sábado, 10 de setembro de 2011

Doze responsáveis e um réu:



Uma obra prima da sétima arte. Os quadros que constituem Doze homens e uma sentença (Twelve angry men), de 1957, nos revelam as faces dos doze integrantes de um juri que deve decidir o destino de um suposto assassino. O filme começa quando o juíz dá ordem para que o grupo se reuna na sala destinada às reuniões do juri a fim de tratarem do caso em questão. Como imagem que se sustenta pela passagem dos fotogramas que nos levam à sala de reunião do júri, o rosto daquele que talvez morrerá na cadeira elétrica.

O veredito parece certo: o réu é evidentemente culpado. Cabe uma resposta rápida, já que o tempo urge, e cada qual têm sua vida lá fora, entre partidas de beisebol e visitas ao cinema. A vida daquele rapaz que é acusado de ter matado seu pai é, nesse momento, um acaso que impõe a coincidência do encontro entre esses doze. Mas um deles faz-se obstáculo à pressa dos demais, um obstáculo decorrente de uma dúvida razoável, racional, sobre se o garoto é ou não culpado.

 No filme apreciarão um show de atuação de todo o elenco, além de muito bem elaborados diálogos que tocam profundamente no universo psicológico de cada participante da assembleia que se reune numa pequena sala. A pequenês do espaço exigiu um jogo de câmeras hábil que Lumet soube dirigir com maestria. Aqui um close, ali, uma geral, mais a frente uma cena no banheiro contínuo que acompanha a sala e serve de à parte para um diálogo mais fechado. A discussão gera uma tensão que se amplifica no minúsculo recinto que guarda os debatedores, por vezes atingindo um nível de pressão tal que ensaia explosão. A chuva lá fora, de fato - àgua que do céu precipita - transforma-se em símbolo, a noite traz a luz, e o final da película envolve-nos naquilo que a trama desenvolveu.

A música, por sua vez, não é senhora nem vassala do todo, faz-se notar como instrumento à favor da peça, e não vedete que ocupa espaços indevidos. Trata-se de um filme que nos prende do começo ao fim, modelo de filme de baixo custo, que tem no elenco afinado, e numa direção inteligente, inestimável riqueza que a obra prima encerra. Nada que fuja à regra, dado que este é um filme do mestre Sidney Lumet. Nesse caso, poderíamos afirmar, citando outros títulos do mesmo diretor, que cada um daqueles homens teve seu dia de cão, numa rede de intrigas que os armadilhou em suas próprias dúvidas, em busca dos fatos, e da verdade por trás dos fatos. Vale a pena assistir.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Lobão e Beethoven in concert:

 

Percebam que a célula rítmica que introduz a canção lobaniana acima citada é citação daquela que dá início à 5ª sinfonia de Beethoven, 1º movimento, allegro con brio …

Por certo o arranjador se aproveitou do tema, em seu aspecto rítmico, como inteligente comentário na peça rock de Lobão. De qualquer forma o paulistano tem um que de romântico, ou o contrário, pois o compositor alemão equilibra-se entre o romantismo do XIX e o classicismo. Tanto quanto apaixonado, excêntrico. Aguém bate a minha porta, preciso interromper esse post. Não são 4 horas, mas, de qualquer forma, a vida é doce … depressa demais.

Identidades fluidas: o homo-sapiens conexus

 

Em casa, nas lan houses espalhadas pelo mundo, através do celular, pelo pager, onde quer que seja, estamos, enfim, conectados. O judeu, o cristão, o ateu, o mulçumano, o budista: aquele, aquela, o outro, em certa medida, num âmbito estranho, faz-se eu. Agora a dança da menina ousada que insinua-se na cam, depois, um vídeo sobre a crise no oriente médio: tudo que é medo, tesão, ficção, vira mídia. O homo-sapiens conexus, novo Adão perdido em terras globais, saboreia novos frutos a cada agora, e o antes eterno, vira efêmero, liquefaz-se no vão instante de cada momento.

O conceito de cultura, pedra basilar da antropologia, já foi determinada pela geografia quando os deuses europeus se aventuraram por terras negras em busca de riquezas várias. Tão distintos eram aqueles selvagens, nossos admiráveis selvagens, nós, tão encantados por pronomes possessivos. Uma cultura menos desenvolvida, sim, mas nada que uma boa doutrinação não resolvesse. Ou será que essa atmosfera primitiva não constituiria o homem como tal, como é, animal? Etnografias depois, muito sangue derramado, tratados, tratados e mais tratados, letras mil em livros na estante. Margaret Mead, Malinowski, Clifford Geertz, e etc, muitos etceteras mais.

Não obstante, ao que pese toda a alta cultura semeada, ainda nos sabemos etnocêntricos, ainda que não nos confessemos, e a vaidade fala mais alto. O judeu é o cão, diz o pseudo-cristão, o mulçumano, terrorista, o ateu é um à-toa, alienado, o budista, um zen sem inteligência prática, o pobre é tolo cativo, o rico é corrupto, o padre, hipócrita pedófilo, o preto é ladrão, o branco é racista, o gay, pedófilo, promíscuo, e todos são, porque distintos, equivocados.

Enquanto isso os menos pragmáticos ainda buscam respostas nos livros, e por mais que a prateleira pese ensaiando ceder e as traças corroam os papeis - prefaciando a decomposição dos corpos - a busca por uma Verdade parece insurgir contra a pós-moderna relatividade. Ocorre que, no campo de balha intersubjetivo, a opinião acaba por ganhar - porque reflexo do eu - o status de verdade, já que o egoísmo vira a Verdade. Aqui, mais uma ideia à venda, ali, um novo conceito filosófico, no outro canto um menino morre de inanição, e enquanto alguém, no escuro de seu quarto, assiste a cena comovente, o outro se masturba escondido do outro lado da tela. No dia seguinte ambos se encontram, e um continua a ser o inferno do outro. Cada um tem sua opinião, e respeita aquela alheia, mas raras vezes sem o otimismo de quem sabe que o outro evoluirá, será enfim diferente. Se ateu, tornar-se-á cristão, no mínimo budista, se cristão, um ateu convicto e feliz.

O culturalista jamaicano Stuart Hall tem razão. A identidade cultural na pós-modernidade já não mais se determina geograficamente. Mas também é perigoso fazer da religião, da cor ou da orientação sexual o rótulo inequívoco, preciso, que determine o outro de antemão. Somos sempre atravessados por redes invisíveis, virtuais, pixels de informação que, não obstante iluminem, nem sempre espantam a sombra. Esperemos por um mundo mais igual, deveras, mais igual pelas diferenças. Talvez a grande questão é saber o que nos faz tão iguais, nós que somos assim, tão diferentes.

Jeferson Torres