sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A anti-catarse do absurdo:




Em poucas palavras, direi ainda, em relação aos trágicos, que não faziam por sabedoria aquilo que faziam, mas por certa natural inclinação e intuição, como os adivinhos e os vates; e embora digam muitas e belas coisas, não sabem nada daquilo dizem. O mesmo parece acontecer com os outros poetas; e também me recordo que eles, por causa de suas poesias, acreditavam-se homens sapientíssimos ainda em outras coisas, nas quais não eram. Por essa razão, então andei pensando que nisso eu os superava, pela mesma razão que superava os políticos.

Platão, Apologia de Sócrates

A nota socrática sobre os poetas trágicos nos aponta para um nome em particular, que, nesse contexto, sobressai sobre os demais tragediógrafos e comediógrafos gregos: Aristófanes. Foi ele quem aproveitou-se da peça As nuvens para tecer comentários críticos sobre a pessoa de Sócrates, tido pelos partidários da democracia como corruptor da juventude, dado que dava força mesmo a mais débil lógica. Para um moderno, Sócrates pode ser descrito como filósofo irônico, e seus diálogos com os sofistas só fazem revelar o gênio de um sábio que tinha em sua dúvida a pedra de toque de sua sapiência: só sei que nada sei: sua máxima mais famosa, ao lado do "conhece-te a ti mesmo". Mas o "conhece-te a ti mesmo" socrático é um conhecer-se a si mesmo pela relação com os outros, o que implica em conflito. 

Quando Platão lança sua crítica ao caráter corruptor da mímese, no décimo livro da República, parece ecoar princípios que saltam das páginas de seus diálogos, e que traçam algumas pinceladas sugestivas sobre essa  figura tão importante para a cultura ocidental. O conhece-te a ti mesmo socrático é um conhecer-se a si mesmo pela e através da relação com o outro, o que implica em conflito, instala a tensão: entramos, assim, no campo do drama: ação. Condenados ao agir, somos nós atores de nossa própria existência, concordo com Sartre - ao que pese não rebelar-me contra a metafísica como fez o filósofo francês. Curiosamente ele, Sartre, também se dedicou à dramaturgia. Curiosamente, Platão escrevia como quem redige uma peça teatral: são diálogos cheios de imagens impactantes, conflitos, tensão. Talvez Aristóteles tenha razão: aprendemos pela imitação: a tragédia tem uma função pedagógica, a saber, a de expor num âmbito ficcional a tragédia humana de forma artística.

Hoje, para muito além da sociedade do espetáculo, a tragédia se transforma em farsa, e o teatro do caos, realidade cotidiana que nos fere, serve de anestesia contra o efeito catártico que a tragédia proporcionaria, e, assim, o drama perde sua função pedagógica. São signos que remetem a outros signos, que fazem menção a outros signos de outros signos, e nessa dança todo significado se esvai. Perdidos num niilismo, a vida mesma se transforma em significante vazio, absurdo cotidiano que nem Beckett poderia prever. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário