando o assunto é a ditadura militar, é o do ex-cabo Anselmo, que ficou conhecido como um agente traidor da "causa". Na entrevista abaixo inserida, ele é entrevistado pelo Roda Viva, programa da Tv Cultura:




E aqui no Canal Livre, programa da rede Bandeirantes de televisão:


O vídeo a seguir trás não um debate sobre o tema, mas uma evidente inquisição de 4 contra 1. Seja como for, vale a pena ver também:



Uma entrevista com ninguém mais ninguém menos que Jarbas Passarinho, o homem que assinou o AI-5:




Comentário de Boris Casoy à respeito da comissão da "verdade":



Palestra sobre o regime militar no Clube Militar:



No dia 26 de maio de 2012 o célebre jurista brasileiro Ives Granda assinou um artigo no Estadão sobre a "comissão da verdade" colocando sua opinião sobre a mesma. Segue o texto na íntegra:

IVES GANDRA SILVA MARTINS, professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do CIEE-SP, da ESG e da ECEME; fundador e presidente honorário do CEU/IICS; é autor de "Uma Breve Teoria do Poder" - O Estado de S.Paulo
Depois de muita expectativa - e com grande exposição na mídia -, foi constituída comissão para "resgatar a verdade histórica" de um período de 42 anos da vida política nacional, objetivando, fundamentalmente, detectar os casos de tortura na luta pelo poder. A História é contada por historiadores, que têm postura imparcial ao examinar os fatos que a conformaram, visto serem cientistas dedicados à análise do passado. Os que ambicionam o poder fazem a História, mas, por dela participarem, não têm a imparcialidade necessária para a reproduzir.
A Comissão da Verdade não conta, em sua composição, com nenhum historiador capaz de apurar, com rigor científico, a verdade histórica da tortura no Brasil, de 1946 a 1988. O primeiro reparo, portanto, que faço à sua constituição é o de que "não historiadores" foram encarregados de contar a História daquele período. Conheço seis dos sete membros da comissão e tenho por eles grande respeito, além de amizade com alguns. Não possuem, no entanto, a qualificação científica para o trabalho que lhes foi atribuído.
O segundo reparo é que estiveram envolvidos com os acontecimentos daquele período. Em debate com o ex-deputado Ayrton Soares, em programa de Mônica Waldvogel, perguntou-me o amigo e colega - que defendia a constituição de comissão para essa finalidade, enquanto eu não via necessidade de sua criação - se eu participaria dela, se fosse convidado. Disse-lhe que não, pois, apesar de ser membro da Academia Paulista de História, estive envolvido nos acontecimentos. Inicialmente, dando apoio ao movimento para evitar a ameaça de ditadura e garantir as eleições de 1965, como, de resto, fizeram todos os jornais da época. No dia 2 de setembro de 1964, o jornal O Globo, em seu editorial, escrevia: "Vive a nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial à democracia, a lei, a ordem".
A partir do Ato Institucional n.