sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Identidades fluidas: o homo-sapiens conexus

 

Em casa, nas lan houses espalhadas pelo mundo, através do celular, pelo pager, onde quer que seja, estamos, enfim, conectados. O judeu, o cristão, o ateu, o mulçumano, o budista: aquele, aquela, o outro, em certa medida, num âmbito estranho, faz-se eu. Agora a dança da menina ousada que insinua-se na cam, depois, um vídeo sobre a crise no oriente médio: tudo que é medo, tesão, ficção, vira mídia. O homo-sapiens conexus, novo Adão perdido em terras globais, saboreia novos frutos a cada agora, e o antes eterno, vira efêmero, liquefaz-se no vão instante de cada momento.

O conceito de cultura, pedra basilar da antropologia, já foi determinada pela geografia quando os deuses europeus se aventuraram por terras negras em busca de riquezas várias. Tão distintos eram aqueles selvagens, nossos admiráveis selvagens, nós, tão encantados por pronomes possessivos. Uma cultura menos desenvolvida, sim, mas nada que uma boa doutrinação não resolvesse. Ou será que essa atmosfera primitiva não constituiria o homem como tal, como é, animal? Etnografias depois, muito sangue derramado, tratados, tratados e mais tratados, letras mil em livros na estante. Margaret Mead, Malinowski, Clifford Geertz, e etc, muitos etceteras mais.

Não obstante, ao que pese toda a alta cultura semeada, ainda nos sabemos etnocêntricos, ainda que não nos confessemos, e a vaidade fala mais alto. O judeu é o cão, diz o pseudo-cristão, o mulçumano, terrorista, o ateu é um à-toa, alienado, o budista, um zen sem inteligência prática, o pobre é tolo cativo, o rico é corrupto, o padre, hipócrita pedófilo, o preto é ladrão, o branco é racista, o gay, pedófilo, promíscuo, e todos são, porque distintos, equivocados.

Enquanto isso os menos pragmáticos ainda buscam respostas nos livros, e por mais que a prateleira pese ensaiando ceder e as traças corroam os papeis - prefaciando a decomposição dos corpos - a busca por uma Verdade parece insurgir contra a pós-moderna relatividade. Ocorre que, no campo de balha intersubjetivo, a opinião acaba por ganhar - porque reflexo do eu - o status de verdade, já que o egoísmo vira a Verdade. Aqui, mais uma ideia à venda, ali, um novo conceito filosófico, no outro canto um menino morre de inanição, e enquanto alguém, no escuro de seu quarto, assiste a cena comovente, o outro se masturba escondido do outro lado da tela. No dia seguinte ambos se encontram, e um continua a ser o inferno do outro. Cada um tem sua opinião, e respeita aquela alheia, mas raras vezes sem o otimismo de quem sabe que o outro evoluirá, será enfim diferente. Se ateu, tornar-se-á cristão, no mínimo budista, se cristão, um ateu convicto e feliz.

O culturalista jamaicano Stuart Hall tem razão. A identidade cultural na pós-modernidade já não mais se determina geograficamente. Mas também é perigoso fazer da religião, da cor ou da orientação sexual o rótulo inequívoco, preciso, que determine o outro de antemão. Somos sempre atravessados por redes invisíveis, virtuais, pixels de informação que, não obstante iluminem, nem sempre espantam a sombra. Esperemos por um mundo mais igual, deveras, mais igual pelas diferenças. Talvez a grande questão é saber o que nos faz tão iguais, nós que somos assim, tão diferentes.

Jeferson Torres

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