º 2/65, que suprimiu as eleições daquele ano, opus-me a ele, o ponto de, em 13 de fevereiro de 1969, ter sido pedido o confisco de meus bens e a abertura de um inquérito policial militar sobre minhas atividades de advogado, por defender empresa que não agradava ao regime. O mais curioso é que continuei como advogado, tendo derrubado a prisão de seus diretores, no Supremo Tribunal Federal, em 1971, por 5 a 3, à época em que os magistrados não se curvavam ao poder da mídia ou dos detentores do poder. Embora arquivados os dois pedidos, o fato de ter sido anunciada a abertura do processo contra mim, pelos jornais, com grande sensacionalismo, tive minha advocacia abalada por alguns anos. Nem por isso pedi indenizações milionárias ao governo atual, nem pedirei. À época apoiei a Anistia Internacional, tendo entrado para seus quadros sob a presidência de Rodolfo Konder, e fui conselheiro da OAB-SP por seis anos, antes da redemocratização. À evidência, faltar-me-ia, por mais que quisesse ser imparcial, a tranquilidade necessária para examinar os fatos com isenção. Envolvidos da época não podem adotar uma postura neutra ao contar os fatos históricos de que participaram.
O terceiro reparo é que alguns de seus membros pretendem que a verdade seja seletiva. Tortura praticada por guerrilheiro não será apurada, só a que tenha sido levada a efeito por militares e agentes públicos. O que vale dizer: lança-se a imparcialidade para o espaço, dando a impressão que guerrilheiro, quando tortura, pratica um ato sagrado; já os militares, um ato demoníaco. Bem disse o vice-presidente da República, professor Michel Temer, em São Paulo, no último dia 17, que os trabalhos da comissão devem ser abrangentes e procurar descobrir os torturadores dos dois lados.
O quarto reparo é que muitos guerrilheiros foram treinados em Cuba, pela mais sangrenta ditadura das Américas no século 20. Assassinaram-se, sem direito a defesa, nos paredões de Fidel Castro mais pessoas do que na ditadura de Pinochet, em que também houve muitas mortes sem julgamento adequado. Um bom número de guerrilheiros não queria, pois, a democracia, mas uma ditadura à moda cubana. Radicalizaram o processo de redemocratização a tal ponto que a imprensa passou a ser permanentemente censurada. Estou convencido de que esse radicalismo e os ideais da ditadura cubana que o inspiraram apenas atrasaram o processo de redemocratização e dificultaram uma solução acordada e não sangrenta.
O quinto aspecto que me parece importante destacar é que, a meu ver, a redemocratização se deveu ao trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que se tornou a voz e os pulmões da sociedade. Liderada por um brasileiro da grandeza de Raimundo Faoro, conseguiu, inclusive, em pleno período de exceção, com apoio dos próprios guerrilheiros, aprovar a Lei da Anistia (1979), permitindo, pois, que todos voltassem à atividade política. Substituindo as armas de fogo pela arma da palavra, a OAB deu início à verdadeira redemocratização do País.
Por fim, num país que deveria olhar para o futuro, em vez de remoer o passado - tese que levou guerrilheiros, advogados e o próprio governo militar a acordarem a Lei da Anistia, colocando uma pedra sobre aqueles tempos conturbados -, a comissão é inoportuna. Parafraseando Vicente Rao, esta volta ao pretérito parece ser contra o "sistema da natureza, pois para o tempo que já se foi, fará reviver as nossas dores, sem nos restituir nossas esperanças" (O Direito e a Vida dos Direitos, Ed. Revista dos Tribunais, 2004, página 389).
Estou convencido de que tudo o que ocorreu no passado será, no futuro, contado com imparcialidade, não pela comissão, mas por historiadores, que saberão conformar para a posteridade a verdade histórica de uma época.
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-comissao-da-verdade--e-a-verdade-historica-,878143,0.htm visitado em 29 de maio de 2012.

E clicando neste link vocês poderão ler o livro do coronel Brilhante Ulstra, "A verdade sufocada", e, assim, descobrir algo de encoberto pelas escolas. 


A comissão da "verdade" visa apurar a "verdade". Devemos nos perguntar à qual verdade se referem. Se a justiça deve mesmo buscar a maior imparcialidade possível - e assim creio - cabe ouvir ambos os lados, e constituir uma comissão julgadora formada por representantes da luta armada militar e guerrilha. Só assim aqueles que, em ambos os lados, cometeram atrocidades, poderão ser julgados segundo seus atos e cada qual receber sua sentença. É importante notar que, também nesse ponto, é fundamental que o poder da grana não fale mais alto.



Declaração dos direitos do homem (1):


(1) Os revolucionários pretendem, no tocante ao substantivo empregado, notar que o mesmo foi usado sem a intenção de menosprezar os direitos da classe feminina. Compreenda-se homem, pois, como sinônimo de ser humano, homo-sapiens, guardadas as distinções de gênero até que essas se diluam por completo em função do sonho de plena igualdade.


Art.1.º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos (Não: nascem em circunstâncias diversas, lares diferentes - quando é o caso de nascerem em lares). As destinações sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.
Art. 2.º A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.
Art. 3.º O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação . Nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente (A nação é Robespierre, “O estado sou eu”, disse Luis XIV, o imperador é uma espécie de deus, criam os romanos).
Art. 4.º A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo (entenda-se: que não prejudique o governante): assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.
Art. 5.º A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.
Art. 6.º A lei é a expressão da vontade geral (ou de minorias revoltadas). Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.
Art. 7.º Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos (menos aquele que comprou o Estado); mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado de resistência.
Art. 8.º A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada.
Art. 9.º Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado (como o tirano é o Estado, ele decide quem é culpado ou inocente) e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.
Art. 10.º Ninguém pode ser molestado por suas opiniões , incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. (Entenda-se: a ordem estabelecida por quem pode comprar privilégios).
Art. 11.º A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei (menos Marat, menos quem não respeita a novilíngua).
Art. 12.º A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública; esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada. (Depois do ponto e vírgula, leia-se: esta força é forjada a fim de fazer crer que a vontade do povo é igual a x ou y, onde ambas as incógnitas representam a vontade de quem compra os meios de comunicação para vender belas mentiras).
Art. 13.º Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades.
Art. 14.º Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração.
Art. 15.º A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração. (Já que a opinião da “sociedade” é forjada a fim de garantir que creiamos ser ser tal ou qual sua opinião, esse artigo é garantido. Assim, a vontade de quem detem o poder econômico suficiente para comprar pesquisas de opinião, trasforma essas no reflexo de suas intenções).
Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.
Art. 17.º Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização.


Texto da Assembleia Constituinte da revolução francesa de 1789. Notas sublinhadas em vermelho por mim com o objetivo de aproximar o texto original da realidade dos fatos.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Sobre a liberdade:


Aquele que passeia à sombra das minorias silenciosas, que obedece ao senso-comum, que diz sempre talvez, que relativiza todo e qualquer valor moral, é escravo de sua relatividade. Aquele que se diz "livre", que celebra a democracia, que crê que não tarda o mundo melhor sempre sonhado, que duvida de Deus e tem fé na política, que vigia seus pensamentos pelo termômetro do politicamente correto, que se importa com as baleias do hemisfério sul e vai ao trabalho todos os dias, não se sabe cego. Aquele que afirma tudo ver - ainda que pelas lentes da minoria silenciosa - que se limita a poucos ecos do óbvio, que acredita na TV, que lê livros de auto-ajuda, ajuda o crescimento do monstro que o engole.

Quem compra os discursos da escola, quem acredita na utopia kantiana, quem grita o grito dos excluídos, afoga-se no mar da relatividade, abraça o norte traçado pelas minorias silenciosas e faz de 1984 um ano que não terminou. Quem julga inútil a religião, quem faz da fé um ópio, tem em sua crença o alucinógeno mesmo que não lhe permite revoltar-se contra a imagem do caos à luz das minorias silenciosas que fazem sombra à liberdade da servidão.

Liberdade é escravidão, sim é não e o contrário é afirmação, o silêncio grita e a chama esfria, é ilógica a lógica reta: quando declina a razão, a miopia faz do reflexo a verdade mesma da pregação: dois e dois são cinco, tão certo quando eu sou nós, e o indivíduo, do plural função: enlaçados por inquebrantáveis nós.

----------------------------------------------------------------------------------------

Prólogo: oração do cidadão comum:

Naquele dia, acordou com a ligeira impressão de que sua vida não passava da reprise do último capítulo da novela: os livros que lia não mais descreviam nada senão o vazio de significados no qual sua vida se transformou. Ele parou diante da tela e permaneceu ali por alguns minutos, estático e extático ante o horror de sua face mórbida diante do tempo que o visor retratava. Tudo é mesmo espelho - pensou em silêncio - e suicidou-se ao cair da tarde.

Jeferson Torres